Ninguém sente ternura pelos corvos. São grandes, barulhentos e feios. Rebuscam no livo, com avidez, caçam sem a graciosidade das águias e perseguem as crianças que se aproximam
demasiado dos seus ninhos. São o símbolo sombrio da mitologia humana – portadores da peste, da feitiçaria ou do demónio. Até existe um termo especial para um bando destas aves: revoada de corvos, a que os ingleses chamam “murder” (assassino). Não gostamos de os ter por perto. Ponto.
Mas há algo mais profundo na alma de um corvo. Um animal que mata de forma rápida e fria, parece profundamente emocionado quando um dos seus morre. Um corvo morto ao ar livre atrai rapidamente dois ou três outros corvos. Fazem vénias e emitem um som muito particular, que pode atrair até uma centena de elementos. Com coordenação quase cerimonial, aterram e rodeiam o cadáver. Alguns trazem pauzinhos ou pedaços de erva que deixam junto ou mesmo em cima do seu corpo. Terminado o tributo, viram costas e voam à sua vida.
“Parecem estar a velar um ente perdido”, diz John Marzluff, da Universidade de Washington, um estudioso da vida selvagem. Nem é preciso dizer que essa não é a atitude que esperamos ver num ser irracional. Os humanos têm ideias fixas acerca do coração e da mente dos animais, a maioria são muito lisonjeiras: são globalmente uns básicos, por vezes capazes de carinho. Mesmo um sentido rudimentar do ciclo de vida e da sua mortalidade ou da perda desoladora que é a morte? Por favor … Mas o trabalho de campo diz-nos o contrário. Há relatos de mães bomobos (chimpanzés pigmeus) que se recusam a abandonar um bebé que morreu, abraçando o cadáver durante dias ou semanas, já depois de estar frio e de ter começado a decompor-se. Há elefantes que permanecem junto do corpo de um exemplar morto, muito depois do seu último suspiro – examinando, tocando, acariciando – ou que param para velar ossos de um
seu semelhante que encontrem pelo caminho. Há cães e gatos que ficam prostrados e recusam alimento quando um amigo morre, exprimindo os gatos o seu desgosto com um terrível miado. Certos macacos gritam, repetidamente, contra a morte, por vezes atirando pedras ao morto e batendo-lhe no peito, em frustração, antes de baterem
no seu próprio peito. O desgosto aparente, após a morte, foi observado em quintas com cabras, porcos e patos, e também nos oceanos, onde as mães golfinho, como as primatas, se recusam a abandonar os seus filhos mortos, empurrando os corpos à sua
frente, enquanto nadam.
É impossível olhar para este comportamento e não compreender algo que tem muito a ver com o processo de luto, mas a ciência, à sua própria maneira, tem rejeitado essa ideia. Por cada ritual de aparente desgosto, é possivel apontar um objectivo frio e adaptativo: o desgosto pode ser simplesmente medo do predador que matou um semelhante; o grito pode ser uma tentativa de repelir o mesmo assassino. E, sem a ajuda do autorrelato, que é o pilar da investigaçao psicológica humana, é extremamente antropomórfico presumir que se sabe o que vai na cabeça dos animais. As lamentações da ciência são legítimas – mas também ignoram alguma coisa.
Sinais de desgosto
Os animais são criaturas sociais, tal como os humanos. Formam relacionamentos que são importantes para eles como os nossos são para nós, o que significa que, a determinada altura, terão de sentir o fim desses relacionamentos. Sob muitos aspectos, os nossos cérebros estão interligados de maneira similar. Por que não fariam os animais luto?”, pergunta Bárbara King, professora de Antropologia e autora do livro How Animals Grieve (Como os animais sentem desgosto). “Se o fazem, de facto, os mecanismos em acção podem ser os precursores do nosso próprio processo de luto”, diz Marc Bekoff, professor de Biologia Evolutiva na Universidade do Colorado. Bekoff e King estão entre os líderes de um grupo crescente de investigadores que estuda este fenómeno. Ainda não é uma pergunta que possa ser respondida empiricamente – não há testes laboratoriais nem imagiologia cerebral conclusivos, embora existam alguns preliminaries, e muito impressionantes. Para nós, a perda de um ente querido inflige uma dor como nenhuma outra. Os rituais que desenvolvemos em torno desse tormento tentam aliciar o momento.
Ninguém defende que o sofrimento nos animais seja assim tão complexo. Para começar, não têm capacidade cerebral para as longas reflexões obsessivas que fazem do luto um processo tão penoso para nós. Mais importante, não se poderiam dar ao luxo de se entregar ao desgosto. “A maioria dos animais está preocupada com a sobrevivência”. A mãe Natureza é dura e, se é importante enfrentar a morte, também é importante seguir em frente, rapidamente. De contrário seremos aniquilados.
Em vez disso, o que os investigadores procuram identificar, no desgosto animal, é um conjunto de comportamentos reconhecíveis
por quem tenha vivido a morte de um próximo: apatia, prostração, falta de apetite. “Buscamos algo prolongado, algo visível”. Diz King. “Não penso que seja produtivo perguntar se os animais compreendem realmente a morte, visto não termos maneira de saber isso. Só estou interessada no que podemos ver”.