– Sobre o assunto domingo entrevistou o Prof. Doutor Carlos Arnaldo, demógrafo, docente universitário
e director do Centro dos Estudos Africanos (CEA) da Universidade Eduardo Mondlane (UEM)
A população moçambicana, agora estimada em 26 milhões e 400 mil habitantes, continua a crescer a um ritmo vertiginoso devido à alta taxa de fecundidade. Trocando isto em quinhentas: estamos a ter filhos a mais do que devíamos.
Segundo o Prof. Doutor Carlos Arnaldo, demógrafo, docente universitário e director do Centro dos Estudos Africanos (CEA) da Universidade Eduardo Mondlane (UEM), em “termos teóricos, o nível ideal de fecundidade é de dois filhos por casal. Isso é chamado tecnicamente de nível de substituição, que se garante que os dois filhos vão substituir o casal. Se tiver menos de dois e se não tiver a migração, o resultado é que a população vai diminuir porque os pais não vão poder ser substituídos por um filho. No nosso caso, a nossa fecundidade é três vezes mais acima do nível de substituição. Isso significa que uma pessoa é substituída por três pessoas”.
Para o nosso entrevistado, “ao em vez de a população aumentar a esse ritmo que cria a dificuldade de acompanhamento por parte dos serviços necessários para essa população, é necessário abrandar o ritmo. Ao em vez de nós preferirmos ter seis filhos, podemos preferir ter menos. Vamos continuar a ter filhos, mas em vez de seis, ter quatro ou menos. Por essa via, vamos reduzir o ritmo com que a população cresce e ao reduzir o ritmo com que a população cresce também vai reduzir a pressão que temos em termos da provisão dos serviços da Educação e Saúde e também da provisão dos serviços do emprego. Temos de ter em conta, primeiro, o tamanho que determina a magnitude dos serviços”.
O demógrafo Carlos António explica que “um dos factores que produz a elevada fecundidade em Moçambique é que as mulheres moçambicanas começam muito cedo a produzir filhos. Os dados que temos mostram que Moçambique está entre os dez países com maior nível de casamentos precoces no mundo e também, consequentemente, com elevada maternidade precoce. Os dados do Inquérito Demográfico e de Saúde (IDS) do Instituto Nacional de Estatística (INE) mostram que aos 16 anos metade das meninas já são sexualmente activa e aos 19 anos metade dessas meninas já são mães ou são casadas”.
De acordo com o Doutor Carlos Arnaldo, a última taxa de crescimento populacional no período de 1997 a 2007 foi de 2,5 por cento ao ano. Prevê-se que “nós continuaremos com um aumento da população a uma taxa de dois por cento ou mais elevada ainda nos próximos anos”.
Ele recomenda a aposta na educação como um dos factores para reduzir esta alta taxa de fecundidade, pelas seguintes razões: “primeiro, se uma rapariga é educada, significa que ela vai permanecer na escola para além dos 15 anos. Então, se ela adia o filho até à formação, significa que esse filho poderá surgir depois dos 20 anos e quando surge depois disso há cinco anos que já foram perdidos e não podem ser recuperados. Depois, quanto mais a mulher estuda, mais ela usa os métodos de contracepção, ou seja, maior vai ser a sua capacidade de ter os filhos que ela quer e não mais do que isso. Adicionado a isso, ela também vai preferir menos filhos do que se ela não tivesse estudado. Os dados que temos indicam que as mulheres mais instruídas têm menor fecundidade, porque preferem ter menos filhos e também têm maior acesso e melhor uso dos métodos de contracepção, ao contrário das mulheres que são menos instruídas. Por exemplo, em 2007, o nível de fecundidade em mulheres com formação secundária, era metade do nível de fecundidade em mulheres não instruídas. Isso faz a diferença, primeiro por via de adiar o início da actividade sexual, depois por terem maior capacidade do controle da sua fecundidade e terceiro porque elas preferem menos filhos”. Siga a entrevista em discurso directo.
ESTAMOS NO INÍCIO
DA TRANSIÇÃO DEMOGRÁFICA
O senhor Doutor foi citado recentemente a defender a necessidade de alargar os serviços de planeamento familiar para abranger mais raparigas, principalmente nas zonas rurais, de modo a reduzir-se a elevada taxa de fecundidade no país. Pode-nos explicar isso melhor?
