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Um ministério virado para fora

Por admin

Texto de Belmiro Adamugy e Frederico Jamisse
Entre pincéis, telas e a docência, Silva Dunduro, o actual Ministro da Cultura e Turismo fez-se referência nacional mas com particular destaque na província de Sofala. Dirigiu a Casa da Cultura de onde sairam os Djaakas, Mussodje. O Projecto Ndongue, com David Mazembe e outros nomes sonantes, bem como a Casa do Artista, resultaram da sua laboriosa jornada.

Os verdadeiros artistas e criadores constituem, quase sempre, governos nas sombras, a partir das quais vão impugnando as certezas, as retóricas, as ficções ou verdades recordando, no que pintam, compõem, interpretam que, contrariamente ao que sustém o poder, o mundo vai mal, e que a vida real estará sempre abaixo dos sonhos e dos desejos humanos. Por isso mesmo é que é interessante notar que o Governo integra um artista. Silva Dunduro é, na sua essência, um artista e tem em mãos a dificil tarefa de gerir o sempre apaixonante mas também tumultuado mundo da Cultura e Turismo. O domingodesafiou-o para uma conversa no aconchego e sabores variados do Restaurante Bom Garfo, gentileza de Inake Francisco, que se estende aos seus colaboradores. Sentimo-nos em casa. O Ministro Dunduro, mais comedido, ficou-se por um herético sumo de laranja para acompanhar a lauda e fausta refeição. Nós ficamos-nos por um tintol. A conversa decorreu entre garfadas de suculentos pedaços de diversas carnes. Afinal ali no Bom Garfo come-se bem… mas vamos à conversa com o artista que é ministro ou vice-versa!

Silva Dunduro agora é ministro; onde ficará o artista plástico?

Não vai entrar de férias. Vai prevalecer. É verdade não com a mesma intensidade. Antes de ser ministro tinha compromisso com a Alemanha para de dois em dois anos apresentar uma exposição. Tenho que manter esse compromisso. Participei este ano na Bienal de Lisboa e na mostra de 40 anos. A minha pasta de pincéis já cá  está. Silva Dunduro vai continuar Silva Dunduro.

Muito bem… e o projecto Casa do Artista?

Ainda sou Vice-Presidente da Casa do Artista, projecto que em 2003, altura em que deixei de ser director da Casa da Cultura em Sofala e achava que tinha ainda muitos projectos a levar a cabo junto da sociadade.

O que o fez pensar assim?

Aminha gestão (na Casa da Cultura) era inclusiva e participativa. Criamos um conselho técnico em que praticamente a planificação era conjunta. Todos os artistas encontravam na Casa da Cultura um lugar para libertarem a sua energia criativa.

Mas olha que também queremos um bom ministro…

Também eu…a pintura é o escape. Ajuda a relaxar. Eu não sou homem de grandes explosões. A  pintura e leitura põem-me em contacto com o mundo.

Esse fervilhar cultural que vivenciou em Sofala pode ser útil na nova missão?

Penso que sim… Estou a tentar trazer um ministério virado para fora e não para dentro de si próprio. 

Reparamos que os primeiros meses foram dedicados a visitas. O que apreendeu?

Penso que foi uma aprendizagem interessante. Primeiro no campo das artes cénicas. Percebi que há iniciativas que permitem as associações desenvolverem  projectos de educação cívica sem que passem pelo apoio directo do Estado. Portanto, é preciso capitalizar o associativismo. O Teatro  do Oprimido, por exemplo, é uma área de representação espontânea nas comunidades e que tem  uma grande capacidade de mobilização. E a rede que tem pelo país e a sua contribuição na melhoria das condições de vida das pessoas são impressionantes. Na mesma área, a companhia Gungu impressionou-me ao mostrar que é possível criar na área uma indústria robusta com iniciativas e se apropriando das leis.

E noutras áreas?

Tive encontros com Nelson Saúte, Alda Costa, Mia Couto, Luís Covane, Mateus Kathupa, Fernando Dava, Mbuyamba, entre outras figuras do campo da cultura.

E qual é a visão das pessoas consultadas?

A visão  que trazemos é a da interacção porque percebemos que se nós nos cingirmos  apenas ao plano quinquenal do Governo –  que tem coisas muito concretas – não teremos uma grande interação com a sociedade civil. Precisamos de ter filosofos a discutirem sobre a cultura do nosso país, a cultura do século XXI.

Está a fazer referência à globalização?

