A cerimónia de celebração dos 121 de Gwaza Muthini, decorrida no passado dia 2, na Vila de Marracuene, Província de Maputo, foi marcada por muita euforia. Depois de muito tempo, a população testemunhou, uma vez mais, a saída de hipopótamos do rio Incomáti. Dois foram abatidos. E assim foi garantida a festança para todos.
O desaparecimento do animal, considerado sagrado para aquela cerimónia, era associado, por alguns nativos, à zanga dos espíritos. Um sumiço é assumido como prenúncio de fome e intempéries. Outros, menos fatalistas, associavam-no a salinidade das águas do Incomáti. O seu reaparecimento trouxe muita satisfação para os populares. É um bom sinal, assim acreditam.
A cerimónia, cujo lema foi “121 anos de Gwaza Muthini, unindo os moçambicanos na paz, rumo ao desenvolvimento”, contou com a presença do governador da província de Maputo, Raimundo Diomba, administrador do Distrito, Avelino Muchine, e da antiga governadora da província de Maputo, Telmina Pereira, entre outras entidades. Houve igualmente fortes exibições artístico-culturais.
As festividades estavam divididas em dois momentos: matinal e vespertino. Como já é de praxe, a manhã esteve centrada na actividade mais importante da celebração: o “Kuphahla”, uma cerimónia que visa evocar a resistência anti-colonial que opôs guerreiros comandados por Nwamatibyana, Zihlahla, Mahuzule, Mulungu e Mavzaya ao exército colonial português, em 1895.
Também comportou a habitual deposição de coroa de flores no monumento dos guerreiros, entoação do Hino nacional, feiras de saúde, educação, industrial, agro-pecuária, artes plásticas e do peixe, e ainda os discursos de ocasião.
Grupos de dança tradicional passearam a sua classe no evento e animaram aos que acorreram à cerimónia. Trata-se de Coral Khindlimuka, Xigubo de Abelhas de Mapulango, Makwayela Juramento de Cumbene, Xipenda de Mantimana, Ngalanga de Eduardo Mondlane, Grupo Nomu, Makwayela Sol Quente, Xigubo de Mincanhine.
João Cossa, um dos presentes no evento, disse ao domingo que Gwaza Muthini é uma cerimónia que faz sempre questão de presenciar pois é revestida de muita alegria e emoção. “Gosto de estar aqui. É sempre uma experiência muito boa presenciar este evento e ver a vila de Marracuene tão abarrotada de gente, como fica neste dia”, disse.
FALTA DE CHUVA PREJUDICA “PRODUÇÃO” DE UKANYI
Outra atracção na pequena vila de Marracuene, a trinta quilómetros da capital, Maputo, na época do Gwaza Muthini, é o sumo de canhú, mais conhecida por 'ukanyi' e muitas vezes associada àquela cerimónia.
Esta bebida é preparada na véspera das festividades para que esteja disponível em quantidades suficientes para toda a gente e depois transportada em bidões e distribuída em todos os cantos da vila de Marracuene, sobretudo na entrada da estrada principal que vai dar à vila e ainda na zona do Quadrado de Marracuene.
Segundo a tradição, ninguém sai daquela vila sem provar a bebida. Entretanto, o cenário foi diferente no presente ano. Há quem só viu de longe o produto. As pessoas consumiram mais outras especialidades, como cervejas 2M, light, hunters gold, heineken e laurentina.
Nossa equipa de reportagem falou com Bernardo Francisco Nhaca. Um homem franzino e de estatura alta. Tem 51 anos e participa do Gwaza Muthini desde criança. Ele estava rigorosamente vestido. Trazia aquelas roupas de secretários com direito a galões.
Disse que no presente ano oukanyi está escasso. O facto é causado pela falta de chuva que tem estado a devastar o país nos últimos tempos. Geralmente cada bairro de Marracuene traz cerca de 250 litros de ukanyi para esta cerimónia, como forma de todos poderem consumi-la. Este ano o cenário foi muito diferente e não conseguimos cumprir com essa tradução de trazer a bebida para aqui. Os canhús secaram e caíram antes do tempo. O que restou não permitiu fazer quase nada, afirmou Bernardo Nhaca.
Refira-se que nos tempos idos a frutificação, fabrico e posterior consumo de ukanyi marcava a transição do ano no seio das comunidades. Uma outra importância associada ao ukanyi está relacionada, por um lado, com o fortalecimento das relações sociais e, por outro, com a criação de novos laços de solidariedade. É durante a época de ukanyi que se registam com maior frequência visitas entre indivíduos pertencentes a uma mesma família, incluindo membros de diferentes comunidades.