Quando falamos da população, estamos a falar do número de habitantes de um determinado país, que depende de três variáveis: a natalidade, a mortalidade e a migração. A natalidade é responsável por adicionar as pessoas à população. Através do nascimento entram novos indivíduos. A mortalidade reduz esses indivíduos. Quando as pessoas morrem deixam de pertencer a essa população. A terceira variável é a migração. As pessoas neste caso saem de um país para o outro. Então quando elas entram, acabam adicionando a população e quando saem reduzem o número da população.
O processo de crescimento é a diferença entre aqueles que entram pela via de nascimento ou via imigração e aqueles que saem via morte ou emigração e ele é que vai determinar o crescimento da população ou o ritmo em que ela aumenta. Agora, o importante neste ritmo e também nesses três factores é que dependendo do ritmo com que a população aumenta ou, em alguns casos, pode diminuir e também dos factores que provocam essa mudança da população, nós temos uma população com uma determinada característica e essa característica tem implicações em termos do tipo, ou magnitude dos serviços necessários para prover a essa população e também da capacidade que essa população tem, isto é o potencial para produzir. Esse é o contexto.
Quer dizer as grandes mudanças das populações são provocadas por esses factores a que se referiu: os nascimentos e as entradas de imigrantes e as mortes e os emigrantes?
Partindo do princípio de que todos os países ao longo da sua história passam por um processo que tecnicamente chamamos de transição demográfica que é um processo em que os países partem de um nível onde tanto a mortalidade como a fecundidade são elevadas para um nível em que tanto a fecundidade como a mortalidade são baixas, então, em ambos os extremos, a diferença entre essas duas variáveis é pequena e sendo pequena a população cresce muito lentamente e no fim da transição, quando as duas variáveis são ambas baixas, significa também que a diferença entre as duas é pequena, então, a população acaba crescendo de modo lento. Nos países, dependendo da característica, as duas taxas, mortalidade e natalidade se encontram a vários níveis dessa transição. Alguns países ainda não começaram a transição, estão na fase inicial, e outros, já estão na fase conclusiva dessa transição. Dependendo do estágio da transição demográfica em que o país está, o nível dos desafios para o desenvolvimento é diferente e esse é o contexto geral.
E no nosso caso? No caso de Moçambique?
Olhando para Moçambique, nós estamos no início do processo da transição. Um outro aspecto importante na transição é que começa com a mortalidade a baixar e depois a redução da natalidade vem mais tarde. Porquê é que baixa primeiro a mortalidade? Ela é muito fácil de influenciar por meios tecnológicos, por exemplo, aumentando a cobertura dos cuidados de saúde. A fecundidade, que está relacionada com a natalidade, ela baixa muito lentamente, porque para além de factores de ordem tecnológica, tem também a componente sociocultural, em que as normas sociais determinam a necessidade ou não de muitos filhos. Então, como dizia e voltando para o caso de Moçambique, nós estamos no princípio da transição em que já temos uma mortalidade que está a descer e uma fecundidade que ainda se mantêm elevada. A título de exemplo, se nós pegarmos dois pontos e compararmos, por exemplo, em 1950, nós tínhamos uma mortalidade infantil de 350 por mil nascimentos. Isto é, em cada mil nascimentos, 350 morriam antes de completar um ano. Em 2011, os últimos dados que temos, essa taxa reduziu para 64. Então, significa que estamos a menos de um terço do valor de 1950, e o nosso nível de mortalidade tem estado a diminuir nos últimos anos com algumas variações em função dos factores conjunturais.
E o que o está a acontecer com a fecundidade?
O que acontece com a fecundidade, que é o número médio de filhos que as mulheres têm durante o seu período reprodutivo, aquela janela que começa desde que atingem a primeira menstruação até à menopausa, normalmente, 15 a 49 anos de idade, quase não alterou. Em 1950, também como referência, nós tínhamos uma fecundidade de sete filhos em média. Em 2011, temos uma média de seis. O que é que isso nos dá? Quase que não houve redução. Como resultado disso, a diferença entre natalidade e mortalidade vai sendo cada vez maior, porque, por um lado, a natalidade se mantêm elevada e por outro, a mortalidade vai diminuindo. Então, isso leva-nos a uma taxa de crescimento elevada. Se nós tivermos como nossa referência, 1950, vamos ver que a partir de 1960, 1970, o ritmo com que a população aumenta foi acelerando como resultado de uma diminuição gradual da mortalidade, mas a fecundidade manteve-se elevada. A única excepção nesse aumento do ritmo foi entre 1980 e 1997 em que estivemos no meio um período de guerra, onde houve um excesso de mortalidade devido ao conflito armado e algumas perturbações que acabaram afectando ligeiramente a fecundidade. Mas, tirando isso, nós tivemos taxas de crescimento de um a dois por cento que foram aumentando.