Globalização, mundialização e a outros  aspectos ligados a cultura. Como é que nós podemos  nos defender desse fenómeno que, à priori, parece nefasto? A globalização é vista numa perspectiva negativa. Mas a globalização não só negativa. Traz-nos o mundo global, mas cada país tem que se posicionar  para que tenha um reconhecimento. Só envolvendo os pesquisadores, filósofos é que podemos criar um Moçambique onde a cultura é um elemento de foco, de desenvolvimento e de rendimentos. E também pensamos com essa perspectiva trazer uma visão  para que o artista saia da situação de pedinte.

Quer dizer que é preciso olhar para a cultura como fonte de riqueza?

Pensamos que com esse envolvimento poderemos capitalizar as experiências. E tornar a cultura como fonte de riqueza, ver agentes e artistas ricos. É preciso ter em mente que se o artista produzir vai contribuir para erário público. A cultura não  pode ser vista como algo que apenas consome e não produz. Quanta gente se alimenta de  feiras? Quanta gente vive de artesanato? Se isso for contabilizado é um contributo enorme.  Então, coloca-se esse desafio: como contabilizar o que os artistas fazem…

E há ainda o eterno debate sobre  a qualidade da música…

Certamente. Olha que a música feita hoje não é possível equalizar. Está tudo padronizado. Temos que estimular a criatividade e qualidade. Penso que era importante os mais novos tivessem convívio com aqueles que já o fazem há muito tempo. Os que têm experiências são referências. Eu lembro-me que em 1975, a promoção de Malangatana, de José Craveirinha, Ghorwane, Luís Bernardo Honwana, em diante, foi uma acção para termos  referências culturais que nós não tínhamos. Essa experiência deve ser replicada.

Como fazer isso?

As referências existem. Temos na prosa o Mia Couto, Paulina Chiziane, Ungulani que são referências. Esse grupo devia servir ainda hoje como fonte de inspiração. Mas não é o que acontece. Algumas editoras, ávidas de dinheiro, não se preocupam se há ou não qualidade.

Também na pintura?

No campo da pintura que eu fiz parte, tínhamos receio de expôr porque havia Randzarte. E enfrentar randzarte não era brincadeira. Eu começei a pintar nos anos oitenta, mas só vim expor em Maputo em 1995. Mas depois  de ouvir Ídasse, Ciro Pereira. Mas agora, qualquer um aparece e expõe.

O que devemos fazer então?

Nós temos que trabalhar no sentido de as referências serem pontos de partida. Até porque hoje a referência pode ser aquilo que as pessoas vêm nas novas tecnologias. Mas é muito importante que as referências tenham raízes. Devíamos apostar nisso. E em conversa com Naguib decidimos fazer exposições de artistas conceituados fora de Maputo. Este ano na Beira e, provavelmente no próximo ano, outra em Cabo Delgado para que esses jovens tenham referências. Vamos expôr a pintura de Naguib, Noel langa, Victor Sousa, entre outros….

E como estão as coisas ao nível da Literatura?

No  campo da Literatura, Ungulani, por exemplo, tem feito bom trabalho através de feiras. Mas a pergunta é até que ponto as pessoas lêm. Por vezes as pessoas perguntam se o livro electrónico não vai fazer desaparecer o físico? É claro que não. O livro físico sempre vai existir. Em média, cada cidadão lê três livros ao mês e é lá onde há tecnologia avançada. Então, temos que fazer um trabalho nesse aspecto.

CULTURA

Versus TURISMO

O seu ministério é novo – cultura e o turismo. Quais são os ganhos com a junção?

Os ganhos são imensuráveis. O que aconteceu com o Presidente da República foi apenas uma oficialização porque havia já uma confluência de acções nas areas de turismo e cultura muito antes da criação do ministério. Portanto, são duas faces da mesma moeda. Temos uma possibilidade de nos mostrar mais facilmente fora porque turismo é viajar, é levar o país.

E como é que estão organizados?

Com a constituição do ministério, uma das coisas que decidi é que Ana Comuane vai dirigir três áreas, nomeadamente:  a Direcção Nacional do Turismo, Direcção da Formação Artística (Escolas), e também vai  trabalhar com uma nova Direcção de Competitividade de promoção do Turismo. 

E o Ministro?

Eu continuo coordenador de tudo. Mas o que tem a ver com despachos estará mais direccionado para ela. E como temos um Conselho de Direcção semanal, vamos interagindo sobre o que estará a acontecer.  Não se pretende dizer que  o facto de ela ter formação em turismo, tudo sobre Turismo ficará com ela e o que diz respeito a cultura comigo. Não é isso. Ela vai lidar com área de formação artística. Ela tem alto capital de gestão e potencial de organização e de funcionamento. Como sabemos ela esteve a dirigir por cinco anos uma província e isso dá uma outra dimensão… estou bem acompanhado.

E como estão as coisas no campo da hotelaria?

