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Fiz tudo nos clubes em que joguei e treinei

Por admin

– Martinho de Almeida,desportista e treinadorde futebol

Martinho de Almeida, 73 anos, que nega ser ex-treinador, considera que Moçambique precisa de descobridores de talentos desportivos para travar a movimentação de “ voluntários” nas modalidades, sobretudo no futebol, à procura de dinheiro para “o pão de cada dia.”

 

A velha raposa do futebol nacional, ex – deputado da Assembleia da República, recebeu-nos em sua casa, no Vale do Infulene, para esta entrevista, na qual responde a perguntas sobre os caminhos do desporto moçambicano, desde o tempo colonial, sua passagem pelos campos e do país no seu todo. 

Senhor Martinho de Almeida, como encara o momento actual do desporto nacional? Não disse de futebol!

O desporto está sendo levado mais a sério. Agora é uma forma de ganhar pão de cada dia, que alguns escolheram. Hoje há operadores desportivos. No outro tempo fazíamos desporto simplesmente por carolice, amor, convicção, prazer e mais para exercitação física.

 Agora é por dinheiro!

 Hoje uma criança quando vai ao futebol os país ficam atentos para ver se têm a sorte de ter um filho craque, que vai trazer riqueza em casa, através do desporto. Para além de contribuir para boa saúde, para prestígio, agora o desporto é praticado na perspectiva de se ganhar muito dinheiro e de acabar com a pobreza.

Que modalidade manteve equilíbrio do tempo colonial a este momento, 41 anos depois da Independência Nacional?

 O futebol sempre teve maior referência. Sempre atraiu multidões. Tornou-se uma maneira de a pessoa ganhar mais dinheiro. É por isso que se diz que o futebol é desporto rei. Quando eu era criança, o hóquei e o basquetebol eram modalidades que chamavam multidões aos campos, mas agora perderam muito protagonismo. É difícil querer rivalizar basquetebol com futebol. Todas as modalidades têm dificuldades de desafiar o futebol. Naquele tempo as pessoas que gostavam de basquetebol iam jogar basquetebol, as pessoas que gostavam de hóquei iam jogar hóquei, as pessoas que gostavam de futebol iam jogar futebol. Agora há pessoas que mesmo gostando de basquetebol vão ao futebol, há pessoas que mesmo gostando de hóquei preferem o futebol, porque com o futebol se pode ganhar mais dinheiro.

Quer com isso dizer que o futebol é centro de refúgio dos que têm o desporto como seu emprego preferido?

As pessoas sabem que por mais que sejam melhores patinadores do mundo não vão ser contratados por milhões como os futebolistas. Se eu quiser conhecer hoquistas que construíram prédios, me vão mostrar muito poucos, mas são muitos futebolistas que construíram prédios, casos de Coluna, que esteve sempre a chorar pelo prédio dele, Eusébio e outros.

A quem elege como melhor desportista de Moçambique colonizado e independente?

Talvez o Fernando Lage…

Os mais novos vão perguntar: Quem é ou quem foi Fernando Lage? 

Fernando Lage foi capitão da equipa de futebol do Desportivo de Maputo. Tivemos muitos desportistas de eleição, mas ele foi o melhor. O desportista é o homem que pratica desporto como sua preferência. Tem qualquer coisa diferente do atleta futebolista, do atleta basquetebolista ou doutra modalidade. Os interesses destes diminuem-lhes o belo nome de desportista. O desportista é o homem do desporto, enquanto, por exemplo, um futebolista pode não ser homem do desporto, mesmo sendo habilidoso, com muitas vitórias e prémios, porque não é símbolo desportivo.

Portanto, para si Fernando Lage foi esse homem que era símbolo do desporto?

Sim. Ele era um símbolo de desporto. Deixava tudo para fazer futebol. Até podia deixar a mulher e os filhos para estar com o futebol. Era um meio campista com habilidade para todos os lugares do campo, sempre com a mesma perfeição.

