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Contornos e beneficiários da falsificação de idades

Por admin

A cidade de Pemba, Capital da província de Cabo Delgado, vai acolher, de 15 a 24 de Agosto, a XII edição do Festival Nacional dos Jogos Desportivos Escolares, uma prática que se realiza de dois em dois anos.

O festival reúne jovens alunos de todas as províncias, inscritos nas modalidades de futebol, basquetebol, andebol, atletismo, voleibol, ginástica, em ambos sexos. A estas modalidades se juntaram o xadrez e jogos tradicionais. Já desde o seu início, em 1978, pela orientação do 1º presidente de Moçambique, Samora Moisés Machel, foram sempre descritos como uma alavanca da Unidade Nacional.

Cada província se faz presente no certame para ganhar jogos e se tornar vencedor por modalidade e em absoluto. A confraternização é remetida para o segundo plano, fora das quatro linhas e das pistas. É competição em causa.  

O festival em si injecta nos mais jovens os valores da cidadania e a Unidade Nacional. Porém, à semelhança dos Jogos Olímpicos, que de quatro em quatro anos reúne os países de todo o mundo, o lado competitivo é mais presente.  

A Unidade Nacional é fora dos campos, enquanto se come, se dança, se brinca, mais sustentada pelos eliminados das respectivas competições. 

GANÂNCIA DE GANHAR SUPERA O REALISMO

A ganância de cada província sair do festival com mais medalhas e com a taça de vencedora absoluta da prova supera o espírito de Unidade Nacional. Isso leva com que cada província use todos os meios ao seu alcance para chegar a esses objectivos. Um desses meios é a falsificação de idades dos alunos jogadores.

A prática de falsificação de idades, que em todos festivais é intimada com tolerância zero, pode estar a contar com ajuda dos Serviços de Registo e Notariado, talvez, com cumplicidade dos governos distritais e provinciais, pelo que não se pode dizer de ânimo leve que desta vez não haverá atletas maiores que a idade máxima exigida.

Deve-se dizer que o combate continua até que se chegue a zero falsificação, uma meta que não se alcança somente por desejo, mas por trabalho aturado que tenha começado da base. Caso contrário, no fim do festival não ficará ninguém sem se demitir por não ter faltado falsificação.

A falsificação das idades começa na fase escolar para o apuramento à fase distrital e desta para a fase provincial. Nas escolas se falsificam idades para se ter mais alunos – atletas na fase distrital e nesta para a fase provincial. Os governos distritais que gostam do desporto investem nos jogos escolares para sua visibilidade provincial.

O fulcro da falsificação das idades é a província. Ter no festival melhor equipa de futebol, melhor equipa de basquetebol ou de outra modalidade enche de orgulho a uma província inteira, ao seu governo e aos seus governantes, tal como quando se tem uma equipa a ascender ao Moçambola.

Porque o desporto é desporto, não importa que seja escolar ou federado, o que nele domina é competição, da qual todos querem sair vitoriosos a todo custo. Talvez por isso é das coisas que o homem gosta mais, mesmo suja.

O festival escolar já foi para jogadores não federados, mas o lado competitivo imperou e hoje os federados se misturam com simples alunos aprendizes.

Hoje assiste-se no festival a jogos sérios como dos campeonatos nacionais de clubes, ajuizados por árbitros do Moçambola, no caso do futebol, o que aumenta a rivalidade entre as províncias, com cada uma a querer provar que é melhor nesta e noutra modalidade.

A inclusão de federados e a falsificação de idades nos jogos escolares pode não agradar ao Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano, entanto organizador do evento. Talvez não seja desta vez que as províncias não levem para o festival “adultos” nas suas selecções. A falsificação de idades pode não ser constatada, mas estará presente em Pemba!

O ministro da Educação e Desenvolvimento Humano poderá ganhar o desafio que lançou aos directores provinciais de que quem tiver na sua delegação atletas com idades falsas deverá pedir demissão.

Tudo será feito para sua satisfação, o que não significará que não tenham chegado a Pemba alunos atletas com idades falsificadas no distrito ou na província. A luta contra a falsificação de idades não foi ganha no anterior festival, em Tete, e pode levar muito mais tempo se não se passar das palavras. 

Fique-se sabendo que até as associações e federações falsificam idades na procura de melhores resultados nas provas de formação em que o país participa.

Há jogadores que atingem o escalão sénior com dois ou mais Bilhetes de Identidade (BI, s) com idades diferentes. Portanto, é um mal cujo combate passa por consciencialização das mentes dos que estão em frente dos nossos organismos desportivos e não só. E não é trabalho que se faz de um dia para o outro.

ARBITRAGEM E REGIONALISMO 

Há quem advogue que falar de regionalismo é ser regionalista. Mas pode ser forma de melhor o combater, sobretudo quando o foco é a juventude.

Assiste-se no festival dos Jogos Escolares uma certa doze de regionalismo, que podemos chamar de regionalismo desportivo, que quando bem interpretado não compromete a Unidade Nacional.

Tudo começa com as arbitragens, pois verifica-se que determinados árbitros entram para os jogos com a missão bem definida ou encomendada, não deixar a equipa, por exemplo, da capital do país passar para a outra fase ou se sangrar campeã.

Normalmente a Cidade de Maputo é inimiga de todas as províncias, até da província de Maputo! Se o árbitro é de Tete e o jogo é entre uma equipa de Sofala e uma da Cidade de Maputo, é normal que se veja uma arbitragem de abater a equipa da capital, o que nem sempre é fácil.

É notório, igualmente, o regionalismo norte, centro e sul. Com alguma normalidade, a acção tendenciosa das arbitragens se junta ao nortismo, centrismo e sulismo. Por vezes de forma tão exagerada que desfaz o espírito de Unidade Nacional, que o desporto pode emprestar ao país.  

Mas por que tanto ódio pela capital do país? Muitos factores concorrem para isso. O próprio formato de organização do festival faz com o resto do país olhe a cidade de Maputo com outros olhos. Das vezes anteriores, toda máquina humana era transportada de Maputo para a cidade acolhedora do evento. O Ministério da Educação era levado às costas de Maputo para essa cidade. Houve casos que até o papel higiénico era transportado da capital do país. Chegava-se ao cúmulo de se contratar “chapas” de Maputo para prestarem serviço lá na província, como se os transportadores locais não gostassem de ganhar dinheiro. Essa prática também não ajuda na construção da Unidade Nacional que almejamos dia e noite.

Já se ouviu gente de Pemba a murmurar pelo facto de o lançamento de festival deste ano ter sido na capital do país e não na capital de Cabo Delgado. Essa gente deve estar a recear que os músicos, os vendedores de comidas e bebidas, água e tudo mais será transportado de Maputo.

Haja vontade de ver toda gente bem alojada do primeiro ao último dia, á semelhança do que acontece nos Jogos Olímpicos. Quem repetir os erros do passado que lhe seja exigido o tal pedido de demissão.

Manuel Meque

malembalemba@gmail.com

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