É um grande desafio. Penso que a nossa ideia de introdução  de mais produtos turísticos ou nacionais nas estâncias tem já uma resposta. ao nível da gastronomia será nos respectivos menús. Temos que estimular maior investimento para que a produção nacional tenha impacto. Imagine que temos um restaurante chinês, vai ser difícil introduzir Mathapa. Temos que negociar. Mas se tivermos investimento nacional é muito mais fácil. Mas de forma geral marcou-me a abertura do sector privado.

Mas há coisas que podem ser melhoradas…

Claro que existem. Visitamos a Casa Museu José Craveirinha e notamos que a sua roupa está num quarto húmido e pode danificar-se. Pensamos que criando condições de frio, resolveríamos aquilo. Mesmo em relação aos livros. Vamos visitar a Casa do Fanny Mpfumo para ver e saber como a família está e se haverá uma forma de ajudar em alguma coisa. E podemos transformar esses locais em lugares turísticos.

NÃO HÁ MILAGRES

SEM TRABALHO

O Ministério da Cultura é alvo de muitas criticas… está preparado para o embate?

Olho para a crítica em dois sentidos. A positiva e a negativo. A mim interessa que a crítica seja construtiva e que tenha uma verdade e que possa contribuir para mudança. Portanto, tudo o que seja associado a crítica, mas que sejam inverdades, invenções, não merecem a minha atenção.

A propósito disso, foi criado um Comité de Conselheiros do Ministério para discutir as grandes realizações. Em que pé está isso?

Vamos reactivar o Comité porque as grandes decisões vêm da sociedade. É muito difícil pensar para vinte milhões de pessoas sem ter outros pensadores. Juntando diversas sensibilidade podemos conseguir uma visão concreta. Estamos a pensar em rebuscar as conferências nacionais de cultura, trazer festivais que capitalizem o envolvimento da sociedade. Há duas delegações que estão a trabalhar  na interacção na região.

Porquê a aposta na região?

Descobri que há muita gente a sair para Europa e quase não traz nada. É verdade que ao nível do Ministério essa filosofia de pensar para fora ainda é nova. As pessoas continuam  a espera de orientações. Por exemplo: eu sou director disto e para mexer algo tem de ser o Ministro a dizer. A minha sugestão  é que destruamos as paredes que existem convencionalmente.  Entre os directores tem que haver maior interacção. Não tem que ser o Ministro a orientar. As pessoas tem que trabalhar em grupo.

As províncias ainda são um desafio?

São um desafio porque ainda não criamos as direcções provinciais de cultura e turismo. Mas  a nossa visão é que as províncias eminentemente turísticas, os directores provinciais poderão ser da área de turismo. E os adjuntos para a cultura. Mas em Inhambane, por exemplo, não faz sentido que o director da cultura e Turismo seja da área de Turismo. E o adjunto esteja na cultura. Inhambane tem também a Timbila… 60 porcento do turismo feito em Moçambique é em Inhambane. Já em Tete tem que ser o da Cultura e Turismo.

REESTRURAR

DE ALTO A BAIXO

Há uma vaga sensação de que o ministério está cheio de recursos humanos que parecem não saberem o que fazer…

Talvez seja essa uma das razões que levou a junção dos ministérios. Senão teríamos seis direcções. Comprimimos  para três. E estamos a discutir os departamentos e repartições. E à  luz de novos estatutos haverá uma maior responsabilização por cada um deles. Isso evitará a ociosidade. O que queremos é pensar numa  maior articulação e redução do departamentalismo. Porque isso acontece quando não há tarefas definidas para as pessoas. Estamos a definir responsabilidades.

E como é que farão isso?

Definimos que cada unidade orgânica, em cada quinze dias  deverá reunir e dizer o que está acontecer. Então quando todos estiverem juntos e a informação a circular, na ausência do director, o quadro imediatamente a seguir, saberá explicar o que está acontecer. É interessante que há pessoas que conseguem ficar 24 horas sem abrir email? Quando se questiona, a pessoa diz que ainda não abriu o email. Temos que incitar essa violância simbólica sobre as tecnologias de informação.

Mas ainda vai ter muitos problemas… dentro e fora!

Creio que sim. Mas também se não tivermos problemas, significará que não estamos a fazer nada.

Houve mã fé…

O provérbio é batido mas válido. Quando morre um velho, vai-se uma biblioteca… é o dilema das fontes orais. O que se pode fazer neste campo?

Infelizmenteessa é a realidade. Estamos todos os dias a enterrar conhecimento. Vezes sem conta entrevistamos idosos e meses depois quando voltavamos ao campo para confirmar um e outro dado, recebiamos a informação de que a nossa fonte falecera. Temos que reverter a situação. Há que trabalhar de forma a que esse pensamento, esse saber seja presevado e possa chegar às gerações vindouras.

