O Rei Midas, na versão musical, passou por Maputo. O milagre foi testemunhado no Campus da Universidade Eduardo Mondlane (UEM). Lá, George Benson, o tal Midas da guitarra, fez das suas durante cerca de duas horas e, no final, rematado ao som de On Broadway, deixou bem claro porque o chamam “O Mestre”. Para a produtora BDQ este concerto foi, certamente, a cereja no topo do bolo!
Há coisas na vida que parecem saídas da imaginação de um escritor. Como por exemplo o facto de George Benson ter nascido um ano depois da morte do jovem guitarrista Charlie Christian (1942) bem no inicio do movimento jazzístico. Charlie, rezam as crónicas, tocava num nível absurdo. Era um génio. Pois, George Benson, parece ter herdado essa genialidade.
Como se sabe, o Rei Midas, segundo a mitologia grega, tinha a capacidade de transformar tudo o que tocava em ouro. Assim é o génio GB e provou-nos na última quarta – feira na tenda gigante montada no campus Universitário da UEM.
Essa genialidade que começou a manifestar-se bem cedo. Aos 10 anos gravou o single “She Makes Me Mad”. Com 20 anos, em 1963, Benson – então com 20 anos – lançou o seu primeiro disco, “The New Boss Guitar Of George Benson”. Até que em 1971, o produtor Creed Taylor propõe um novo estilo musical, fundindo jazz e pop.
Benson cresce cada vez mais no mundo da música e, em 1975, alcança so eu primeiro sucesso com “Supership”. A partir de 1976 o mestre Benson redireccionou sua carreira completamente, caminhando para o pop sem nunca deixar de lado a sua génese e veia jazzística.
George Benson faz parte de uma selecta galeria de artistas que continuam essa tradição e solidificaram de vez a guitarra jazz como Pat Metheny, John Scofield, Bill Frisell, Mike Stern e muitos outros.
E foi este Benson que Maputo viu. Um artista que não tem medo das suas origens mas aposta fortemente no uso da guitarra, não somente como um instrumento rítmico, mas como prolongamento do seu próprio corpo para além do uso extraordinário que faz da sua peculiar voz para cantar e para fazer scat, aquele acompanhamento vocal das notas que os dedos produzem nas cordas.
Entrou com Love x Love e imediatamente agarrou literalmente a audiência. A sua banda – Stanley Bank(baixo), David Garfield e Thom Hall (teclados), Michael O´Neill (guitarra e voz), Khari Parker (bateria) e Lilliana de los Reyes (percussão e voz) -, mostrando maturidade, não deixou os seus créditos em mãos alheias. Eles estão a altura do Mestre.
Aliás, a cumplicidade entre GB e David Garfield (teclados e director musical da banda) foi mais do que evidente nos momentos de improvisação e mesmo no andamento do espectáculo. Garfield é o fiel escudeiro do cavaleiro da guitarra.
A propósito, o improviso é um elemento essencial do jazz e que o torna divertido. É nesse momento que o jazz choca com a música clássica e tradicional. A comparação mais fácil é confrontá-lo à uma orquestra, onde os músicos executam exactamente o que lhes dizem uma partitura e um maestro. O jazz é livre e uma passagem de solo de guitarra, por exemplo, dificilmente será igual à outra já feita antes.
Cada um a seu momento, Khari Parker (bateria), Lilliana de los Reyes (percussão e voz), Michael O´Neill (guitarra e voz) ou o baixista Stanley Bank, fizeram as delícias do público com o virtuosismo das suas actuações.
Mas atente-se que o improviso não é fruto do acaso. Na era do swing, as “big bands” passaram a ser mais baseadas em arranjos musicais que foram escritos e apreendidos de ouvido para memorização. Muitos músicos de jazz não liam partituras. Solistas improvisavam dentro desses arranjos. Mais tarde, no beebop, o foco mudou para grupos menores e arranjos mínimos. A melodia era indicada brevemente no início e ao término da música, e o âmago da performance era uma série de improvisações no meio.
