Bula-bula, como é de sua génese, lá do fundo do seu ADN, uma vez mais vai meter a foice em seara alheia. Não porque a produção agrícola tenha sido farta. Não porque tenha lavrado e obtido toneladas de arroz ou algo assim, a ponto de ter a incontornável necessidade de usar uma foice.
O problema é que somos uns tipos porreiros e muito atentos. Não nos escapa nada. Bem, bem, bem, Bula-bula é aquele olho, nariz, ouvido, ou melhor, aquela cabeça que teima em funcionar em pleno. Como um motor com os óleos e filtros em dia.
A globalização também dá cá uma mãozinha, sobretudo nestes tempos em que estar ligado aos facebooks e whatsapps parece mais informativo. Mas, lá diz o velho adágio, o parecer não é ser. Daí a nossa apetência pelo velho rádio, Xirico, dos tempos da outra senhora. Bula-bula também não desgruda da televisão. Tem um apego fervoroso pelos jornais e revistas. Não vá o diabo tecê-las. Mas, quase sempre mete o olho para ver para crer, como fez o apóstolo Tomé, aquele que desconfiou das chagas de Jesus ressuscitado.
Mas, catequeses à parte, dizíamos que somos de ver as coisas in loco (há que lembrar que esta palavra tem origem no latim e significa presenciar, estar lá) para ver e ouvir.
Foi nessas e noutras que Bula-bula pegou um susto ao ouvir alto e a bom som que no país existem setecentos (700) e tal médicos que trabalham em situação ilegal. O quê? 700 médicos ilegais? Como os estrangeiros que nos entram aqui dentro para o garimpo? Bolas! Como é possível? Se só de vê-los de bata branca já nos sentimos quase curados?!
Recebemos receitas deles, tomamos os medicamentos e ficamos bons? Será que temos a sorte de calhar com os legais? Quem nos garante? E daquela vez que doeu o estômago e nos foi prescrito Metronidazol? Será que era o remédio certo?
Trintamos de frio ao ouvir esta bomba noticiosa. Estrondosa. Pior porque na cabeceira ainda tínhamos uma pilha de remédios por tomar. Ficamos gélidos. O sangue subiu-nos da planta dos pés, passou pelo coração e foi à cabeça onde se solidificou. E agora? Já tomei.
Mas, algo disse em voz baixa, mas segura: “Bula-bula vá ao dicionário de língua portuguesa. Pode ser que ilegal tenha um significado oposto ao do que conhecemos pelos livros da escola primária”. Folheámos, limbo a limbo, folha a folha e… bingo. Ilegal é… “quem se opõe à lei; que não obedece normais ou preceitos legais; ilícito. Ufff… soprou um arzinho mais fresco. Que alívio!
Afinal, ilegal não é o mesmo que incompetente. Tomamos o remédio e deitamo-nos a ponto de pegar um sono que há muito não tínhamos. Ilegal não quer dizer incompetente. Sonhamos com esta frase escrita num quadro. Até porque o país tem muitos e bons médicos competentes, mas como sempre, e nesta vida, é assim, alguns podem nos deixar assim, assim. A duvidar de que estamos vivos. A acreditar que somos fantasmas que penam por aí.
Afinal o problema está na inscrição ou não na ordem da classe. É que deu a ideia de que os tais 700 deviam ser corridos imediatamente dos hospitais.
Mas, há que dar um recadinho aos 700 e tal médicos. Inscrevam-se na dita cuja e saiam do barulho. Bula-bulatem a sorte de ter um dicionário por perto. Na cabeceira. Onde também tem os seus medicamentos prescritos por alguns de vós. Mas, não sabe se vocês são ilegais, só sabe que são competentes. Vá lá. Da próxima que voltarmos ao centro de saúde ou hospital, antes de revelar que dói a coluna, que as pernas estão bambas e que a cabeça anda dolorida, quereremos saber: Doutor, o senhor é legal?