A Federação Moçambicana de Futebol (FMF) acaba de sofrer uma burla, com o desvio de milhares de dólares doados pela FIFA para a viabilização da nova sede do órgão reitor do futebol nacional. No entanto, o presidente daquele organismo, Feizal Sidat, garante que o assunto já foi resolvido por consenso entre as partes envolvidas.
A FMF adquiriu em 2012 uma residência na Avenida Agostinho Neto, número 957, com o propósito de ali instalar a sua nova sede (Casa de Futebol), deixando os compartimentos do segundo andar do prédio Fonte Azul, na baixa da Cidade de Maputo, para o funcionamento das diferentes comissões, a exemplo de futsal, futebol feminino, arbitragem, entre outras.
Só que, volvidos dois anos, a obra não está concluída e não é por falta de dinheiro. Os milhares de dólares obtidos na venda de terreno de Mulotona e outros doados pela FIFA tiveram outro destino.
Trata-se dum processo com vários capítulos e que tem o condão de colocar Moçambique na lista antipática da FIFA, não obstante Feizal Sidat advogar que é um assunto encerrado. Na verdade, o imbróglio não está nada terminado.
ZONAS DE PENUMBRA
Decorria o ano de 2001 quando o então elenco da FMF, dirigido pelo malogrado Mário Coluna, solicitou à Direcção Provincial de Agricultura de Maputo um espaço para a construção do Estádio Nacional.
A 19 de Fevereiro de 2002, a direcção supracitada emitiu um despacho favorável ao pedido da FMF, indicando um terreno de 80 hectares para “fins sociais” a favor da federação.
O terreno está situado na zona limítrofe entre o município da Matola e o distrito de Boane, na região conhecida por Mulotana, junto à Estrada Maputo – Witbank.
Na altura, a FMF pagou três milhões e oitocentos e quarenta meticais da antiga família. No local até foi implantada uma placa com a inscrição “Estádio Nacional: Projecto em elaboração”.
Passados nove anos, a FMF tinha erguido apenas uma barraca no local e ocorriam invasões de populares no perímetro da propriedade.
Paralelamente, por decisão governamental, o projecto do Estádio Nacional foi indicado para o bairro do Zimpeto, no Município do Maputo, caindo por terra a pretensão de construir o empreendimento fora da capital do país.
No início do ano 2011, um empresário com interesses imobiliários contactou o presidente da FMF, Feizal Sidat, manifestando interesse de comprar a barraca e os 80 hectares.
Feizal Sidat pensou na oferta e colocou à mesa da sua direcção e associados (associações provinciais de futebol), tendo visto sua intenção ser aprovada por aclamação. Em nenhum momento houve publicitação da negociata.
O negócio foi fechado por um valor acima de 500 mil dólares americanos, aos quais, imediatamente foi adicionado 400 mil dólares doados pela FIFA no âmbito do Projecto GOLO para a aquisição da residência da avenida Agostinho Neto.
Feizal Sidat avalia a Casa de Futebol como um bem acima de um milhão de dólares americanos. Uma das mais-valias da infra-estrutura é o auditório com capacidade para 200 pessoas.
Para além do auditório, a Casa de Futebol terá três suites para alojar atletas e dirigentes sempre que se justificar. A FMF pretende através desta engenharia poupar alguns cifrões no alojamento de jogadores.
Conforme testemunhamos na passada sexta-feira, os quartos estão praticamente concluídos, faltando apenas o respectivo mobiliário, à semelhança do próprio auditório.
BURLA CONSUMADA
Depois de receber financiamento para a aquisição da luxuosa vivenda, a Federação Moçambicana de Futebol apresentou à FIFA o projecto de construção da Casa de Futebol, solicitando, para o efeito, um apoio para viabilizar a obra.
A FIFA concordou e transferiu 223 mil dólares americanos (cinco milhões e 500 mil meticais) para Moçambique, directamente para a conta da empresa Vuma Construções, indicada pela FMF como vencedora dum concurso público promovido para o efeito.
A direcção da FMF e outros funcionários da instituição juram que houve concurso público para a selecção da Vuma Construções, mas não foi possível prová-lo à nossa Reportagem até ao fecho deste trabalho, apesar de várias diligências efectuadas com esse propósito.
A Vuma Construções é proprietária do empresário Agostinho Vuma, também deputado da Assembleia da República pelo partido Frelimo na última legislatura.
Fontes do domingo confidenciaram que a indicação da Vuma Construções foi baseada na confiança política e afinidades existentes entre o presidente da FMF e Agostinho Vuma.
De resto, Feizal Sidat é membro fervoroso do partido Frelimo e no último jogo de Moçambique frente a Zâmbia, em Ndola, dedicou o empate histórico a zero golos ao então candidato presidencial do partido, Filipe Jacinto Nyusi, proclamado vencedor das eleições na passada quinta-feira.
