Teclar o telemóvel a conduzir, em plena refeição, a ler, no velório ou enquanto um chefe ou o pastor prega tornou-se um hábito tão usual para muitos e bastante incómodo para outros. É que a intimidade, a atenção que se requer para assuntos importantes, seja de índole familiar ou profissional, muitas vezes é quebrada por culpa de mensagens, fotos, vídeos, jogos, piadas, enfim, que chegam ao telemóvel, tablet ou ipad.
Mais preocupante é que muitos têm um apego tão grande por estes objectos electrónicos que dá a impressão de que se está perante um ópio das massas, ou se quisermos, do povo.
“Geração Z”. É assim como os sociólogos entenderam apelidar à geração nascida em torno da década 90 a esta parte que vive de braços dados com a internet e com os mais variados terminais que lhe dão acesso, a começar pelo computador, passando pelo telefone celular até chegar aos tablets e ipads.
Na nossa realidade, muitos destes jovens, adolescentes e até crianças nunca frequentaram cursos de informática ou algo assim, mas não tem o menor receio de dedicar horas a fio a pesquisar o funcionamento de equipamentos electrónicos, sua conexão com a internet e descortinar vantagens e desvantagens de um equipamento perante o outro.
Os pais e avôs, esses, ficam embasbacados perante tamanho domínio da “tecnologia” que crianças de escassos cinco anos exibem quando chega o momento de carregar (upload) ou descarregar (download) informações contidas nos celulares, trocar dados e estabelecer conexões com os mais recentes aplicativos e por aí em diante.
Na contramão de toda esta “sabedoria”, a esta linhagem enferma de falta de capacidade de conviver com amigos e familiares porque, ainda que esteja numa festa, não desgruda do seu aparelho porque está conectada a grupos de conversa (chats) como o Facebook, Whatsapp, Snapchat, Instagram, Twitter, entre outros.
Se em ambientes festivos não resistem à tentação de fotografar e publicar fotos e vídeos nas redes sociais, em ocasiões mais tristes, como em funerais e acidentes de viação, os integrantes da “Geração Z” apresentam dificuldades de mostrar solidariedade ou pesar. Fotografam, filmam e publicam na mesma.
Todo este comportamento é reprovado pelos mais velhos, a que os sociólogos dizem que pertencem à “Geração X”, que são os nascidos por volta de 1950 até aos finais da década de 70, muitos deles avôs e bisavôs de hoje, e da “Geração Y” que vem da década 80 até 90.
É que, a maior parte dos moçambicanos que integram as gerações X e Y nunca tinha visto um aparelho de Controlo Remoto até ao momento em que se deu o regresso massivo dos famosos “Madjermanes”, carregados de leitores de vídeo, televisores, rádios e leitores de cassetes e discos compactos que podiam ser manipulados à distância.
Para muitos aquela realidade era mágica. Aliás, quando surgiram os primeiros filmes americanos e europeus onde os actores apareciam a falar ao telefone celular (na época chamado telefone sem fio), a plateia não hesitava em dizer “é magia”.
No imaginário do povo daquela época, era impossível usar telefones sem fios. Pior enviar uma mensagem escrita. Inimaginável enviar fotos, vídeos e documentos. Ler jornais, fazer compras On-Line, transferir e receber dinheiro… acender e apagar luzes de casa, trocar canais de televisão… por telefone… está demente?!
O VAZIO
As tecnologias de comunicação e informação decididamente entraram pela porta adentro da vida de quase todos e, possuir um telemóvel, tornou-se tão vital, que aonde quer que se vá ele também está presente. Aliás, ficar sem ele, ainda que seja por alguns minutos, cria nos seus utentes a sensação de intenso vazio.
Aliás, na componente social, vezes sem conta se assistem a desatinos conjugais simplesmente porque um recebeu uma chamada ou mensagem que gerou a suspeição de adultério. Quem se esquece do telemóvel em casa, faz uma violenta inversão de marcha para resgatar o aparelho antes que o parceiro ou parceira lhe aceda.