ESTAMOS A TER FILHOS A MAIS
Significa que estamos a fazer filhos a mais?
A última taxa de crescimento populacional no período de 1997 a 2007 foi de 2.5 por cento ao ano. Então, o que se prevê é que nós continuaremos com um aumento da população a uma taxa de dois por cento ou mais elevada ainda nos próximos anos, segundo a projecção do Instituto Nacional de Estatística (INE). Quais as implicações disso, se calhar olhando para o porquê a população cresce. Cresce sobretudo como disse, porque a fecundidade mantêm-se elevada e nós estamos a morrer cada vez menos. Continuamos a ter filhos tal como os tínhamos há anos. Isso resulta num crescimento, crescimento devido à questão da fecundidade. Isso leva-nos à questão da característica da estrutura da nossa população. Como nós temos uma fecundidade elevada, o resultado é termos uma estrutura que chamamos jovem. É uma estrutura jovem porque tem uma alta percentagem de população jovem menor de 15 anos. No último censo, nós tínhamos metade da nossa população com menos de 15 anos de idade.
Quais são as consequências do aumento da nossa população a estes níveis?
A característica da estrutura da nossa população cria-nos um determinado tipo de necessidades e de serviços. Uma estrutura como a nossa, porque temos uma elevada percentagem de menores de 15 anos de idade, esse é um grupo que tem necessidades específicas de Saúde e Educação. Então isso cria logo uma pressão em relação à provisão dos serviços de Educação, porque esta população anualmente vai crescendo. A título de exemplo, segundo as projecções do INE, a população de seis anos que é a idade de entrada na escola, no próximo ano, 2017, será de cerca de 800 mil. Se todas as pessoas que estão na idade escolar estivessem na escola, significa que o Estado tinha que preparar 800 mil vagas para o próximo ano. Por outro lado, quando esse grupo de população passa para a fase de trabalhar, também precisa de ter o mercado de trabalho que a possa absorver em tamanho correspondente à demanda do número que tem. Então, tomando esses exemplos, significa que há necessidade do investimento nesses sectores. O sector económico tem que ter capacidade de absorver essas pessoas. Isso para dizer que o ritmo de crescimento, juntando ao tipo de estrutura que temos, dá-nos a ideia do tipo e dimensão de serviços que temos que prover. Nesse caso é necessário prover uma determinada quantidade de serviços de Educação e Saúde para essas pessoas, mas também emprego.
Neste momento, estamos numa situação complicada tendo em conta a população que temos?
Estamos perante um desafio. Ou seja, uma análise que fizemos há cerca de dois anos, analisando os dados do Ministério da Educação, mostrou que de 1990 até 2010, para a camada populacional dos 6 aos 12 anos, houve um aumento de absorção em cerca de oito por cento ao ano. Esse é um aumento astronómico, o que significa que está haver um investimento directo em termos do número de salas de aulas, professores, etc. Mas mesmo assim, tínhamos 40 por cento desse grupo da população fora da escola em 2007, o correspondente a cerca de um milhão e meio de crianças entre os 6 e 12 anos que estavam fora da escola, apesar do aumento de absorção que houve.
Isto significa que é um grande desafio o ritmo em que a população cresce, particularmente esta em idade escolar, porque é nessas idades onde se morre menos. Então, se nós temos a taxa de crescimento da população no geral a 2.5 por cento por ano, a taxa de crescimento dessa população (6 a 12 anos) onde a mortalidade é a mais baixa, estava a quase quatro porcento por ano. Isso é o desafio que se tem em relação a ter esta estrutura de prover esses serviços.