E quem seria para si o melhor futebolista de Moçambique independente?

Sem sombra de dúvidas, é Eusébio da Silva Ferreira.

 A minha pergunta refere-se ao melhor de Moçambique independente. Quem é?

De depois da independência…o melhor futebolista de Moçambique é…Depois da Independência!…Eu iria eleger Joaquim João.

Porquê?

Tinha força, tinha habilidade, tinha inteligência, era indiscutível para qualquer selecção que se fizesse no seu tempo. Qualquer treinador o tinha como convocado. Por isso foi dos jogadores com mais presença na selecção.

SÓ COM MILHARES DE CRAVERINHAS

Concorda que Lurdes Mutola é melhor atleta de sempre?

Lurdes Mutola e Joaquim João não deixam nenhuma dúvida, ela como atleta e ele como futebolista. E ela poderia ter ido muito mais longe se tivesse sido descoberta com sete, oito ou nove anos de idade. Ela quando foi descoberta para o atletismo já não era bebé, era uma criança. Teve a sorte de José Craverinha (o escritor) ter tido a capacidade de discernir o valor dela.

Acha que temos Lurdes que não conseguimos descobrir?

Eu não acredito que não haja outra. Mas como formalmente não temos alguém que tenha atingido o estrelato que ela atingiu, vamos aceitar que ela é única, que não há outra.

Ou faltam-nos descobridores como José Craverinha?

Precisávamos de José Craverinhas aos milhares para descoberta de outra Lurdes Mutola. Não estou a dizer que havíamos de ter, porque não é fácil. Quantas pessoas que haviam de ser grandes presidentes e não o foram? Quantas pessoas que deveriam ser grandes mecânicos, mas não o foram porque nasceram em Magude ou Manhiça, onde não havia carros para serem arranjados? Das pessoas que deviam ser grandes atletas, a sorte e oportunidade recaiu a Lurdes Mutola. Não faz sentido que um país com uma grande população não tenha jogadores para competirem de igual para igual com os outros, só porque não foram descobertos. Alguns são descobertos quando já têm vinte e oito anos de idade, então temos muito que se diga no nosso desporto.

Qual foi o seu melhor momento de desportista, quando atleta ou treinador?

Eu fui conhecido no futebol. Não cheguei a jogar nos Mambas. Como jogador fui muito famoso, principalmente no futebol informal, no Xipamanine. Fiz trinta e tal anos de futebolista formal.

Em que clubes fez o futebol formal?

Joguei no Alto-Maé, Benfica (Costa do Sol), Beira – Mar, Mahafil, Munhuanense Azar, 1º de Maio, Desportivo, onde também fiz atletismo. Como treinador primeiro fui dos meus colegas de infância. Eu era capitão, eu era treinador…

Escolhia-se sozinho! …

Não! Nunca votei em mim mesmo. Eu fui líder dos miúdos no Chamanculo. A minha mãe ficava muito aborrecida. Quando eu voltava da escola encontrava multidão de miúdos dos seus oito a onze anos à minha espera. A minha mãe, que não compreendia o que era aquilo, corria com aqueles miúdos perguntando-lhes se não tinham casas e pedia que deixassem o seu filho livre.

Ela não sabia que tinha um líder em casa?

Não sabia. Eu chegava da escola, ia para a janela do meu quarto, que estava sempre aberta, atirava a pasta para cima da cama, tirava a camisa e a deitava fora, tirava os sapatos e atirava-os para o quarto. Descamisado ia ter com a malta, também descamisada. Tínhamos receio de estragar as nossas camisas. Depois fui treinador no Beira-Mar, Mahafil, 1º de Maio, Costa do Sol, Maxaquene, Ferroviário e tudo mais. Nunca tive paixão por um clube. Aprendi a gostar de todos os clubes, assim como gostei de muitas mulheres que tive.

