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URBANO, EX-MÉDIO ALVI-NEGRO, CAMPEÃO NACIONAL EM 1977: Futebolista moçambicano não desenvolve corporalmente

Por admin

Corria o ano de 1977 quando a equipa principal de futebol do Grupo Desportivo de Maputo (GDM) protagonizou o insólito. Sessenta jogos, zero derrotas e um empate. Os adeptos extasiados e na falta de melhor recompensa para os fabulosos jogadores criaram uma canção que virou hino: "uta bela na mani" (contra quem vais jogar?). Não tinham, literalmente, adversário. Depois jogavam à moda “a galinha come no chão”, isto é, bola sempre rente ao pelado. Urbano construía jogadas e Sitoe marcavam golos atrás de golos. A ventoinha…girava. Agora não.

Como é que isso foi possível?
Foi possível porque éramos
muito unidos. Tratávamo-nos
como irmãos. Quando um colega
tivesse alguma dificuldade,
no balneário colectávamos
algum dinheiro para ajudá-lo.
Quanto ao jogo, partia mesmo
desse princípio de sermos unidos
e objectivos. Discutíamos
os jogos no balneário. Falávamos
sobre como é que iríamos
encarar o próximo jogo. E tínhamos
jogadores que resolviam
os problemas da equipa como
Sitoe , Calton… Atrás tínhamos
defesas como Miguel, Aurélio,
Nuro, Frederico. No meio-campo
tínhamos Hamid,…
Urbano…
(risos) … Cabral. Jogadores
com uma técnica muitíssima
apurada. Nós ganhámos o campeonato
nacional de 1977 com
um guarda-redes coxo que era
Arlindo. Por aquilo que eu sei,
nem os jornais nem as rádios
reportam este recorde ímpar.
Não há equipa em Moçambique
que tenha feito o que o Desportivo
fez. Depois tínhamos um
treinador, Cremildo Loforte, que
era bastante humilde. Ouvia os
jogadores. E um presidente, o
falecido Armindo Afonso, que
também conversava connosco e
pedia opinião.
Por exemplo?
Lembro-me de um jogo que
fizemos contra o Costa do Sol,
no Estádio da Machava, para a
Taça, em que perdemos por 4-1.
No jogo para o campeonato, o
falecido Armindo Afonso queria
que fôssemos jogar na Machava.
Dissemos-lhe que queríamos
jogar no nosso campo.
No ex-Estádio Paulino
Santo Gil?
Sim. Respeitou a nossa opção.
Jogámos e ganhámos por
4-0. Isso faz bem aos jogadores.
Ter confiança na Direcção e nos
dirigentes. Ter um presidente
muito próximo dos atletas. Nos
dias de hoje isso não acontece.
Não vivem o problema do clube.
Porquê? Porque muitas vezes as
pessoas são endossadas para a
presidência do clube, mas não
são daquele emblema.
Como é que se sentiram
quando os adeptos alvi-negros,
entusiasmados com a
vossa brilhante campanha, fizeram a canção que na época
virou um autêntico hino. Dizia
assim: "yo utabela namani
yo/ yo utabela namani yo" (contra
quem vais jogar/ quem vai
nos travar)?
Foi a maior felicidade de
sempre, porque nem na era
colonial se tinha atingido essa
cifra. Veja que um adepto do clube,
muito ferrenho, o Mussagy,
já falecido, abateu uma cabeça
e fomos comer com alguns sócios
ali no clube. Havia carolice.
Tudo isso acabou quando integraram
os clubes nos ministérios.
Resultado: não há bom
futebol mas treinam de dia. Nós
treinávamos à noite. Agora têm
a tarde para repousar e estudar.
Eu sempre condenei as integrações
porque acabaram criando
preguiçosos. Treinando de manhã,
à tarde não iam à escola
nem iam aprender um ofício. No
meu tempo a primeira coisa que
nós pedíamos era emprego. O
que é que acontece hoje?
Pode dizer…
O futebol pode durar-te 20
anos como três segundos. Se
partes a perna como é que te
safas? Em Moçambique não há profissionalismo. Se de repente
te acaba o futebol ficas na rua
da amargura.
MÍSTICA
Qual era a mística do
GDM?
Era o aconchego dos sócios.
De manhã, por volta das sete horas, aos fins-de-semana, assistiam
jogos de juvenis. Não
iam almoçar à espera do tal
“Utabela namani”. Se sofrêssemos
um golo eles não se inquietavam
porque sabiam que íamos
virar o resultado.
Quem foi o responsável
por aquele vosso futebol que
ficou conhecido como “a galinha
come no chão” e você,
Urbano, era quem pautava o
ritmo do jogo, ora acelerando
ora diminuindo a intensidade,
mas com a bola sempre muito
bem colada ao pé e com os
braços abertos, ia mandando
a equipa subir?
Vinha de trás. Quem começou
com “a galinha come no
chão” foi Mário Lage. E foi passando
de geração em geração
até aos nossos tempos. Hoje
o Desportivo está a perder um
pouco disso. Antigamente o jogador
do Desportivo era do Desportivo.
O clube não ia buscar
noutros emblemas. Vinha da formação.
Por exemplo eu, Hamide,
Néne (falecido e ex-Sporting de
Portugal), Sérgio Albasini… fomos
das escolas do Desportivo
de Mário Romeu. A única escola
de futebol existente na época era
do Desportivo, isto por volta dos
anos 1962/63/64. Depois veio o
Tubarão. Era raro ver um jogador
alvi-negro bombear. Os primeiros