Isto parece-nos preocupante ainda, quando, por exemplo, falamos de emprego para estas pessoas…
Sim. A análise que é feita é de que o desafio que existe quando se tem uma estrutura de população muito jovem, é ter uma estrutura que não é favorável ao desenvolvimento, porque não favorece a poupança, na medida em que tem maior número de dependentes, aqueles que não estão na idade de trabalhar. Neste momento, temos cinquenta por cento da população que está na idade de consumo, porque pela idade, eles não podem trabalhar. Precisam de ser preparados para isso. A outra metade é que está na idade de trabalhar. Agora, se nós pegarmos esses dois pedaços e há um indicador que nós os demográficos designamos de taxa de dependência demográfica que relaciona a população em idade de trabalhar e aquela que não está na idade de trabalhar, esse indicador dá quase 100 por cento. Essas populações se equivalem, o que significa que toda a pessoa que está na idade de trabalhar, se estivesse a trabalhar, ela tinha que trabalhar para responder às suas próprias necessidades, mais as necessidades de uma outra pessoa. Então, uma pessoa teria que trabalhar por duas pessoas. Nesses casos, os economistas costumam dizer que as condições não favorecem a poupança, Enquanto não cria a poupança significa que grande parte dos recursos do Estado vão ser direccionados para sectores não produtivos, ficando uma pequena porção para a parte produtiva. À medida que o processo de transição demográfica ocorre e a fecundidade vai diminuindo o que vai acontecer é que o peso da população dependente, sobretudo, essa menor de 15 anos vai diminuindo e quando ela diminui, a razão de dependência também vai diminuindo. Essa diminuição começa a criar poupança, porque alguns recursos que eram para os sectores sociais não produtivos já podem ser canalizados ao sector produtivo e assim, em termos teóricos, cria-se condições mais favoráveis para o desenvolvimento.
Essas são algumas consequências que temos que considerar quando falamos da nossa população?
Essas são as consequenciais do tipo de estrutura da população que temos e que resulta das elevadas taxas de fecundidade. O que é que se recomenda? Agora está em voga o que se chama de dividendo demográfico, que resulta de transformação demográfica. O processo que eu estava a explicar em que quando a transição demográfica ocorre, ou seja, quando a fecundidade diminui o peso da população dependente, a que não está na idade de produzir, cria essa poupança de recursos que podem ser direccionados ao desenvolvimento. A transformação de uma estrutura etária jovem significa tirar dividendos dessa estrutura jovem em termos de trazer benefícios económicos, porque nesse processo de transformação, se há essa redução do peso da população dependente, em função da diminuição da fecundidade, cria esses recursos adicionais que depois são canalizados ao sector produtivo. Impulsionam o crescimento da economia e nesse momento, uma transformação demográfica passa a criar aquilo que é bónus de transformação demográfica que é chamado dividendo demográfico.
Temos que mexer na fecundidade
E quais são as premissas que podemos considerar para esta transformação demográfica?
O dividendo demográfico primeiramente resulta dessa transformação da estrutura etária da população em virtude da redução da fecundidade, essa é uma premissa. Mas depois tem que haver a outra parte, de conseguir com que ao se reduzir a fecundidade passemos a ter o maior bolo populacional que é aquele que está na idade de trabalhar. Como está em maior proporção, se o país consegue empregar ou dar trabalho a essas pessoas, como têm um menor peso de dependência, essas pessoas passam a produzir mais e porque o número de dependentes que têm que suportar é menor em relação a eles, acabam criando poupança e essa poupança acaba impulsionando o desenvolvimento. Por isso que se fala de um bónus demográfico que resulta da transformação de uma estrutura etária da população.
Agora a questão que se colocava em relação a isto é que só podemos ter o maior benefício no futuro se nós tivermos uma transformação da estrutura etária, se tivermos a transição demográfica a ocorrer, ou seja, se nós tivermos a redução da fecundidade que é o elemento chave para a transição demográfica, porque a mortalidade já está a reduzir, embora ainda seja alta. Convêm que diminua mais, mas ela já está a diminuir há um bom tempo. Porém, a fecundidade continua quase constante. A única variável, que nós temos que mexer para a transição demográfica ocorrer, porque neste momento a mortalidade já está a diminuir, é a fecundidade.
E como podemos mexer na fecundidade. Como podemos fazer isso?