E Benson explora muito bem essas subtilezas do jazz nas suas viagens musicais e é, provavelmente, essa característica que faz com que a sua música seja única, mas ao mesmo tempo nos soe tão familiar.
Até porque a sua produção foi sempre contínua. Ele tem 50 discos lançados. Ao longo dos anos, GB continuou gravando diversos sucessos. Em 1980, por exemplo, o seu disco “Give Me The Night”, conquista o Grammy, com uma suave e dançante combinação musical. Hits floresciam rapidamente na vida de George Benson nos anos 80, à medida que explorava cada vez mais a acessibilidade do pop.
Em 2006, em uma parceria com o cantor Al Jarreau, lançou o álbum “Givin’ It Up”, um disco com um repertório variado de estilos abordados sempre com sua veia jazzística. Este trabalho foi altamente reconhecido, tendo recebido alguns Grammy´s e várias outras premiações.
E deste disco (“Givin’ It Up”), Benson foi buscar Breeze para levar os espectadores numa viagem ao som da sua guitarra. Guitarra, entremeada com a voz, que acompanhou a plateia ao longo dos sons de Moody moods, Fell Like Make Love, Mambos, Turn Love around, Kisses in the Moonlight, The Getho, Lady Love, Affirmation, Living in High Definition, The Greatest Love of All, Nothing Gonna Change My Love, In Your Eyes, Being With You, Love Ballad, Shives, Give Me the Night e On Brodway.
Se se pode dizer que o espectáculo no geral foi demolidor, também será verdade que houve momentos que levaram o público ao delírio. Por exemplo, quando interpretou Nothing Gonna Change My Love e depoisIn Your Eyes, os espectadores perderam as estribeiras e, em pé, fizeram os coros.
Uma nota de apreço também vai para a BDQ Concertos que com engenho soube criar as condições necessárias para que as 3000 pessoas que adquiriram os bilhetes de ingresso tivessem as necessárias condições para curtirem o espectáculo da melhora forma possível.
Realmente um concerto daquela dimensão representa um desafio não só a produtora como também a Vodacom e todos os parceiros envolvidos dada a complexidade e o nível de exigências do próprio artista.
Quando GB disse, num português macarrónico “Muito obrigado” só pode ter sido do fundo do coração. Provavelmente não esperava que deste lado do mundo, num país desconhecido para um bom número de americanos, haveria centenas de pessoas conhecedoras das suas produções e, acima de tudo, capazes de cantar a uma só voz com ele. Foi lindo.
Lindo também foi vê-lo a agradecer pessoalmente a Abdul Chitará (Chitará Sound) pela excelente qualidade sonora. Michael Briggs, o produtor e responsável pela parte técnica da banda de GB, também não poupou elogios ao jovem Chitará.
Mas a noite não foi só de George Benson. Seth Suaze e o Majeschoral representaram e bem o nosso imaginário musical. Primeiro Seth, a solo, fazendo uma rapsódia de temas de Fany Mpfumo e Arão Litsure e, depois, com o Majeschoral a fazerem cair, literalmente, a tenda perante o reconhecimento das pouco mais de 3000 almas que se fizeram presentes.
Abrir um espectáculo – que tinha George Benson como cabeça de cartaz – deve ter causado um friozinho na barriga do bom do Seth Suaze (ele próprio um admirador confesso de GB) a quem já se exige um disco de originais pela qualidade exibida.
No final de tudo, a BDQ Concertos ainda fez uma promessa acolhida com uma ovação: dia 10 de Novembro os Kool and The Gang vão aportar na cidade das acácias para mais um Moments of Jazz.
Até lá, vamos ouvindo o tinido das cordas do Mestre que por estas alturas está a meio-caminho da Europa para uma série de concertos integrados na Tour Inspiration: A Tribute to Nat King Cole.
Belmiro Adamugy
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foto de Mauro Vombe