Fazendo ponte entre o conhecimento ancestral e a actualidade, quando morreu o timbileiro Venâncio Mbande o ministro ficou mal na fotografia. O que aconteceu?

Provavelmente não comentasse isso. Mas devo dizer que quando Mbande adoeceu, o Governo assumiu a responsabilidade de garantir o seu tratamento. Eu fui a clínica visita-lo. Ele já não conseguia falar. Lembro-me que fiquei muito tempo com ele. Estive com o filho do Mbande. Prestamos todo tipo de apoio mas a situação dele era mesmo precária. Um dia antes de ele perder a vida, a Otília ligou a alertar que Mbande estava numa situação complicada. Pouco depois ele perdeu a vida. E tivemos orientação para dar todo tipo de apoio…

No funeral a família agradeceu ao Governo…e parece que foi no discurso que surgiu o comentário.

Lí um artigo no jornal que dizia que fui hipócrita, dizendo que lia uma mensagem daquelas sem ter visitado o homem. Infelizmente, alguns jornalistas  de hoje já não fazem como no passado. O jornalismo hoje é Ciência que se faz cruzando fontes e consultas. Não sei com que fontes o tal jornalista trabalhou nem o nível de investigação que fez. Acho que houve má fé neste assunto… bastava ter perguntado á familia de Mbande para saber que sempre estivemos presentes!

Com a morte de Mbande o projecto da gravação do Hino Nacional com base na timbila vai ficar para a história

Olha a morte dele é realmente uma grande perda mas o prjoecto mantém-se válido. Ele e a sua orquestra já estavam a trabalhar neste assunto quando ele adoenceu.  Vamos fazer o Hino sim… Essa é outra forma  de homenagea-lo porque vamos transformar o disco em um produto turístico que vai estar disponível em estâncias turísticas. E depois discutiremos os Direitos autorais.

Dossier CNCD sempre na agenda

Impossivel falarmos de cultura sem aflorarmos a Companhia Nacional de Canto e Dança que, parece, atingiu um estágio de sonolência absurda. A Companhia entra nas suas contas?

A CNCD é uma história de difícil resolução. Primeiro porque houve um grupo de jovens que entrou nos meados dos anos oitenta e transportou a bandeira de Moçambique pelo mundo, mas que se acomodou. Não estudaram. Infelizmente a idade foi batendo a tecla. E muitas dessas pessoas, hoje, não estão em condições de estudar nem de dançar. No encontro que tive com Director Geral, soube que alguns tiveram enquadramento porque o seu desvinculamento levava-os directamente à miséria.

Definitivamente a  CNCD tem que rejuvenescer…

Hoje, a CNCD exige inclusão de novas pessoas, mente aberta capaz de perceber  o que Moçambique é hoje no campo da dança. É preciso reduzir o pessoal , aprender  com outros  grupos, juntando o tradicional e o moderno, produzindo peças para ganhar dinehrio. Covane escreveu que preservar a nossa identidade não significa andar de tangas. Isto significa que a CNCD precisa de se rever a si mesma, pensando que vai continuar a dançar Xigubo, Limbondo, Mapiko, Makwai, mas trazendo uma outra maneira para  encontrar competitividade internacional. Mas a situação é complicada porque a CNCD não consegue produzir o suficiente para  auto-suficiência.

Mas há vontade de revitalizar a CNCD?

Quando tomamos posse, uma das coisas pensadas era revitalizar a Companhia. Convidamos ao Casimiro Nhussi que já foi Director Artistico da Companhia para apresentar o projecto e fê-lo. Mas depois ficamos com dificuldades de conseguir apoios. A ideia era recrutar jovens nas províncias e, gradualmente ir substituindo os mais velhos.

E ainda temos o cine África a cair aos pedaços…

Associado a isso está o aproveitamento do espaço. O cine África está a degradar-se.  Existe a velha ideia de transformar o cine África em Teatro nacional, como existe em qualquer parte do mundo. É verdade que temos parceria com chineses que vão construir um Centro cultural Moçambique-China que vai albergar 1500 pessoas sentadas…mas mesmo assim é diferente quando comparado com um Teatro Nacional. Estamos a trabalhar com vários parceiros nesse desiderato.

E quem vai gerir o Teatro?

Provavelmente optemos por uma  gestão público-privado para a CNCD ter algum  suporte porque no contexto actual não encontra patrocínio. E nos últimos dez anos perdeu muita da sua credibilidade.

O Estado continua  a dar dinheiro à CNCD?

Este ano demos catorze milhões que serão aplicados na compra de cadeiras, pagamento do pessoal. Próximo ano vamos atacar o tecto… enquanto a CNCD vai fazendo algumas coisas. 

 

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