Nós temos que perceber quais são os factores que produzem a elevada fecundidade. E um dos factores que produz a elevada fecundidade em Moçambique é que as mulheres moçambicanas começam muito cedo a produzir filhos. Os dados que temos mostram que Moçambique está entre os dez países com maior nível de casamentos precoces no mundo e também, consequentemente, com elevada maternidade precoce. Os dados do Inquérito Demográfico e de Saúde (IDS) do Instituto Nacional de Estatística (INE) mostram que aos 16 anos, metade das meninas já são sexualmente activas e aos 19 anos metade dessas meninas já são mães ou são casadas.
E qual é a consequência directa desse início precoce? Quais são as consequências de as mulheres moçambicanas terem filhos mais cedo?
É que, no início, a mulher tem um período muito limitado para dar filhos que é o período desde a menarca até à menopausa. Fora desse período, ela não pode engravidar. Então, esse período de cerca de 35 anos, uma vez começado cedo, aos 15 ou 16 anos, a mulher fica com um período para reproduzir muito longo. Adicionado a isso está o facto de que o uso de métodos de contracepção é baixo. Como o casamento acontece cedo, a exposição ao risco de relações sexuais regulares, as possibilidades de uma gravidez precoce são elevadas. O resultado disso é que as mulheres têm filhos muito cedo por muito longo tempo. No fim, isso resulta no número de filhos que temos. Para nós podermos reduzir a fecundidade, temos que atacar essas duas partes. Adicionado a isso, os dados do IDS mostram também que as mulheres moçambicanas têm mais filhos do que aqueles que elas gostariam de ter, porque o número ideal de filhos que as mulheres gostariam de ter é de cinco filhos. Então, isso significa também que alguns dos filhos que dão, são filhos não planeados em função do baixo uso dos métodos de contracepção.
Então como podemos reduzir o número destes filhos não planeados?
Como é que nós podemos fazer isso? Um dos factores é a educação. Primeiro, se uma rapariga é educada, significa que ela vai permanecer na escola para além dos 15 anos. Então, se ela adia o filho até à formação, significa que esse filho poderá surgir depois dos 20 anos e quando surge depois disso há cinco anos que já foram perdidos e não podem ser recuperados. Depois, quanto mais a mulher estuda, mais ela usa os métodos de contracepção, ou seja, maior vai ser a sua capacidade de ter os filhos que ela quer e não mais do que isso. Adicionado a isso, ela também vai preferir menos filhos do que se ela não tivesse estudado. Os dados que temos, indicam que as mulheres mais instruídas têm menor fecundidade, porque preferem ter menos filhos e também têm maior acesso e melhor uso dos métodos de contracepção, ao contrário das mulheres que são menos instruídas. Por exemplo, em 2007, o nível de fecundidade em mulheres com formação secundária, era metade do nível de fecundidade em mulheres não instruídas. Isso faz a diferença, primeiro por via de adiar o início da actividade sexual, depois por terem maior capacidade do controle da sua fecundidade e terceiro porque elas preferem menos filhos.
Mulher sem filho cai na desgraça
Mas também é necessário equacionar os factores socioculturais que, em muitas vezes intervêm nestes casos…
Os factores socioculturais entram na medida em que a fecundidade é culturalmente determinada e a cultura africana, no geral, e a moçambicana, em particular, valoriza muito o ter muitos filhos e também penaliza a esterilidade. Uma das piores desgraças que pode cair sobre a mulher é não puder ter filhos. Daí que algumas vezes acompanhamos na Imprensa fingimentos de uma gravidez. Isso deve-se à pressão social sobre as mulheres para terem filhos. Por outro lado, o filho é sempre bem-vindo, por vários factores. Primeiro, numa situação onde o nível de protecção social ou de assistência pelo Estado depois da velhice é muito limitado como é na maior parte das vezes tende-se a pensar que a garantia de sustento na velhice são os filhos. Segundo, numa situação em que se percebe que o nível de mortalidade é elevado, apesar de agora estarmos a diminuir a mortalidade, mas em algumas áreas ainda é elevada, a preferência dos pais é ter um maior número de filhos para garantir que alguns deles sobrevivam até quando os pais forem velhos para lhes poder prestar a assistência. Então, há essa tendência de ter muitos filhos por essa via e também porque possuir muitos filhos dá um estatuto superior daquele que os tem, em relação àquele que não tem filho nenhum.
