“Boss, com fome nós não vamos jogar” , foi com esta frase que me respondiam os miúdos e não miúdos que deviam participar em mais uma edição do torneio “Ano Novo” que tenho vindo a organizar no nosso povoado de Tunduzi, onde tenho em construção um campo de futebol, já utilizável.
Nem as novas bolas e os novos equipamentos que levava para eles os cativaram a jogar futebol esfomeados. É que, até a última semana de Janeiro o distrito de Morrumbala estava assolado por uma fome terrível, que só não mereceu atenção do Instituto Nacional das Gestão de Calamidades (NGC) por, por lá, não ser uma calamidade lucrativa como as cheias que vinham sendo aguardadas de olhos abertos, mãos juntas e bocas escancaradas.
A situação piorou quando as mangas acabaram nas mangueiras e do chão nada do que se semeou germinava por falta da chuva. O preço do milho vendido aos molhos havia disparado, o que deixou os pobres camponeses de “boca aberta” questionando porque estavam sendo castigados. Falta de comida, chuva e de socorro era igual a fome.
Eu queria que a “malta” fosse jogar para esquecer a fome, mas isso era impossível para quem não sabia como sobreviver sem comida na barriga e no celeiro.
Pelo respeito que nutre para com a minha pessoa, a rapaziada aceitou que fizesse um jogo do qual eu pudesse vê-la vestida dos novos equipamentos a utilizar novas bolas. O jogo envolveu as equipas de Macutine (povoado de Tunduzi) e do Bairro 25 de Setembro da vila sede de Morrumbala.
No fim da partida, cujo resultado e história divulgarei na próxima crónica, reuni com o meu staff e anunciei: enquanto prevalecer a fome não haverá mais jogos. Foi sorte hoje não ter falecido alguém no campo. Vamos todos à procura de algo para comer, até encontrar.
Houve quem sugerisse que eu fornecesse comida para todos os jogadores nos dias de jogos. Achava que eu, da mesma maneira que lhes fornecia bolas e equipamentos anualmente, era capaz de garantir algo de comer para ver o futebol que mais gosto.
Matutei na ideia de eu patrocinar comida, já que o milho das minhas machambas não tem tido quem o coma, mas não queria que os jogos fossem assistidos por esfomeados ou por ninguém.
Já agora, uma pergunta aos estudiosos do desporto: é possível a prática desportiva garantir corpo são a quem não tem nada para comer?
Manuel Meque