defesas laterais (modernos)
a atacar foram Frederico e Nuro.
Depois apareceu Jerónimo.
Jerónimo Nhanombe, o
lança-chamas!
Sim. Quando o clube deixou
de fazer formação apareceu
aquilo que eu chamo de jogador-
-mercenário. Se ganhou, tudo
bem. Se não ganhou, não se importa.
Nós, se perdêssemos um
jogo, sentávamos no balneário.
Ficávamos muito tempo sem
tomar banho a tentar perceber o
que tinha falhado. Hoje não. Acabou
o treino e cada um vai para
o seu lado. Não há conversa.
Durante a partida vês jogadores
a arrastarem-se porque não têm
interesse. É isto que causou não
só esta despromoção do Desportivo,
mas porque não tinha estes
jogadores da casa como Tico-
-Tico, Dominguez, etc., etc.
Mas…
Isso acontece também noutros
clubes onde há jogadores mercenários. Veja-se o caso da
Liga Desportiva de Maputo. Não
formou ninguém. Por um lado,
estragou o futebol, porque foi
buscar os melhores, mas, por
outro, ajudou a evoluir, porque
os outros começaram a ver
que não deviam entregar tudo
à Liga. A Liga de Maputo tinha
duas, três equipas de futebol
mas só utilizava uma. Os outros
vinte jogadores que deviam estar
a jogar noutras equipas, a
fazer frente à Liga, já não apareciam,
ficavam na bancada.
No vosso tempo havia
equipa de reservas e honras.
As reservas é que abriam as
hostilidades às 13.00 horas
e às 15.15horas era a partida
principal. Havia vantagem?
Isso faz falta. Por exemplo,
em Portugal a equipa B são as
reservas. Agora, o júnior evolui e
cortam-se-lhes as pernas quando
ele sobe para o escalão sénior
porque não tem a tal reserva
para dar continuidade àquilo que ele é. Às 13.00 horas estavam lá
treinadores, adeptos a ver a evolução
de cada um dos atletas. Eu,
Hamide e outros não passámos
pelas reservas porque tínhamos
outras qualidades.
Talento?
Sim. O futebolista moçambicanotem talento nato. Não
é preciso fazer repetição do
gesto. Aquilo que os europeus
fazem. Ficas um mês a bater a
bola assim, assim, assim. O que
nos falta é disciplina táctica e disciplina corporal. Há dez anos
os jogadores apareciam e ao final
de três anos desapareciam.
O Benfica de Lourenço Marquesteve uma grande equipa mas alguns
dos nomes sonantes desapareceram.
Por exemplo?
Ramos Siquice. Era extraordinário.
Hoje com os meus
sessenta e sete anos quando
ando na rua é Urbano para aquiUrbano para acolá porque deixei
nome. As pessoas, às vezes,
perguntam “e o nosso Desportivo”?
Eu não sou do Desportivo,
eu sou Desportivo. Se eu fosse
do Desportivo era capaz de arranjardinheiro sei lá onde para
levantar aquele meu clube.
Está triste?
Sim, nunca se pensou que oclube pudesse atravessar uma
coisa como esta. Vendeu-se o
campo… está destruído.
Há quanto tempo não entra
nas instalações do clube?
Há sensivelmente quatro
anos. Porque eu, Hamide e
outros ex-jogadores do clubequando lá fôssemos éramos
desprezados pelas direcções
que passaram por lá. Ignoravam-
nos. E nós dissemos “poxa.
Fomos glórias do futebol moçambicano
e, sobretudo, do
GDM e nos fazem isto”.
Sem querer ser injusto
para os demais, quem foi o
melhor treinador nos anos
em que militou no GDM?
É um bocado complicado
porque cada treinador tem
a sua metodologia. Cremildo
Loforte foi um bom treinador
porque conversava. Altenor Pereira
também dialogava. Outros
treinadores que passaram pelo
clube, embora tivessem muitos
conhecimentos, mas como eles
vinham, em algum momento, do
profissionalismo queriam implementá-
lo aqui. Acontecia que nós
não éramos profissionais. Trabalhávamos.
Por exemplo eu, Frederico,
Sitoe e Calton trabalhávamos
na estiva, no serviço naval.
Fazia o quê lá?Eu era conferente. Às vezes
saíamos dali às sete horas da
manhã depois de ter feito vinte
e quatro horas para ir jogar à
tarde e render. Hoje… por isso
é que eu digo que em algum
momento as integrações talvez
sejam uma parte da culpa do quevimos hoje. Criou preguiçosos.
Não criou estudantes. Se fores
a ver em Moçambique, não digo
Maputo, a partir da altura das
integrações 70 por cento de jogadores
não estudaram e nem têm
um ofício. Estão aí. São pedintes.
Porquê? Pensaram assim:
estamos integrados, viva o luxo,
e esqueceram-se do amanhã deles.
Repito: o futebol pode te durar
20 anos como dois minutos.
Por exemplo, o Luís Siquice, que
quanto a mim era o sucessor natural
do grande Eusébio da Silva
Ferreira, não durou muito. E que
tal se ele não tivesse o ofício e a
formação que tem?
Qual foi o jogo mais difícil
e importante para si e em que
ano foi?
Desportivo-Maxaquene e
Desportivo-Benfica. Nós ganhámos
o último campeonato no
Estádio da Machava (dois a zero
ao Benfica), treinado por Martinho
de Almeida, em 1977. Nós
éramos matreiros e eles jovens.
Tinham os Nitos, Semedos, Caldeiras,
Ramos, Luís… Mas conseguimos
controlar a situação.