No que se refere à dimensão espiritual, o ukanyi reveste-se de uma importância crucial na manutenção do equilíbrio social. A época de ukanyi é vista como a fase de maior aproximação das populações locais aos espíritos dos seus antepassados, para fazer preces de vária ordem, tendo como finalidade a busca de um equilíbrio cosmológico, o que levou a sacralização da bebida e transformou-a num produto de venda proibida.
FESTIVAL MARRABENTA: A OUTRA FACE DA MOEDA
Na parte da tarde, a adesão era ainda maior. É que aqueles que não puderam assistir a cerimónia oficial por imperativos de trabalho e outros, começaram a afluir ao local. Tinham a intenção de ver de perto o concerto da IX edição do Festival Marrabenta. Um evento organizado pelo laboratório de ideias em parceria com o Banco Comercial e de Investimentos (BCI), e que já faz parte da agenda daquelas festividades.
O anúncio do inicio do concerto deu-se com a chegada do comboio Marrabenta por volta das 15:10 horas. Trazia figuras incontornáveis na música popular moçambicana como Xidiminguana, Daniel Langa, Alberto Mutxeka, Mário Ntimana, entre outros.
Pouco tempo depois, quando eram 15:20 horas, vimos um público mais concentrado. Motivo: tinha subido ao palco o músico que se intitula pai da Marrabenta: Dilon Djindji, que desta vez ficou com a missão de abrir o espectáculo. Com o carisma que lhe é peculiar, o artista nascido lá para as terras de Marracuene granjeou o carinho do público.
Estava acompanhado da banda Rádio Marrabenta e de uma bailarina que dominava aquele palco como a palma da sua mão. Fizeram um bom show. O público fervilhou, aplaudiu e cantou muito. A actuação durou pouca mais de uma hora e Dilon interpretou temas como “Maria”, “Podina”, “Mana Angelina”, entre outros.
De seguida subiram ao palco os Makwayela de Marracuene. O grupo continuou com o que Dilon já tinha iniciado. Brilhou. E por isso foi impossível ignorar a sua presença em palco. As pessoas deliciaram-se e dançaram bastante.
Quando eram pontualmente 18:00 horas, subiu ao palco nada mais nada menos que Xidiminguana. Actuou por cerca de 50 minutos. Como sempre não faltou a conversa habitual entre si e a guitarra. Desta vez o tema era Gwaza Muthini e o Festival Marrabenta. Os presentes aplaudiram-no e dançaram da primeira à última música.
A Banda Rádio Marrabenta também tocou para Ximinguana, provando de todas as formas ser excelente no seu trabalho. Depois daquela actuação entraram outros grupos de animação de Marracuene.
Após uma hora, Mário Ntimane subiu ao palco do Festival Marrabenta. Eram pontualmente 20:20 horas. Cantou, tocou e dançou levando o público presente ao delírio. Com a sua presença nenhum espectador conseguiu manter os pés no chão. Rebolaram e bem os seus “esqueletos”.
Foram igualmente vistos em palco artistas como Alberto Mutxeka, Daniel Langa, Banda Mumemo, Banda Pusselani, Moz Pippa, entre outros, sempre mantendo o público eufórico e a dançar.
Refira-se que os artistas congratularam a organização do Festival Marrabenta pelo facto de ter conseguido reuni-los no mesmo espaço, algo que segundo eles “há muito tempo que não acontecia” e esperam que este evento continue por muitos mais anos.
O NEGÓCIO NO GWAZA MUTHINI
Assistiu-se ainda no presente ano a uma grande afluência de pessoas que vêem no Gwaza Muthini uma grande oportunidade de negócio. Vendiam de tudo. Tinham diversas marcas de cerveja, carnes variadas desde vaca, porco e frango, vendiam xima, ovos cozidos, sopa, sumos, refrigerantes, bolachas variadas, e até roupa, sapatos e chapéus.
Adelina Francisco estava a vender frango assado, carne de porco, salada de tomate e cerveja. Foi para aquele local no dia 1 e contou ao domingoque só sairia no dia 3 de tarde porque o negócio estava a resultar. Afirmou que “as pessoas estão a comprar, sobretudo hoje (dia 2). Procuram mais carne de porco acompanhada de salada de tomate e xima. Também estão a consumir muita cerveja. Vale a pena estar aqui”.
Declarações diferentes deram as senhoras que vendiam peixe magumba. Para elas o negócio não foi muito rentável tudo porque as pessoas não estavam a comprar aquele produto como nos anos anteriores. Ana Maria, por exemplo, disse ao domingo que “essa é a nossa primeira vez a vender aqui e não gostamos. Compraram pouco.”
Maria de Lurdes Cossa
Imagens de Inácio Pereira