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Eis porquê somos burlados!

Por admin

O que leva alguém a ser burlado não é tontice, ingenuidade ou qualquer outra característica, mas o seu estado de espírito. É esta a resposta que nos chega do livro da escritora-norte americana e colunista da revista “The New Yorker”, Maria Konnikova, intitulado “The Confidence Game: why We Fall for it… Every Time”, lançado no início deste ano, onde desvenda como é que os burlões enganam o cérebro das vítimas.

Decidimos deitar mão a este assunto depois de darmos de cara com o texto da jornalista Catarina Guerreiro, da Revista Expresso, porque, com ou sem razão, na semana passada falou-se bastante de burla, fraude, ilegalidade, cá no nosso burgo e de nada valerá chorar depois de casa arrombada. Preferimos nos antecipar. Pelo menos é essa a intenção.

Segundo a investigadora e escritora norte-americana, somos todos propensos a cair, que nem patinhos, acrescentamos nós, na rede de burlões, independentemente do nosso grau académico, poderio económico, reputação nacional ou internacional. O estado de espírito que nos envolve na hora em que somos abordados pode ser a nossa tábua de salvação ou perdição.

As mulheres, ao que parece, são as maiores vítimas porque, por exemplo, acreditam piamente que com sentimentos genuínos de amor, paixão e fidelidade podem mudar ou moldar o homem à sua imagem. A verdade é que — suportando-nos no trabalho da investigadora — bastas vezes acabam ludibriadas, e aqui as mulheres divorciadas com riqueza ou património afiguram-se como presas fáceis, porque anda muito homem malandro por aí que cultiva músculos e tórax como armadilha.

Voltando cá para a nossa aldeia, histórias de gente burlada há aos trambolhões. As motivações, os contextos, é que são diferentes. Os burlões do nosso quintal falam directamente para o coração da vítima. Num ápice fazem-na acreditar que cinco mil meticais podem se transformar, num piscar de olhos, em sete mil e quinhentos meticais; 50 mil em 75 mil meticais; 200 mil em 250 mil, e por aí em diante.

Eles não deixam nada ao acaso. Têm o TPC muito bem feito e servem-se, gratuitamente, da rádio-boca, o melhor meio de comunicação retrógrado que existe na face da terra para, mais eficazmente, transformar uma mentira com barba grisalha em uma enormíssima verdade (ou quase)!

Os burlões cumprem com zelo os primeiros pagamentos. Regra geral não são valores por aí além, até se aperceberem que o processo de engorda floresceu e aguçou desmesuradamente o apetite de quem “tem tão pouco e quer ter muito e depressa”.

O nosso radar mostra que os artífices jogados pelos burlões não têm religião, cor, etnia, familiaridade, amizade e fraternidade. Tudo o que eles apanham na rede é arrastado, como peixe. Não importa a nacionalidade. Na isca cabem todos: moçambicanos, nigerianos, chineses, somalis, turcos, indianos, chilenos, cubanos, ou seja, tudo o que mexe, respira e quer dinheiro.

Infelizmente, o ser humano, que é feito de pele, músculo e água, e mesmo com os avisos da navegação, continuará a se deixar apanhar porque, às vezes, a pobreza, a incerteza e a ânsia são tantas que nos embaciam a visão na hora em que eles nos batem a porta.

Depois há dois tipos de sonsos: os que andam bem perfumados exibem barba feita, “laptop” e o último “smartphone” na mão; e os nossos amigos do quarteirão, do bairro, do serviço — e aqui também entram os nossos familiares — que nos querem bem e até nos provam por A+B que não estamos a fazer mau negócio e encorajam-nos sob desculpa de que vale a pena tentar porque o azar está sempre connosco a partir do momento em que saltamos da cama ou esteira.

E é aí onde se leva o golpe, muitas vezes dinheiro de uma vida ganho à custa de muito suor, impropérios e sapos engolidos vivos, mas que se entrega muito aparvalhadamente porque os nossos tímpanos já ouviram, mais do que deviam, que o A, B,C e D foram bem sucedidos.

As histórias de insucesso, de má aposta, geralmente só se descobrem quando o vizinho após se inteirar do infortúnio do outro vai-lhe dizer que ele também foi vítima pelo menos há uns … seis meses.

É disto que é feita a massa humana. Ninguém quer chorar sozinho. Todo o mundo quer fazê-lo com mais alguém para que, chegada a hora da terapia, ela seja feita em grupo.

Em jeito de fecho, vale a pena recuperar uma das advertências da escritora Maria Konnikova: mudanças radicais na vida, a perda de emprego ou o divórcio são momentos perigosos. Mas as fases de sucessos também são de risco, por se estar mais disposto a ver o lado positivo de tudo o que acontece, incluindo de coisas que desconfiaríamos noutras circunstâncias.

 

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