Se tivéssemos perdido por seis,sete não era crime porque eles
tinham um plantel de luxo. Mas
gerimos o jogo naquele nosso
futebol de devagarinho, devagarinho,
aquele tic-tac, “a galinha
come no chão”. Ganhámos ao
Benfica (Costa do Sol).
Então…?Foi quando a imprensa
disse: “vovó disse” ("kuxo
kuxo"). Não era vovó, era talento
e matreirice.
E o de triste memória?
O jogo de triste memória foi
contra o Maxaquene. Na primeira
parte estávamos a ganhar
dois a zero. O Maxaquene virou
o resultado para 6-2. Mas depois
demos-lhe o troco no Estádio
da Machava. Vencemos dois
a um e o Maxaquene desapareceu
do campo.
Como assim?
Antes de terminar o jogo
o Maxaquene saiu do campo.
Aconteceu que o árbitro enganou-
se na contagem do tempo e
terminou a partida faltando dois
minutos. Quando se apercebeu
do erro e chamou-os mas não
voltaram. Alguns dirigentes tricolores
também incitaram nesse
sentido. O último golo de Calton
foi um petardo. Foi o meu último
jogo. Abandonei aos 29 anos. O
campeão foi Costa do Sol.Vocês tinham Calado,
sempre a provocar miséria
nos defesas.
Eh pá. Aquele canhoto. A
Académica tinha Fomito. Estes
dois… não sei dizer quem é o
melhor. Outra equipa difícil era
o Textáfrica (primeiro campeão
nacional). Mas esse primeiro
campeonato é discutível até
hoje porque as regras que vêm
emanadas na Federação não foram
cumpridas.
Como assim?
O jogo contra a Académica
que ditaria quem iria jogar
com o Textáfrica na final terminou
quando passava da meia-
-noite. Teve prolongamento. E
o Textáfrica estava uma semana
parado a espera do vencedor.
Então como o presidente da Federação,
Manuel Jorge, falecido,
fosse do Desportivo, não deu as
quarenta e oito horas de repouso,
talvez para não ser acusado
de favorecimento e tivemos de
jogar ainda fatigados.
Em que clube começou a
jogar?
Nas escolas do Desportivo
de Maputo. Naquele tempo
havia um pouco de complexo e
por influência de um grupo de
amigos da zona sai do clube e
fui para o Central. O “Central”
dos Matines, Adelino Jorge,
Quarentinha, Maló, etc., etc.
Fui chamando para tropa e colocaram-
me em Nampula onde
joguei sucessivamente pelo
Benfica e Sporting, tendo-me
sagrado campeão envergando
o "jersey" leonino. Regressado a
ex-Lourenço Marques fui para o
Desportivo arrastado por Abreu
(está na FMF). Mas estive com
um pé no Maxaquene e outro no
Ferroviário. Quem me puxava
para os locomotivas era Baltazar
e para o Maxaquene Tayob.
Mas por questões de emprego,
por questões de segurança, fui
para o Desportivo de Maputo.
TORNEIO DO
XIPAMANINE
Jogou nos torneios de fim
de ano no campo do Xipamanine.
Sim. Xipamanine fez crescer
o futebol moçambicano. Baltazar,
Augusto Matine, Nelson Mafambane
e Eusébio jogaram ali.
Aos sábados fazíamos dois a três
jogos em equipas diferentes. Depois
havia rivalidade de bairros.
Os Carlos Brume, Mombassas,
Quarentinha e Messias (falecido)
também jogaram. E muitos
outros. Se tivéssemos jogo no
domingo na baixa, voltávamos a
Xipamanine a correr para jogar.
Era sair de um jogo para
outro?
Sim, e não tínhamos tempo
de pensar naquilo que a sociedade
hoje é: drogas, álcool, etc,.
Estávamos altamente ocupados
com o futebol. Nelson Mafambane,
por exemplo, devia ter ido
a Portugal com Rui Rodrigues.
Mas teve azar. Tinha muita qualidade.
Os campos do Beira-mar
e Xipamanine também forjaram
mestres de futebol. Veja que
Baltazar e outros tantos iam lá
jogar. Falo de Baltazar porque
era o expoente máximo e não
se pode falar do futebol moçambicano
sem mencionar o seu
nome. Havia ainda Abel, Zeca
Migelleti,… saíram dali. Acabavam
o jogo no Ferroviário e sem
que tivessem tomado banho saíam
a correr para jogar no Xipamanine
e Beira-mar.Melhor jogador
pós-independência
Para si quem foi o melhor
jogador moçambicano pós-
-independência?
É um senhor chamado Daniel
Calton Banze. Pena ter sido prejudicado
porque na altura não
havia abertura para transferência
de futebolistas moçambicanos
para o profissionalismo no
estrangeiro.
Foi muito tarde, creio que
aos 33 anos.
Ainda não apareceu igual.
Baixinho mas com tudo. Era um
espectáculo. Nós, colegas dentro
do campo a jogar, gostávamos de
ver Calton (“Exportação”) com a
bola nos pés. Ele sabia o que fazer
com a bola ou sem ela. Se tivéssemos
tido oportunidade de ir
para o estrangeiro legalmente teríamos
tido uma grande selecção
e hoje continuaríamos com uma
grande selecção. Éramos muitos:
Joaquim João, Gil Guiamba, Artur
Semedo, Nitos, etc. Naquele tempo
não havia equipas pequenas.
Veja um jogador como Cabral. Fininho
mas com habilidade de enguia.
Tiago Machaisse. Baixinho e
com muito olho. Era um fantástico
distribuidor de jogo. Chiquinho
Conde (Sporting de Portugal,
Vitória de Setúbal) foi mais feliz.
Depois vieram os outros.