ESCOLA AUMENTA
PODER NEGOCIAL DA MULHER
Nas famílias moçambicanas, há também muita pressão para as noras engravidarem depressa depois dos casamentos…
É normal em conversas entre pessoas ouvir dizer que basta casar, a mulher tem que engravidar. Essa é uma grande expectativa social. Então, nós temos um contexto sociocultural que é muito favorável a ter filhos, mas esse contexto sociocultural também é favorecido pelo baixo nível de instrução da nossa população, em particular, da mulher. Como sabe, nós progredimos muito desde a Independência para cá em termos de reduzir o nível de analfabetismo, mas até ao momento, mais de metade das mulheres são analfabetas e em algumas províncias da região Norte essa percentagem chega a superar os 70 por cento. Então, quanto menos nível de escolaridade a mulher tiver, maior é a dificuldade de negociar com o parceiro o tamanho da família. Ela permaneceu pouco tempo na escola, começou cedo a procriar e depois tem dificuldade de acesso aos métodos de planeamento familiar. Outra dificuldade da mulher, tem a ver com as relações de género. O que acontece é que os homens em geral preferem ter um maior número de filhos que as mulheres. Mas as mulheres mais instruídas estão mais capacitadas para negociar com o parceiro, porque geralmente tendem a ser menos dependentes economicamente destes e as menos escolarizadas tendem a ser mais dependentes dos parceiros. Dado o contexto cultural que muitas vezes é dominado pelo sistema patriarcal, então essa dificuldade que elas têm de poder negociar aumenta.
A escola aumenta o poder negocial das mulheres para terem uma família ideal?
O que eu dizia é que quanto mais nós conseguimos que as meninas permaneçam na escola, primeiro, estamos a adiar o início da actividade reprodutiva, mas também estamos a muni-las de ferramentas para puderem negociar com os seus parceiros e também poderem aceder aos métodos de planeamento familiar com facilidade. Então, a educação serve para afectar a fecundidade por estas vias.
Como avalia os serviços de planeamento familiar, sobretudo, o modo como estão a ser administrados?
Dizer que no processo da redução da fecundidade, para além da educação, os serviços de planeamento familiar são chaves. A experiência dos países que têm tido sucesso mostra que o serviço de planeamento familiar tem sido a chave do sucesso. Eu não tenho muitos dados de avaliação do serviço do planeamento familiar a não ser avaliar sob o ponto de vista da percentagem dos utilizadores. Nós temos o serviço de planeamento familiar desde o ano de 1978, salvo erro. Ele providencia o tratamento através de um sistema gratuito. Mas o que verificamos é que o último Inquérito Demográfico e de Saúde (IDS) mostra que 11 por cento das mulheres é que usam os métodos de planeamento familiar. Esse baixo uso pode ser motivado por duas razões: a primeira pode ser a fraca capacidade de provisão de serviços de planeamento familiar para próximo das pessoas. Isto está relacionado com a cobertura da rede sanitária que em algumas áreas rurais é deficitária. Isto é, a distância que alguém deve percorrer até à unidade sanitária mais próxima é longa, sendo por isso difícil uma mulher dirigir-se ao hospital, sem estar doente, como é o caso no planeamento familiar. Por outro lado, há uma barreira social para não usar este método de concepção. Ou seja, temos o lado da oferta que é a cobertura do sistema de saúde, mas também temos o lado da procura. Esses são os factores. Do lado da oferta, os países que têm tido sucessos em relação a isso são aqueles que têm esses serviços mais próximos do cidadão que precisa desses serviços. Isso estimula o uso desses serviços. Mas por outro lado, há várias barreiras e a primeira é essa questão de haver apetência em ter muitos filhos, porque para alguém usar esse método, primeiro tem que querer evitar. Outro aspecto tem a ver com a relação do género dentro do casal e em alguns casos, no sistema patriarcal, isso não entra em jogo. Isso significa que há algumas barreiras que têm ser removidas e ao mesmo tempo que os serviços de planeamento familiar precisam de estar mais perto dos cidadãos.
Mas as mulheres procuram ou não estes serviços?
