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Celebrar a diferença

Por admin

A nação reuniu-se, durante 5 dias, para cantar, dançar, pintar, esculpir, escrever e tocar novas páginas da nossa cultura, numa grande festa que, infelizmente, termina hoje. Foram indubitavelmente dias de muita agitação, muita alegria e, acima de tudo, um momento de celebração das diferenças que, longe de separarem, nos fazem mais moçambicanos!

O Primeiro-ministro, Carlos Agostinho do Rosário, tem hoje, a partir das 10.00 horas, a responsabilidade de encerrar o IX Festival Nacional da Cultura que vinha decorrendo na cidade da Beira e também no Dondo, desde o passado dia 24 do mês corrente.

A festa das artes e cultura, entretanto, começou sob a égide do Chefe de Estado, Filipe Nyusi, que, na sua intervenção durante a cerimónia de abertura do festival, perante milhares de pessoas, incluindo todas as delegações provinciais, exortou a todos os participantes a partilharem os seus saberes e a contribuírem, cada um na sua área de actuação, para a edificação e consolidação da moçambicanidade.

Estamos a celebrar a nossa diferença espelhada nesta grande orquestra que se chama Moçambique, onde todos tocamos e o nosso único maestro é o povo. A cidade da Beira, junto à outrora Mazanzane, é hoje um dos mais importantes centros multiculturais do nosso país e do mundo”, disse o Chefe de Estado, Filipe Nyusi.

A intervenção do Presidente da República aconteceu pouco depois do desfile de todas as delegações provinciais e da majestosa apresentação do bailado “Aruangua”, designação inspirada no nome do mesmo rio que atravessa a província de Sofala. “Aruangua” rebuscou com beleza e elegância a diversidade cultural e étnica de Sofala como resultado do encontro de várias culturas, incluindo a árabe e portuguesa. Homens, mulheres e crianças deram corpo à peça rematada com as palavras “Ficani” e “Gunhani”, que significam em sena e ndau “sejam bem-vindos”. Descrevendo através da dança, teatro o percurso do nosso país: de onde viemos, onde estamos, os adolescentes que preenchiam o relvado do campo do Ferroviário arrancaram aplausos pela forma como exibiram as diferentes coreografias,  fenomenal e naturalmente.

Viemos dizer à humanidade quanta contribuição damos neste mosaico existencial planetário, através do “Sol que nunca desce”. A nossa cultura é o nosso orgulho. São estas facetas que fazem de nós um povo muito admirado, pela criativa convivência entre diferentes culturas e formas de pensamento”, disse Filipe Nyusi.

Acrescentou ainda que são estas tradições que geram com sucesso uma secular coabitação plural e fazendo crescer paulatinamente uma democracia pluralista que todos têm a obrigação de venerar.

Vínhamos prevenidos que íamos ao encontro das lindas cores da nossa bandeira em corpos trajados de vários estilos, mas, sobretudo, em corpos de uma história e juventude vigorosas, que sonham apenas, e só apenas, um Moçambique, do Rovuma ao Maputo”, alvitrou antes de destacar que queremos “Um país não dividido, mas um país a clamar sempre em uníssono por mais unicidade, sossego e paz”.

A problemática da paz voltou à baila na intervenção do Chefe de Estado numa altura em que a capacidade para 15 mil pessoas do campo do Ferroviário da Beira já havia sido largamente superada.

O Presidente fez questão de lembrar que o IX Festival Nacional da Cultura tem lugar numa altura em que os moçambicanos vivem momentos conturbados pela acção desestabilizadora movida pela Renamo que interfere negativamente no normal desenvolvimento do nosso país.

Como o fizeram no passado recente, os artistas mostram o quanto as artes constituem uma arma poderosa de denúncia e repulsa das atrocidades e dos actos contrários ao projecto colectivo de promoção do bem-estar e fortalecimento da nossa Pátria”, destacou antes de rematar: “Artistas somos todos nós”.

De referir que a intervenção do Chefe de Estado aconteceu depois das boas-vindas proferidas pelo edil da Beira, Daviz Simango, e pela governadora da província, Helena Taipo. Silva Dunduro, ministro da Cultura e Turismo, antes de convidar o Presidente a falar, fez questão de referir que a realização do festival resultava do esforço cruzado de várias pessoas e instituições “devido ao momento particularmente difícil que o país está a atravessar”.

FESTA DE ARROMBA

Mais de mil artistas, em representação das delegações provinciais, mais outros tantos convidados, deram outra dinâmica aos últimos 5 dias à cidade da Beira e do Dondo. Espectáculos musicais, desfile de moda, artes plásticas, teatro, poesia, literatura, palestras, debates, cinema e gastronomia, fizeram as delícias de milhares de participantes. O festival aglutinou no mesmo espaço gente há muito não vista no cenário das artes e cultura.