 Não tem paixão especial pelo Costa do Sol?

Não. Não. Não tenho paixão por nenhum clube. O que me fez não ganhar amor por um só clube é o mesmo que me fez não ganhar amor por única mulher.

A sua popularidade é produto de quem: de futebolista ou daquilo que ganhou com o futebol?

 Esta casa, onde hoje me estás a entrevistar, foi o Clube de Desportos da Maxaquene que comprou para mim por dois milhões e meio de meticais, em 1981. Esta casa e este terreno todo. Recebi a casa em 1981 quando assinei contrato de treinador para 1982. Nunca assinava contrato de mais de um ano. Era sempre um ano para não ser difícil o clube mandar-me embora. Queria ficar sempre pronto para ir para outro clube. Eu nunca quis ficar preso num clube. Quem quisesse me mandasse embora no fim da época.

Volto à pergunta. De que derivou a sua popularidade?

Fui popular desde criança. No Chamanculo com oito nove anos era mais conhecido que os outros miúdos com mais quinze anos. Fui popular a reparar automóveis. Fazia carros de arame e os vendia aos outros miúdos, sobretudo brancos, que iam chorar junto dos seus pais para lhes dar dinheiro. A minha característica de não ser invejoso, de não ser conflituoso, de ter educação social rara dada pela minha mãe…Nunca vivi com o meu pai. A minha mãe foi tudo para mim. Ela ocupou o espaço de mãe e pai. A maior amiga que eu tive, o maior amor que eu tive, a pessoa de que não tenho dúvidas que poderia dar vida dela, se fosse preciso, para não me matarem, foi ela.

Era único filho?

Dos onze filhos que a minha mãe teve, o filho que viveu sempre junto dela fui eu. Fiquei com dois irmãos, uma senhora e um senhor.

NUNCA PRECISEI DE DIRIGENTES

Qual considera o melhor momento do dirigismo desportivo em Moçambique?

Eu andei muito metido na parte técnica. Trabalhei com muitos dirigentes da federação, da associação e dos clubes. Nunca tive conflito com os dirigentes e nunca precisei dos dirigentes. Eu nunca disse assim: meu trabalho não é dirigir, meu trabalho é treinar. Eu participava em tudo que dirigentes me chamavam e trabalhava com eles. Não obrigava a um dirigente que me pagasse. Por mérito era pago. Olhava mais para o meu clube. Eu via qual é o mal que determinado dirigente estava a fazer ao meu clube. Com a sua pergunta, olhei para trás e vi que não convivi muito com os dirigentes. Nunca andei em confusão com os dirigentes, incluindo os árbitros. O árbitro para mim é dirigente. Nunca me preocupei muito com o trabalho dele.

Mesmo que inventasse penalte contra a sua equipa?

Quando o árbitro assinalasse penalte contra mim, eu dizia que ele falhou. Não dizia que foi comprado. Nunca disse isso.

Nunca participou no aliciamento de árbitro para a sua equipa ganhar com facilidade?

Estava sempre no balneário e não tinha tempo para ir ver se estão a comprar o árbitro ou não.

Nunca desconfiou de algum resultado, por não corresponder ao desempenho da sua equipa?

Não me recordo de nenhum golo da minha equipa que tivesse sido oferta do árbitro. Nenhum árbitro me ajudou a ganhar um jogo. Eu desde criança nunca gostei de ser desonesto.

Alguma vez foi vítima de desonestidade?

Podia pensar que houve uma desonestidade enquanto não houve. Eu podia ver que houve uma mão ou fora de jogo, como uma mãe olha para o filho e diz que é bonito, mas que pode não ser bonito. Várias vezes na estrada os polícias mandaram-me parar e disseram que eu estava a andar à alta velocidade, mas eu, mesmo com muitas dúvidas, aceitava. Sempre aceito que o outro está a dizer. Com os polícias sempre evitei conflitos e perder tempo em ir para esquadra ou para o tribunal. Prefiro pagar na hora a multa que me é exigida.  

