POR: SARA JONA LAÍSSE*
Luís Loforte publicou a obra “Vidas Cantadas – um legado de Samora Machel (um olhar sobre as canções de trabalho)”. Trata-se de um majestoso registo, no qual transcreve e interpreta canções de e no trabalho, mas também canções que cantam vidas e o quotidiano; algumas vezes contrapondo a sociedade moçambicana à portuguesa. Fê-lo como uma demanda social, preenchendo um vazio que ainda se faz sentir em Moçambique. Mais do que isso, contextualizou historicamente grande parte dos momentos narrados. Samora Machel, antigo Presidente de Moçambique, é um dos personagens apresentados, quer enquanto figura histórica, quer como cidadão. Esta ilustre figura é recordada como estimuladora da consciência cultural moçambicana e foi, na verdade, quem mandou gravar canções dos estivadores. Elas eram proibidas na rádio, por serem consideradas obscenas. O livro [que nesta quinta-feira é apresentado no Maputo, Moçambique, ao final da tarde] faz ainda referência a alguma onomástica moçambicana, explicando parte das identidades moçambicanas.
Pela leitura do livro, percebe-se que Loforte acredita na grandeza artística e terapêutica da manifestação que descreve. O autor é pesquisador e praticante do “cantar a vida”, na sua própria cultura. Laborou cantando “canções de ninar” (das que se cantam para as crianças quando colocadas ao colo). É, na verdade, uma grande marca na sua vida, que remonta à tradição oral que viveu. Tendo sido aio, conforme afirma na obra, cantou para outras crianças as músicas que o seu “coração aprendeu” de sua aia. Essa vivência e outras que narra colocaram-no a trabalhar na pesquisa de que resulta este livro, como etnólogo ipsu facto. Esteve lá (no local da pesquisa). Viu. Viveu. Questionou os que sabem do assunto, bem como os que o viveram e, desse modo, pode (e deve) explicar aos que não sabem. As técnicas da etnografia exigem isso. Fez um verdadeiro trabalho de campo.
O que se torna desafiador, ou provoca alguns questionamentos no livro, prende-se, sobretudo, com as canções de trabalho e a “obscenidade” nelas presente. As canções de trabalho entre os povos do sul de Moçambique, especificamente os tsonga, são também matéria tratada por Junod (1960), no seu Tomo II, intitulado Usos e Costumes dos Bantu. Este autor faz referência a actividades desenvolvidas pelos povos tsonga, nomeadamente: na machamba, ao pilar milho, durante as viagens, ao remar, ao transportar carga em qualquer outro lugar ou no cais, entre outros exemplos. Afirma ele que os “indígenas cantam e gritam” em tudo o que fazem, chegando, por vezes, apenas a emitir onomatopeias e não a cantar exactamente. Para ele, isso ajuda, sobretudo, na prossecução de trabalhos monótonos. E destaca a importância de se recolher mais cânticos dessa natureza. Leia mais…