Se quiser cantar em Lichinga, capital provincial do Niassa, faça-o, mas não em “playback”. As bandas é que estão a dar por aquelas paragens. Não é só de Massukos que vivem os citadinos daquela urbe, mas, por quase imposição deste lendário agrupamento musical, é “proibida” a aparição pública de quem imita uma gravação e “engana” os espectadores.
Não há nenhum decreto nesse sentido, mas em Lichinga é vergonhoso actuar em “playback”, por isso estão a nascer e prosperar novos grupos musicais sob o manto da obrigatoriedade de serem profissionais. Ulongo, Kassimbos e Khoisan são as bandas que ao lado dos Massukos animam Lichinga.
O nosso jornal conversou recentemente em Lichinga com os líderes de cada um destes grupos que convergiram no seguinte: em Lichinga as bandas é que estão a dar. Mais outra revelação: “Não devemos negar que bebemos dos Massukos e queremos prosperar com perseverança como aqueles fizeram-no durante estes anos”.
Augusto José Muetahane, dos Kassimbos, considera boa a sua banda e goza de boa saúde. Lançou o disco “Koshukuru” em Março passado. É um agradecimento a Deus, a tudo e todos que fizeram com que o sonho fosse realizado, com o nascimento da banda em 2001.Tem sido muito solicitada para muitos eventos na província e agora encontra-se empenhada na preparação do Festival Nacional da Cultura, a realizar-se em Agosto próximo, na província de Sofala.
“Actualmente somos os vencedores da fase distrital, em nome de Lichinga, para representar a cidade na fase provincial. Estamos a vir da fase de posto administrativo, se a sorte nos bater à porta seremos embaixadores da província”, diz o líder dos Kassimbos.
Os Kassimbos cantam e tocam o dia-a-dia da sociedade. Começaram nas brincadeiras de recurso de um grupo de adolescentes aos fins das tardes. Também tinham no seu reportório músicas religiosas.
“Fomos encorajados por um responsável da igreja, senhor Anussa, que viu em nós algum talento e sugeriu que fizéssemos uma formação complementar, que nos fez deixar de tocar latas. Levou-nos ao mestre Jujú, para que nos formasse. Assim entrámos em contacto com quase todos os instrumentos musicais e aprendemos a melhorar as nossas próprias músicas”, diz Augusto Muetahane.
Actuavam inicialmente apenas nas casas de pasto, mas em 2003/4 fizeram a primeira viagem para fora de Lichinga. Foram a Marrupa onde participaram num “workshop”. Ali saíram do casulo, passando a fazer parte de festivais nacionais Crossroad e tornaram-se participantes assíduos do festival anual do Lago que se realiza naquela instância turística situada no Niassa.
“Vencemos uma série de fragilidades, incluindo na composição da nossa banda, que passou a discutir em pé de igualdade com as referências do Niassa. Agora somos oito elementos. Ganhámos uma fase nacional de Crossroad e outra regional, realizada em Nampula. Estivemos nos festivais regional de Quelimane e nacionais realizados em Chimoio, Gaza, Nampula e Inhambane”.
Mas Kassimbos não são apenas uma banda. Na verdade, trata-se duma associação de outras artes, incluindo o teatro. Vive de si, dos lucros saídos da sua actividade diária, num grupo onde se ensaia da segunda a sexta-feira. Vive do que faz, 25% das receitas vão para os cofres da associação, outra percentagem fica com os integrantes do grupo.
“Gravámos o nosso CD sem apoios de vulto, o equipamento da banda, a bateria, duas guitarras, dois teclados, toda a base de instrumentos que dão para ensaiar conseguimos assim, agora já contamos com o apoio do Governo que nos cedeu uma aparelhagem para ensaiar para o festival que se aproxima”.
HÁ ESPAÇO PARA TODOS
– Diz Benzito Muguala, dos Khoisan
Uma banda em homenagem àquele grupo tribal do deserto de Kalahari. Oito pessoas integram o mais jovem agrupamento musical do Niassa que não esconde que precisa de comer mais “matapa” para chegar aos patamares dos outros.
Nasceu da necessidade que Benzito Muguala tinha de ensinar a alguns interessados a lidar com instrumentos musicais, em 2011. De preferência os Khoisan tocavam nas escolinhas e orfanatos, animando as crianças e ultimamente não vêm apoios para prosseguir esse desiderato.
“Quando tocávamos tínhamos o apoio duma associação americana denominada Juntos Corpo da Paz, que tinha uma pessoa que se simpatizava com o nosso propósito. Somos, de certa maneira, desocupados formalmente. Temos estudantes e falamos da sociedade, da paz e da necessidade de correcção de alguns comportamentos”.
Senão para o tradicional festival do Lago e uma actuação encomendada pela Agricultura e da visita do Presidente da República, os Khoisan ainda não saíram para fora do Niassa.