Outro indicador que nós temos ao analisar estes dados é que tem estado a aumentar a procura não satisfeita pelos serviços de planeamento familiar. Podemos ver através de um indicador que vê as mulheres que na altura não estavam a usar nenhum método de planificação, eram sexualmente activas, mas não queriam ter filhos no momento. Essas mulheres são sexualmente activas e não estão a usar nenhuma protecção. Então, presume-se que essas pessoas não estão a usar porque não tem acesso, estão com demanda não satisfeita.
O que nós temos estado a ver nos últimos tempos é que essa demanda não é satisfeita, o que significa que tem uma procura de métodos que o sistema não está a conseguir satisfazer, mas por outro lado, temos os factores que impedem que as mulheres ou os casais prefiram usar os métodos para planear os seus nascimentos.
O IDS mostrou que o nível de demanda não satisfeita era de cerca de 25 a 30 por cento. Então, se conseguíssemos reduzir essa demanda não satisfeita para zero, iriamos reduzir entre um a dois filhos, por casal. Poderíamos passar para entre quatro a cinco filhos por casal ao em vez dos actuais seis. Isso se nós conseguíssemos resolver a questão da demanda não satisfeita.
Há outras barreiras de que falei antes que tem a ver com a procura e influenciam a vontade de a mulher poder procurar os métodos de planeamento familiar. Isso já tem a ver com a preferência por muitos filhos.
O que é preciso fazer para reduzir essa alta taxa de fecundidade e que faz com que a nossa população cresce a níveis insustentáveis?
Estamos a dizer que ao em vez de a população aumentar a esse ritmo que cria a dificuldade de acompanhamento por parte dos serviços necessários para essa população, é necessário abrandar o ritmo. Ao em vez de nós preferirmos ter seis filhos, podemos preferir ter menos. Vamos continuar a ter filhos, mas em vez de seis, ter quatro ou menos. Por essa via, vamos reduzir o ritmo com que a população cresce e ao reduzir o ritmo com que a população cresce também vai reduzir a pressão que temos em termos da provisão dos serviços da Educação e Saúde e também da provisão dos serviços do emprego. Temos que ter em conta primeiro, o tamanho que determina a magnitude dos serviços.
Seremos 50 milhões em 2040
Qual é o tamanho actual?
Nós temos agora a projecção do Instituto Nacional de Estatística (INE) para 2016, que é de cerca de 26.4 milhões de habitantes e segundo a mesma projecção em 2040 estaremos muito perto de 50 milhões de habitantes. O que eu estava a dizer é que quando falamos da população temos que ter em conta o tamanho, mas também a estrutura. Como disse no princípio, a estrutura determina o tipo de serviços que nós precisamos, por exemplo, em relação à demanda do emprego. Também no estudo a que me referi nós analisamos, em função do crescimento da população e a estrutura que temos e estimamos que para puder acomodar o número de pessoas que procuram o primeiro emprego em função de terem chegado à idade de trabalhar, seria necessário, só para ter em conta esses sem incluir os que já estão desempregados, criar entre 300 a 400 mil novos postos de trabalho por ano, de modo a acompanhar o número de pessoas que entram na idade de trabalhar e que precisariam de trabalho. Portanto, esse é um dos desafios enormes em consequência da nossa estrutura.
PESO DOS IDOSOS
Já disse que a nossa população é bastante jovem. Qual é o peso da população idosa?
Esse é um outro aspecto também importante quando analisamos esta estrutura. É que nós temos um peso de população idosa que em termos de percentagem é muito baixa. Neste momento, ronda os três por cento. Mas essa percentagem pode não significar a ausência de desafios, porque três por cento de dez é uma coisa e de mil é outra coisa em termos absolutos. Por exemplo, os três por cento de 2007 representavam um pouco mais de 600 mil, mas já a mesma percentagem em 2040 de perto de 50 milhões, estaremos a falar de quase dois milhões. Então, continuamos a ter um peso reduzido em termos percentuais, mas em termos absolutos essa população e as necessidades dessa população que já passou da idade de trabalhar, também vão aumentar em tamanho. Embora não aumentando tanto em termos proporcionais, em termos absolutos essas necessidades precisam de ser tidas em conta em função do crescimento da população que nós teremos usando as projecções feitas pelo INE até 2040.
Então isso significa termos uma visão sobre os desafios que temos em frente em várias áreas. Cada área pode ter a dimensão dos desafios que se colocam em relação a isso.