Destaque de primor é a maneira como Sofala se organizou para acolher tanta gente. Hotéis, residenciais e casas particulares acolheram com satisfação as inúmeras pessoas que se fizeram presentes na fotografia do IX Festival que celebra a diversidade da forma de ser das etnias que fazem Moçambique.

Artistas como Gimo Remane (ex-Eyuphuro), Carlos Gove, Massukos, Djaakas, Ghorwane, Tony Chaúque, Mutumbela Gogo, Abdil Juma, Casimiro Nhussi, Moreira Chonguiça, José Mucavel, Adelino Branquinho, Jorge Vaz, Graça Silva, Filimone Meigos, Sheila Jesuíta ou Calane da Silva deram o seu quinhão para que a festa fosse realmente colorida.

Exposições de artes plásticas – o Presidente reinaugurou a pintura “Vovo Xipangara” de Malangatana, na Casa da Cultura – e participou na feira de gastronomia que deu um ar “nutritivo” ao festival com comidas de todas as províncias do país, espectáculos teatrais e sessões de humor e poesia ocuparam vários espaços da urbe, incluindo uma reabilitada Casa dos Bicos.

A Casa do Artista, dirigida por Maria Pinto de Sá, acolheu várias sessões de palestras e debates, o lançamento do livro “Mafalala”, de Aurélio Lebon, e também do disco de teatro radiofónico de Abdil Juma intitulado “Mahanyela”. O mesmo espaço testemunhou o lançamento do filme “Kutama”.

CONVERSAS PELO FUTURO

Marca indelével no festival que hoje termina é a participação massiva de adolescentes e jovens que sob orientação dos seus admirados mestres vão herdando o legado da cultura moçambicana. É visível o crescente interesse dos mais novos pela cultura moçambicana. É como se uma voz soasse para muitos deles, a jeito do poema de Rui Nogar: “África surge et ambula” – Desperta África.

As palestras e lançamentos de obras dos artistas foram acompanhadas pelos promissores fazedores das artes e cultura. José Mucavel e Moreira Chonguiça dialogaram com jovens na Casa da Cultura, apelando e despertando  naqueles a necessidade de persistência.

A cultura não pertence ao Governo. É de todos nós. Vocês são adolescentes e jovens e devem fazer a diferença, sabendo quem são. A cultura começa pelo dia-a-dia, saber levantar no chapa e dar lugar ao mais velho, saber conservar o seu frasco vazio até encontrar uma lata de lixo, ao invés de atirar ao chão. A cultura começa pela leitura de apenas vinte minutos por dia, pois quando somos leitores conquistamos o poder de questionar e ver o mundo”, disse Moreira Chonguiça.

Calane da Silva teve uma conversa directa e inspiradora com artistas e não só sobre a importância da leitura e da escrita. “Qualquer leitura que fazemos no nosso quotidiano, um livro, um jornal, abre-nos o horizonte, pois permite compreender a nossa história, as nossas raízes. E só assim poderemos saber quem somos. Portanto, há através da leitura a compreensão do passado, presente e visionamento do futuro. Leiam sempre”.

José Mucavel rebuscou a sua história para transmitir coragem e persistência. “Em tudo que vocês façam na vida é preciso persistir. Mas a educação é a base de tudo. O meu pai partiu o meu instrumento musical porque não queria que eu tocasse. Quando isso aconteceu, eu não me zanguei e nem faltei respeito ao meu pai. Juntei dinheiro e voltei a comprar outro instrumento, dando espaço ao que eu queria seguir. Estudem sempre e saibam amar a vocês próprios para aprenderem a gostar dos outros e da vossa cultura”.

CONCERTOS NOS BAIRROS

A última sexta-feira foi diferente para os amantes da música. Para uns foi o reencontro com os músicos por eles apreciados. Para outros foi a contemplação pela primeira vez dos seus ídolos. Das 14h00 até o raiar do sol, o campo do Ferroviário da Beira fez desfilar grupos locais principiantes na música. A meio da noite, tomaram conta do público Esaú Menezes, Djaakas, Ghorwane, entre outros.

Viemos fazer a festa e a expectativa está a ser superada. Actuar para uma plateia desse género é sempre um prazer e, sobretudo, estimulante. Pois, para além de entreter os espectadores, preenchemos gradualmente um espaço – o de ainda novos saberem gostar da música moçambicana”, afirmou Roberto Chitsondzo, dos Ghorwane.

Desfile de moda que traz tendências centralizadas na capulana e coreografias mapiko, xibugo, timbila, utse, entre outras danças foram aplaudidos em inúmeros bairros e localidades onde os artistas actuavam.

Texto de Belmiro Adamugy e Frederico Jamisse

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