“Se me pergunta se o espaço em Lichinga dá para mais bandas, eu digo-lhe que é surpreendente que o ambiente aqui está cada vez mais agradável. Cada banda tem a sua clientela predilecta, o ambiente está muito bom”.
ULONGO, A CONCORRENTE ACTIVA DOS MASSUKOS
Está-se em Lichinga, pelo emissor da Rádio Moçambique ouve-se muita música a tocar e a ideia que fica é que são os Massukos, que gravaram numa altura em que estiveram pouco inspirados ou tem-se a percepção de que se trata de mais uma gravação da mesma banda, que tivesse sido secretamente publicada, apenas em Lichinga, todavia, sem muita qualidade.
As dúvidas são dissipadas quando se descobre que não são músicas dos Massukos, mas da banda concorrente, Ulongo, cuja linha é a mesma daquela que com o Futebol Clube de Lichinga “libertou” Niassa, então desconhecido.
Manuel Wiliamo Dihiua, o líder da associação da qual a banda Ulongo faz parte, afinal é originário dos Massukos. Com ele mais dois colegas, incluindo o baterista, Mbedo, vieram fundar a banda.
“Saímos dos Massukos, pode ter razão em meter a confusão”, diz Wiliamo, que acrescentou que o agrupamento veio para emprestar mais ânimo à cidade, à província e ao país, em geral.
Diz que “não há crise entre nós e descobrimos que temos espaço e estamos a andar”. Na verdade, Ulongo é que está mais presente, conforme testemunhámos ao longo da nossa estadia quando percebemos a razão do aparente desaparecimento dos históricos Massukos.
MASSUKOS NÃO MORREM ENQUANTO
EU E SIMÃO ESTIVERMOS JUNTOS
– Feliciano Santos (Calisto)
Feliciano dos Santos, mais conhecido por Santos Calisto, é o líder incontestável dos Massukos, a banda mais viajada do nosso país, depois dos Yuphuro, a quem provocámos ao perguntar se afinal tinha uma substituta, em Lichinga. Referíamo-nos a Ulongo.
“Nós não morremos. Os Massukos morrerão no dia em que eu e o Simão nos divorciarmos. É simples: numa banda se perdes os compositores estás mal. Nós estamos de pedra-e-cal e continuamos a promover espectáculos de qualidade e intercâmbios com os vizinhos malawianos que já também vêm a Lichinga”.
Santos Calisto manifestou-se satisfeito com o nascimento de outras bandas em Lichinga, que considera uma mais-valia para a província e não só. Estávamos na semana em que os Ulongo tinham tido três actuações e os Massukos uma, diferindo, logicamente, da qualidade de cada evento.
Calisto chamou à atenção para a necessidade de imprimir disciplina nas bandas, porque na sua opinião a falta de disciplina é que mata as bandas.
“Nos Massukos reina disciplina. Os artistas precisam de disciplina, tal como acontece ou deve acontecer com os jogadores duma equipa. Eu tenho a sorte de ao mesmo tempo ter dirigido o meu grupo e o Futebol Clube de Lichinga. A disciplina necessária é quase a mesma”, disse o líder dos Massukos, tentando explicar porquê havia alguns integrantes que foram fundar a banda Ulongo.
Neste momento, Calisto, a nível individual, está a desenvolver um projecto de um centro de música ao vivo, ideia que já está a descampar num lugar de aprendizagem.
“No fim a ideia é tentar retirar os artistas que andam por aí a cantar em playback para tocarem ao vivo, com banda. Aqui temos uma banda-residente, constituída por uma selecção de músicos de diferentes grupos, que vão tocar aqui com os artistas que cantam a solo ou em playback. Trata-se dum espaço que os artistas tanto de Lichinga como de fora têm para actuarem”.
Chamado “Bela Vista-Pedra 3”, o centro reúne todas as condições técnicas necessárias para acolher diferentes tipos de actuações. Calisto diz que o nascimento de muitas bandas em Lichinga é salutar, porque cria competitividade, pelo que ele próprio encoraja com acções concretas como a criação daquele centro.
“é a repetição do que aconteceu com o nascimento dos Massukos. Seleccionámos os grandes executantes de diferentes grupos que na altura havia e formámos essa qualidade que são os Massukos. Agora estamos a fazer o mesmo, os melhores instrumentistas, incluindo cantores de gospel, estão aqui”. O entrevistado acredita que amanhã despontarão os melhores músicos da província.
Sobre as dificuldades que há de distinguir entre o que os Massukos tocam com aquilo que Ulongo deixa sair, Santos Calisto ri-se e explica: “Não é só em relação a Ulongo. A música do Niassa partiu dos Massukos, pelo menos dois elementos que estão no Ulongo eram dos Massukos. Naquele processo de revitalização do grupo eles fundaram o novo grupo depois de terem bebido o sumo dos Massukos”.
Pedro Nacuo