91
“Nunca se esquecem as lições aprendidas na dor”, reza um velho e secular provérbio africano. Mas parece que “seja por causa da fome, quer pela ganância – há pessoas de curta memória. É que o país ainda mal se refez da desgraça que já consumiu 103 vidas e, mais um bocadinho, voltaria a experimentar o gosto amargo do fel e do fogo.
O episódio até poderia se prestar à galhofa se não fosse pelo perigo que encerrava. Bula-bula acha que é preciso e com urgência que se crie uma unidade de protecção – tipo coluna militar – para os carros-cisterna que invariavelmente cruzam as nossas estradas. É que virou mania assaltar ou vazar tanques de combustível para venda ambulante. Parece que, enquanto grandes empresas investem milhões de dólares na prospecção do petróleo, nós, cá no nosso burgo, temos homens, mulheres e crianças especializados em baldeamento de combustível… Mas, pelo que aconteceu recentemente em Tete – como se não bastasse o episódio de Chitima e o seu mortífero Pombe e agora a carnificina de Caphiridzange – já está em curso a formação de vigilantes de combustível. No caso, a coisa começa lá de cima. Bula-bula saúda efusivamente a iniciativa do governador de Tete, Paulo Auade, que já começou – ele mesmo – a fazer esse trabalho; aliás, os bons exemplos vêm mesmo do topo… Não é que o bom de Auade surpreendeu em flagrante um motorista de longo curso a vender combustível na via pública no distrito de Mutarara. Atento – não sabemos se de binóculos em punho ou apenas confiando no seu olhar de lince – o governador, vasculhando o horizonte, viu sombras humanas trepando uma coisa que parecia um tanque-cisterna. Afinou o olhar. Usando a mão como uma pala, concluiu rapidamente que se tratava efectivamente de gente baldeando combustível. O seu cérebro revisitou Caphiridzange. Aquilo podia terminar mal. Paulo Auade desceu do carro e foi impor ordem. “Não se explica que, há menos de um mês da tragédia de Caphiridzange, os camionistas se envolvam ainda na venda ilegal de combustível. São vocês que criam problemas nas estradas. Portanto, vamos falar com o teu patrão para tomarmos as medidas, porque esta situação não pode continuar”, disse o governador. O motorista negou que estivesse a vender combustível. “Não estou a vender combustível, apenas estou a transferi-lo para o outro tanque, porque o meu carro não transfere automaticamente. Estou a sair da Beira com esta carga para Mutarara. quando cheguei aqui vi que o combustível deste tanque não ia chegar a Mutarara, por isso, parei e pedi bidões à população para poder fazer a transferência”, gaguejou. Bula-bula já perguntou aos botões o que é que se passa com aquela malta… Em Novembro último uma explosão de um camião-cisterna com gasolina, na localidade de Caphiridzange, distrito de Moatize, matou 103 pessoas. O camião, que havia partido da cidade da Beira com destino a Malawi, foi desviado da rota para permitir o roubo de combustível. O gesto de Paulo Auade pode ser pequenino no meio da desordem mas se você pensa que é muito pequeno para fazer a diferença, tente dormir em um quarto fechado com um mosquito!