DEVO MUITO AO DESPORTO

Alguma vez se arrependeu de ter nascido no desporto ou de estar no desporto?

Se me arrependesse seria o maior ingrato do mundo. Eu reconheço a minha grande dívida para com o desporto. Aquilo que recebi no desporto foi mais do que aquilo que eu merecia.

Afinal, ganhou o quê?

O carinho que recebi mereceria a quem fez mais que eu no desporto. A mim o desporto não deve nada, eu é que o devo. Não digo isto por estar apaixonado. Estar apaixonado é não ver. Quem está apaixonado é quem está maluco, já disse isso ao meu amigo que andava sempre coladinho à namorada. Um apaixonado aceita tudo sem preocupação. Eu nunca tive uma falsa modéstia. Nunca e jamais me julgarei mais que os outros. Nós os seres humanos temos um grande defeito que não é de gostar de nós. Se gostássemos de nós seria bom. O que não é bom é gostarmos demais de nós, buscando o que é dos outros. Não tenho sonho de ir mais longe.

Do terraço do prédio de trinta e três andares descobri que o Céu fica muito longe e que nunca ia chegar lá. Um amigo padre disse-me que a gente iria ao Céu desde que Deus estivesse connosco, porque só com Deus a gente chega lá.  

Agora é só ir ter com Deus para transporta-lo ao Céu!

Na doutrina ensinaram-me de que Deus estava sempre connosco. E como ir ter com alguém que está ao pé de ti a todo momento?

 Para si, terá valido a pena a criação do Ministério da Juventude e Desporto?

Negar isso seria dizer que as coisas que têm chefes estão mais desorganizadas do que as coisas que não têm chefes. Isso seria uma desvalorização de todos os chefes, porque eles são as pessoas que iluminam o caminho certo para se atingir um fim. Seria o mesmo que dizer que se não houvesse Ministério da juventude e Desporto o futebol andaria melhor, o que não tem cabimento.

Arriscaria dizer quem até agora foi o melhor ministro da Juventude e Desporto?

Arriscaria se tivesse acompanhado o trabalho dos ministros, mas eu nunca preocupei-me em avaliar se este ministro é melhor que outro ou é pior. É esse motivo que faz com que eu seja incompetente para identificar ou apontar que aquele foi melhor que o outro.  

Estamos a viver

a vigésima quinta hora

Também é político. Como avalia o actual momento da política nacional?

 Acho que é momento nunca antes vivido. É momento de terror. O grande mestre Constantino Virgílio Jorge, autor da vigésima quinta hora, padre romeno, vencedor da poesia em 1941, se estivesse aqui chamaria este momento de momento de terror. Estamos a viver a vigésima quinta hora. Hora de terror, hora decifrável, hora de grande convulsão. Isso faz-me lamentar muito, porque uns sofrem por causa da guerra que provocam e outros sofrem da guerra que é provocada. Ninguém é feliz com a guerra. Melhor é futebol, no qual quem ganha, não ganha tudo, quem perde, não perde tudo.  

Nos 41 anos de independência notou alguma falha do partido no poder? Pergunto-lhe como cidadão e não como militante da Frelimo.

Bem dizes tu que sou militante da Frelimo. Durante todos estes anos que estou no meu partido sempre procurei ver a sua beleza, como uma mãe que fica horas e horas a olhar a beleza da sua filha e não dispensa um minuto para ver a feiura da sua filha, que nem quer ver. Quando nós estamos entregues a um amor perdemos a capacidade de ver as falhas. A gente só vê as coisas boas. É difícil a gente ver nossos defeitos. Se a gente se propõe a ver nossos defeitos, corre o risco de errar, porque já estamos demasiado inclinados para um lado e para voltar para o outro é muito difícil.

Agora posso treinar

qualquer equipa do mundo

Considera-se antigo treinador de futebol ou ainda pode treinar uma equipa como a do Costa do Sol?