“A relação partidária e empresarial entre Vuma e Sidat precipitou a selecção do empreiteiro para aquela obra”, protestam as nossas fontes, admitindo, inclusive, que o presidente da federação pode ter ficado com parte do valor transferido pela FIFA à Vuma Construções, acusação que para Sidat não tem qualquer fundamento.
O dinheiro nem sequer passou da federação, o contrato foi assinado entre a FIFA e o empreiteiro, como mandam as regras da FIFA. Nem sequer vi esse dinheiro. Sei que são 223 mil dólares porque a obra é da federação– defende-se Feizal Sidat.
No entanto, o tempo passou e na residência n° 957 da Avenida Agostinho Neto as obras não evoluíram e até pararam durante seis meses. A FIFA cansou-se de receber relatórios fantasmas na sua sede, em Zurique, Suíça, e mandatou uma equipa para verificar “in loco” o que estava a acontecer em Maputo.
Os inspectores da FIFA deslocaram-se à capital moçambicana e não gostaram do que viram, tendo inclusive ordenado o corte de financiamento à obra, exigindo os devidos justificativos do valor já desembolsado.
Aí, a direcção da FMF viu-se em apuros e aumentou a pressão sobre a Vuma Construções, que, entretanto, tratara de subcontratar outras empresas para ajudar na obra, sem, contudo, registar qualquer evolução digna de registo.
WATY E SALIMO ABDULA NA JOGADA
Alguns membros da direcção da FMF defenderam a substituição de Feizal Sidat na interacção com o empreiteiro, com o argumento de que não estava a ser um interlocutor válido para os interesses da federação.
Pessoas próximas de Feizal Sidat foram contundentes, aconselhando até o presidente da FMF a esquecer que Agostinho Vuma era um “camarada” porque estava a prejudicar a federação, e, por tabela, o país.
Feizal Sidat aceitou ficar fora do baralho e aí entraram em cena Teodoro Andrade Waty e Salimo Abdula, respectivamente presidente honorário da Assembleia Geral da FMF e actual presidente da Mesa da Assembleia Geral.
Ambos têm a vantagem de partilhar as mesmas alcatifas com Agostinho Vuma, Waty na Assembleia da República e Salimo Abdula no campo empresarial.
Aqueles mandatários da FMF conseguiram um entendimento para a Vuma Construções devolver o dinheiro à federação. A partir daí havia que quantificar quanto é que a Vuma Construções gastou no trabalho até declarar incompetência de concluir a obra.
O empreiteiro indicou um valor que a federação não concordou e esta contratou um medidor orçamentista. Com fita-métrica na mão, dois medidores-orçamentistas, um de cada parte, foram ao terreno e acordaram no fim que do dinheiro desembolsado pela FIFA havia que devolver 69 mil dólares (um milhão e 700 mil meticais).
Quer dizer, a Vuma Construções terá gasto na obra 154 mil dólares (três milhões e oitocentos mil meticais), soma contestada pelos inspectores da FIFA comparando o trabalho realizado.
Mas havia outra contrariedade por vir: a Vuma Construções já não tinha esse valor na conta bancária e, por isso, impôs-se novas negociações de prazos para a devolução do valor.
Agostinho Vuma foi obrigado a assinar uma carta de compromisso de restituição dos 69 mil dólares.
Até ao momento o dinheiro não foi devolvido na totalidade, porque foi acordado que o empreiteiro pode pagar a dívida por fatias. A direcção da FMF preferiu assim do que mover um processo judicial ao empreiteiro.
O presidente da FMF diz mesmo que a Vuma Construções traiu toda a estrutura da federação. “Não esperávamos este atraso, mas estamos confiantes que em Janeiro vamos inaugurar a Casa do Futebol. Esse assunto felizmente já está resolvido e ultrapassado”.
Entretanto, pressionada pela FIFA, a FMF contratou um novo empreiteiro para a obra, a AGECOM, Assessoria, Gestão e Construção Civil. Agora, cabe à FMF concluir a empreitada e enviar as facturas para a FIFA.
Mesmo com a AGECOM, as obras estão paralisadas há sensivelmente um mês, havendo indicações de retomarem nos próximos dias.
No caso do valor final superar os 223 mil dólares, haverá nova conciliação de contas para verificar quem está a enganar a quem. Só depois disso Moçambique terá direito a beneficiar-se de financiamento do Projecto GOLO sem desconfianças.
Notar que os 223 mil dólares são apenas para a construção do auditório da Casa de Futebol, uma vez que outros compartimentos beneficiam dum financiamento não revelado.
Custódio Mugabe