Temos talentos sim…

Na sua óptica, porquê temos poucos talentos?
Não é verdade que temos poucos talentos.
Só que naquele tempo o dirigente desportivo
ia ao bairro. Terminado o jogo chamava dois
ou três miúdos que se tinham notabilizado e
dizia-lhes para irem ao clube. E oferecia algum
dinheiro para que pudessem apanhar o machimbombo
para os treinos. Hoje nos grandes
bairros os campos estão transformados em
"dumba-nengues".
Resultado?
Faz com que a miudagem já não jogue futebol.
Se fores aos campos das Mahotas, Infulene,
vês craques. Só que, eu pai, com o meu
salário, não consigo dar dinheiro ao meu filho
para ir à baixa treinar e depois voltar. Às vezes
tem de fazer dois a três transbordos. A maioria
dos craques está na Mafalala, bairro da Munhuana,
entre outros. É preciso pesquisar. E os
miúdos têm de ter referências. Por exemplo, o
treinador dos iniciados é Hamide. O pai que ouviu
falar de Hamide diz sim senhor. O meu filho
está bem entregue. O treinador é Naldo. Sim
senhor. Nem que ele não seja treinador principal.
Mas que participe nos treinos, porque só o
nome dele a girar ali cria outra motivação ao
miúdo. Não digo que todo o treinador tenha de
ser ex-praticante. Às vezes tem de exemplificar
o gesto.
Moral da história?
Jogador da Selecção Nacional de Moçambique,
Selecção A, quando domina a bola vai cair
a três metros. E este é o tal craque. Chega um
olheiro estrangeiro que ouviu falar do aludido
futebolista e vê-o a dominar a bola daquele jeito.
Claro que não o vai levar.
Tinha um excelente domínio de bola.
Como alcançou tamanha destreza?
Adquiri tudo isso nos campos do Xipamanine,
Missão Suíça. Jogávamos naquele areal
todo. Também tínhamos um espaço na cantina
do "China”, na varanda, onde brincávamos “mu
din kalha” com bola de ténis. Dominávamos
aquilo, logo era fácil fazer tudo o que quiséssemos
com uma bola maior.
Quantas vezes foi internacional?
Fiz jogos com a selecção aqui, na Tanzânia,
talvez umas seis vezes. Eu não era jogador de
selecção. No Desportivo era uma coisa e na selecção
outra. No Desportivo, nós nos conhecíamos,
se eu descaísse para um lado o colega
sabia o que eu ia fazer. Mas olha, dos poucos
que estão cá ainda que jogaram na Selecção de
Moçambique antes da independência sou eu,
Carlos Broa, Palma Pinto e Maló.