Para além do que nos disse antes, precisamos de fazer mais alguma coisa para mudar as coisas em termos do aumento da população?
Essa questão de transição demográfica é muito importante. Se olharmos para os países asiáticos, uma das questões cruciais, para esses países que atingiram o desenvolvimento a um ritmo acelerado, é que para além de definir as políticas na transformação politica e económica, uma das transformações importante que fizeram foi a questão da transição demográfica. Então, esse é um aspecto muito importante que nós não podemos perder de vista. Com isso não estou a defender que a fórmula de redução da fecundidade seja aquela drástica. Um dos exemplos clássicos disso é a República Popular da China. Não estou a falar dessa. Mas se nós olharmos à volta do mundo, não havemos de encontrar muitos países com um desenvolvimento assinalável, tendo uma taxa de fecundidade de seis filhos por mulher. É só olharmos à nossa volta. Quais são as referências do desenvolvimento? O Botswana não tem taxa de fecundidade de seis. Tem cerca de três. Namíbia idem e África do Sul, 2 ou 3 filhos.
Isso significa que nós somos “os condenados da terra” ou podemos reverter toda esta situação?
Como disse no princípio, felizmente nós temos estado a observar uma redução gradual da mortalidade, sobretudo, da mortalidade infantil. Se repararmos entre vários Objectivos do Desenvolvimento do Milénio, o único objectivo que estivemos próximos de cumprir é redução da mortalidade na infância porque efectivamente, algumas políticas que aconteceram depois da independência, a questão de campanhas de vacinação, de imunização que até agora continuam e melhoria em termos do atendimento pré-natal e de Saúde Materno Infantil tiveram grandes progressos. Eles determinaram que hoje tivéssemos uma redução gradual da mortalidade, sobretudo a infantil, apesar de a partir da década oitenta nós termos tido o infortúnio do efeitos do HIV/SIDA. Nós tínhamos uma esperança de vida de cerca de 35 anos em 1950 e agora andamos acima de 50 anos.
EDUCAÇÃO É FUNDAMENTAL
Tem algo que queira acrescentar?
Só para deixar claro que não estamos advogar por uma redução compulsiva da fecundidade. O pressuposto básico é de que cada indivíduo ou casal tem de decidir quantos filhos pretende ter e quando os ter. Agora, o que é preciso é trabalhar para que esse direito seja exercido na plenitude, porque agora não é exercido, uma vez que os casais têm mais filhos do que aqueles que gostariam de ter. Acho que este é o primeiro passo de garantir que aquilo que são os direitos, as escolhas dos casais sejam de facto exercitados, garantindo serviços de planeamento familiar para o uso de quem os queira e que estejam próximos dos cidadãos, numa primeira fase e, na segunda, podemos trabalhar no sentido de influenciar as escolhas. A influência das escolhas pode ser por várias vias. Por exemplo, se nós aumentarmos a educação das crianças, sobretudo raparigas, estamos indirectamente a influenciar as escolhas. Não há ninguém com nível de escolarização superior que vai escolher ter muitos filhos. Vai escolher sempre ter menos filhos.
Então, temos que advogar que os mecanismos de influência não sejam compulsivos, porque estaríamos a ir contra os direitos que assistem a cada casal de poder escolher livremente os filhos que pretende ter e quando os ter.
Quer dizer, em termos teóricos, o nível ideal de fecundidade é de dois filhos por casal. Isso é chamado tecnicamente de nível de substituição, que se garante que os dois vão substituir o casal. Se tiver menos de dois e se não tiver a migração, o resultado é que a população vai diminuir porque os dois não vão poder ser substituídos por um.
No nosso caso, a nossa fecundidade é três vezes o nível de substituição, isso significa que uma pessoa é substituída por três pessoas.
Finalmente, dizer que não precisamos do método da China (política de filho único), mas de outros países, como por exemplo, o Botswana, Namíbia, a África do Sul, onde o planeamento familiar foi importante e continua a ser importante, sendo também importante a infraestrutura que foi criada. Outro aspecto importante a referir é de que se conseguirmos reduzir os casamentos precoces, reduzimos também a maternidade de risco, porque a menina começa a ter filhos antes de o seu corpo estar fisiologicamente preparado para essa árdua tarefa de dar filhos.
Texto de Alfredo Dacala
alfredo.dacala@snoticicas.co.mz