Com muito respeito que tenho pelos meus colegas, pelo valor que lhes dou, posso orientar qualquer equipa do mundo. Um clube quanto mais profissional, mais fácil é dirigir seus jogadores porque são pessoas que têm obrigação de ganhar. Mas nem todos os profissionais são bem educados. Quando estive a estagiar no Benfica de Lisboa, todas as manhãs quando chegava ao balneário, levado por Sheu, que vim a saber que era natural de Tete, cumprimentava o plantel, mas só os jogadores descendentes de Cabo Verde, Angola, Moçambique e outras partes de África correspondiam. Um dia o “maluco” Victor Baptista, também português, disse para que não os cumprimentasse mais…

 O tal Victor que fez parar o jogo Benfica – Sporting para procurar um brinco perdido?

Eu estava nesse jogo. Um dia Sheu disse deixa os gajos porque são buçais. Isso depois de Victor ter dito que os outros não tinham boa educação. E eu disse para todos ouvirem: Não fique zangado. Não tenho nada que não cumprimentar as pessoas, porque fui ensinado a cumprimentar e a corresponder. Cumpro a minha parte de ser bem educado. Eu tinha sido apresentado ao plantel benfiquista como treinador do Benfica de Maputo, que acabava de ganhar titulo e que merecia respeito especial. Quatro anos depois, me encontrei com Victor no Porto. Olhou para mim e disse: Lembra-se de mim? Sou aquele gajo, único jogador do Benfica que correspondia ao seu cumprimento no balneário. Ajuda-me. Estou à rasca de moedas para comprar cigarro. Dei-lhe e foi à sua vida.   

 Mister, aceitaria assumir o comando técnico de uma equipa desta edição do Moçambola?

Eu acho que hoje percebo muito mais do futebol que antes. O clube que me contratasse agora seria aquele que tivesse pessoas com muita visão. Só alguém com muita visão pode querer me contratar. Qualquer equipa onde eu treino não pode ser de quaisquer dirigentes. Uma equipa treinada por mim cai de pé como gato, não cai deitada. Eu não sou ex- treinador, sou treinador que não está a dar treinos a outros, mas a mim próprio. Eu não devo nada a nenhum outro treinador. Estou em altura de esgrimir com qualquer treinador, mas que ninguém fique assustado porque não estou a pedir emprego nem estou para tirar lugar a alguém. Eu recebi as honras de Arnaldo Salvado, que para mim é um dos melhores treinadores de Moçambique.

 Dos melhores ou o melhor?

Arnaldo Salvado é um dos melhores treinadores de Moçambique. Mais do que eu digo, o currículo que tem não lhe foi oferecido. Lembro-me que nas nossas reuniões de treinadores ele e outros colegas sempre me trataram de mestre. Se os mestres dizem que eu sou mestre, o que querem que eu diga, que eles não sabem nada? O problema que eu teria para agora treinar uma equipa seria a incompatibilidade. Os meus anseios tinham que combinar com os meus rendimentos. Se não treino é porque não apareceu um clube que me pagasse compativelmente, um salário que justificasse aquilo que eu iria perder por estar no futebol.  

Um Real Madrid! Já que, está visível que um Costa do Sol, um Maxaquene de hoje não seria capaz.

Não um Real Madrid!  Um clube que me pagasse os prejuízos que teria em ir treinar. Sinto-me ainda com capacidade de reivindicar o desempenho dos meus atletas. Exijo e sei exigir dos meus jogadores aquilo que eles são capazes de fazer. O meu jogador se pode correr mil metros em três minutos, não aceito que gaste nessa distância quatro minutos.

Quem foi o seu melhor jogador?

Melhor em quê?… O mais talentoso que tive foi Luís Siquice, aquele que deveria ter chegado muito longe, se não tivesse a lesão que teve.