Se Dominguez tivesse
mais cinco quilos…

A musculatura dos nossos futebolistas…
hum… Quer comentar?
Não sei se é preciso injectar alguma
coisa nas comidas que vêm, mas o nosso
jogador não cresce. Não tem musculatura.
Dominguez – autêntico fora de
série – se tivesse no corpo mais cinco
quilogramas era outra coisa. Tinha singrado
na Europa. Mas quando vêem que
não há desenvolvimento muscular…
A Europa já não quer perder tempo a
ensinar-te. Quer jogador feito ou por limar
algumas arestas. Isso de que vou a
Portugal e depois de três anos é que vou
aparecer, não.
Recordo-me do médico Paulo Ivo
Garrido ter dito o mesmo sobre Dominguez
há sensivelmente sete anos.
Tem muita qualidade. Muito talento.
Para terminar…?
Falamos muito do escalão inferior
mas não se faz nada. O escalão inferior
precisa de cinquenta bolas para trinta
miúdos. Os seniores não precisam tanto.
Um treino dos miúdos hoje tem quatro
bolas sendo que duas estão estragadas…
assim, não vamos a lado nenhum!

As direcções dos clubes do Centro e Norte acordaram

Para terminar esta nossa entrevista
que já vai longa, últimas considerações.
Bem hajam estes treinadores de
renome aqui no nosso país que estão
a desenvolver. Quase todas as equipas
do Norte classificaram-se melhor
do que as de Maputo. Tempos houve
em que ser treinador de Maputo não
"servia" no Norte. Agora, por exemplo,
levaram Semedo. Está aí o resultado.
Ele só não ganhou o campeonato porque
a estrelinha dele não funcionou
nos últimos quatro jogos. E ele só precisava
de ganhar dois jogos.
Sim?!
Levaram Lucas Barrarijo para Chibuto.
Está aí. Nas calmas ele foi subindo
e chegou a estar em segundo. Levaram
Salvado para Nampula e está a desenvolver
um bom trabalho, apesar de os
primeiros jogos não lhe terem corrido
bem. Mussá Osman, idem aspas, no
Chingale. Curiosamente, desceram de
divisão duas equipas de Maputo.
Então?
Os clubes da capital não se podem
esquecer de trabalhar efectivamente.
Se está lembrado de 1975 para cá a
maioria dos jogadores vinha do Norte
porque as direcções dos clubes ainda
estavam a dormir. Mas eram da
Beira, Nampula. Agora espero que se
trabalhe mais de modo a termos uma
selecção forte. E há coisas que decididamente
não podem acontecer a bem
do nosso futebol.
Por exemplo?
Todo o mundo leu a entrevista que
Faife deu quando era treinador do Costa
do Sol. Coisas como falta de gelo
(água). Como é possível isso? Este vendaval
do Desportivo que caiu do vigésimo
andar. Os outros quando entraram
já era tarde. Eu não posso criticar João
Chissano. Aliás, ele diz bem na última
edição do desafio o que se passou no
Desportivo. O clube tem de se reorganizar.
O Desportivo tem sócios. Estão de
fora a assistir. Porquê? Porque naquela
altura não lhes davam importância e
espaço. A Direcção tem de ir ao sócio
pedir bolas, pedir equipamento.…O sócio
do clube hoje não tira dinheiro porque
há coisas que não estão bem claras lá.

Texto de André Matola
matolinha@gmail.com

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