Durante o período do gozo da licença disciplinar (férias), apanhei um chapa que me levasse a um certo destino. Chegado à paragem, deparei com uma enchente. Mas uma coisa despertou imediatamente a minha atenção: a maneira como as pessoas estavam organizadas. Haviam duas bichas enormes. Uma para os carros que iam para Anjo Voador e outra para o Museu.
Formei a bicha para os carros que iam para Anjo Voador- baixa da cidade de Maputo.
O carro chegou. Na verdade chegaram dois carros em simultâneo para os dois destinos. Fiquei impressionado ao ver os cobradores dos dois carros parados em frente aos mesmos. Entretanto, dois jovens chamavam os clientes: baixa, baixa, baixa, entra senhora vamos sair agora.
Do outro lado, ecoava uma voz que chamava Museu. Fiquei atónito. Mas contive a minha curiosidade. Entrei no carro e por causa da minha altura que não me permitia comodidade ao sentar nas cadeiras onde estavam outros passageiros, o motorista chamou-me para ficar a frente. Lugar onde instantes antes, o ajudante, o jovem que chama os passageiros, havia vetado a entrada de uma senhora.
Aceitei o convite do motorista e calmamente levantei do lugar onde estava e dirigi-me ao acento da frente. Ao longo da viagem percebi que o motorista aparentava ser simpático. Respeitava as curvas, não acelerava demasiadamente, não tinha a música alta e nem fazia ultrapassagens perigosas, daquelas que nos fazem levar a mão ao coração.
Em função do que ele aparentava, ganhei coragem para iniciar uma conversa.
–Desculpe. Boa tarde. Vi um cenário que me intrigou. Quem são aqueles moços que estavam a chamar os passageiros para entrarem no carro?
–Aqueles moços são ajudantes do meu cobrador. Eles chamam os clientes e depois dou dez meticais.
–Acontece a mesma coisa sempre? Qual é a média de viagens que fazes da terminal para Baixa?
–Faço em média 25 viagens. E cada vez que ele chama devo dar-lhe dez meticais. Portanto, no final do dia gasto 250,00 meticais só pelos ajudantes do cobrador.
Recuei no tempo e lembrei-me que num passado recente, o cobrador chamava as pessoas e procedia a cobrança do dinheiro. Mas agora, o cobrador tem ajudante. Quando o carro chega na paragem, ele desce e fica a espera que o seu ajudante chame os passageiros que na verdade nem precisam ser chamados. Pois, pelas vinhetas coladas nos carros, para os que podem ler e pelo anúncio do destino, pelo próprio cobrador, estariam muito bem encaminhados. Aliás, sempre foi assim.
Isto quer dizer que há uma pessoa que simplesmente não faz nada, senão acordar e ficar na paragem para fazer o trabalho, fácil, que é tarefa do cobrador. Em dez dias de trabalho, tendo em consideração que no mínimo o ajudante ganha 250,00 meticais/dia por chamar os passageiros, ele ganha 2500,00 MT. Em vinte dias, o ajudante ganha 5.000,00 meticais. Quem perde esse dinheiro é o motorista, o proprietário do carro. E praticamente, o cobrador recebe fazendo menos.
Há algo que não está bem estruturado.
ØNão seriam esses cinco mil ofertados a um ajudante que em muito ajudariam na manutenção do carro?
ØNa compra de novos pneus?
ØNo apetrecho das cadeiras?
ØNão seriam esses cinco mil meticais que acrescidos ao salário do motorista, contribuiriam para ele ter um salário gordo e evitar a correria para fazer a receita e fazer algum para ele?
ØEsses cinco mil meticais não cintribuiriam para a diminuição dos acidentes assustadorese mortes em busca da receita?
Creio haver uma necessidade de os senhores das Associações dos Transportadores deverem reflectirem melhor sobre essa situação.
Aliás, olhando para este cenário de alguém que acorda e fica na praça para no final do mês ganhar mais de cinco mil meticais sem muito esforço, consumir álcool de forma descontrolada, remete-se-me outra reflexão. Não estaremos a contribuir para a fossilização da mentalidade da lei de menor esforço? Criando a ideia de que é possível viver sem fazer esforço, criando hábitos de preguiça e de oportunismos!
Uma sociedade quando vive de esquemas e lei de menor esforço, acaba embrulhando o país a viver de esquemas.