Quantos títulos ganhou, entanto treinador?

Não vale a pena pôr no texto títulos, porque há uma grande batota. Minha carreira teve muitas paragens. Quando os outros ganhavam títulos eu não estava a dar treinos. Eles não ganharam a mim, ganharam aqueles que defrontaram. Eu treinei Beira – Mar, Mahafil, 1º de Maio, Maxaquene, Costa do Sol, Ferroviário. No Costa do Sol, em 1977, segundo lugar; em 78 perdemos por uma coisinha qualquer; em 79 campeões; em 80 outra vez campeões. Em 1981 tive desavença com o presidente do Costa do Sol, um tal Henriques. Fomos jogar na Tanzânia. Quando regressamos encontrei o campo seco por falta de água, então, como eu tratava de tudo, incluindo comida para jogadores e treinadores, mandei arranjar a bomba e depois se começou a regar o campo. Quando informei ao Henrique que mandei arranjar a bomba, ele berrou dizendo que eu me metia em tudo. Disse que toda gente tinha mania de achar que eu era dono do Costa do Sol. Disse mais: ou fica Martinho ou fico eu. Disse para ele: Fica você com o Costa do Sol.

Foi ficar sentado em casa?

O Maxaquene veio-me buscar. Fui seu treinador dois anos e depois parei para cuidar dos meus porcos. O Costa do Sol desceu de divisão em 1983. Já na segunda divisão, em 1984, me veio buscar. Sem derrotas retornei o clube à primeira divisão. Depois tive problema com Rui Tadeu. Ele e outros queriam mandar no clube e eu disse-lhes: Vocês não mandam aqui, enquanto eu estiver. Mais por ciúmes me mandaram embora. Em 1999 voltei e perdi com uma equipa dos Camarões por 1-0. Aproveitaram-se dessa derrota para correrem de novo comigo, sem que me indemnizassem. Mandei-lhes passear. Entreguei-lhes o clube. Passados dois meses me chamaram para receber o que me deviam e nunca mais voltei para lá.

E depois?

Deixa-me dizer que dei títulos ao Maxaquene, numa altura em que aquele clube não tinha dinheiro, tal como o seu presidente Nuro Americano. Eu é que pagava tudo, então disse chega. Alguém escreveu que Martinho de Almeida estava velho, isso de 95 para 96. Fui contratado pelo 1º de Maio, onde também pagava tudo a todos e fornecia lanches aos árbitros e jogadores, incluindo das equipas adversárias, sem compromisso. Um dia compraram o meu guarda-redes que frangou num jogo contra CETA, na altura treinada por Cabral, do Desportivo. Quando estive no 1º de Maio a treinar Nico e companhia, salvei a honra do presidente José Meque…Depois morreram mais de novecentos porcos meus…

Por que nunca pensou em fundar seu próprio clube?

Nunca pensei em fundar meu próprio clube, porque precisaria de ter dinheiro, ter tempo e trabalhar muito. Eu gosto de fazer tudo andar bem. Eu com uma equipa igual a outra equipa, não perco. Não dou treinos aos indisciplinados. No Ferroviário comprei Jerry e outros jogadores, Naquele clube para sair dinheiro é muito difícil. São muito agarradas as pessoas daquele clube. Não são pessoas do Ferroviário, mas sim dos Caminhos de Ferro. Tirei a braçadeira de capitão a  Joaquim João e entreguei a Mabjaia, o que provocou greve dirigida pelo próprio Joaquim João, ele que gostava muito de palmadinhas nas costas ao invés de dinheiro.

Chega, mister?

O que faço e digo no balneário, ninguém faz. José Maria Pedroto arranjou-me lugar no Penafiel, em Portugal, alegando que eu naquele país não tinha adversário, que não havia por lá treinador de futebol como eu. Aprendi com ele e outros.

Texto de Manuel Meque
manuel.meque@snoticicas.co.mz

Fotos de Luis Muianga

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