Com aplicativos cada vez mais fáceis de manipular, os telemóveis se transformaram em aliados insubstituíveis a ponto de comprometerem largamente nas relações entre pais e filhos, professores e alunos. Padres e fiéis. Chefes e subordinados. Enfim. No sector da Educação já se aponta os telemóveis como “responsáveis” pelo mau desempenho escolar.
Em muitas residências, observa-se que os membros da família, ainda que estejam todos em casa, cada um está voltado para o seu mundo que o telemóvel lhe oferece. Navega-se horas a fio e a comunicação passa a ser feita quase via mensagens de Whatsapp.
A nossa Reportagem ouviu Luís Penue, um chefe de família que foi peremptório ao afirmar que “o telemóvel deve estar longe em determinados momentos familiares. Por exemplo, é inconcebível que se atenda a uma chamada durante a refeição. É um princípio que não negoceio, pois é um momento único e deve ser respeitado”, afirma.
Com um filho ainda adolescente, Luis Penue também partilhou algo invulgar que aconteceu com o seu descendente. “Uma vez meu filho recusou que lhe comprasse roupa porque preferia que lhe desse um telefone celular com acesso a internet. Foi estranho. Ainda assim fiz-lhe a vontade porque é bem comportado na escola e em relação aos estudos”.
Contudo, o preço pela oferta foi alto: “tive de o repreender porque a dado momento já não era possível falar com ele, pois estava sempre com auscultadores aos ouvidos por causa de música. Passou a ser um menino ausente mesmo presente. Trocou o ambiente familiar pela (in) conveniência do celular.”
A jovem Keila Chirima fica muitas vezes sem o seu telemóvel durante as noites. “Os meus pais costumam tirar-me o celular à noite”, conta. E o motivo é o vício pelas redes sociais. “Chegava à casa, fazia o banho e me fechava no quarto durante horas a bater papo com as minhas amigas pelo WhatsApp ou no Facebook.”
Estudante do 1º ano no Instituto de Telecomunicações, Keila diz que também recorre ao telemóvel quando está aborrecida. Ou seja, o celular também serve como escape emocional. “Fico a escutar música e a acompanhar o que se passa no mundo por via do Facebook, onde partilho vivências e experiências com amigos”.
Admite que as redes sociais nem sempre são a melhor alternativa para os seus momentos de lazer, mas sublinha que sabe separar o trigo do joio. “Infelizmente poucos conseguem filtrar o que é socialmente aceitável do não aceitável. Consumimos tudo”.
Nely Cossa, doméstica, classifica a realidade como estranha e atípica, sobretudo porque tendem a desvanecer os valores básicos da sociedade. “A educação que tivemos dos nossos pais referentes ao respeito mudou bastante. Infelizmente, o mundo está estranho”.
Para Nely não pode haver dúvidas sobre o principal “culpado” que é o telemóvel e, perante esta realidade, “faço tudo o que posso para que a tecnologia interfira pouco na educação dos meus filhos”.
Também conversamos com Lídia Rúben vive com uma neta. Na sua casa, o celular está rotineiramente no centro das zangas. “Ela queima comida por causa do celular. Também lhe digo sempre para dedicar o tempo que perde no telefone para estudar. Não sei se fica a conversar com as amigas ou a fazer outras coisas, pois não domino aquele aparelho”, conta.
Apesar disso, aceita que é importante que se tenha o telefone ao alcance, pois a sua função principal, a comunicação, é primordial. “Uso mais para cumprimentar os meus familiares que estão longe e para ter a minha neta localizável.
DESAFIO PARA
ALUNOS E PROFESSORES
domingo visitou algumas escolas da capital do país, Maputo, e interagiu com professores e estudantes para perceber até que ponto o telefone celular influencia na vida escolar e neste périplo ouviu Armindo Filipe, estudante do Instituto Comercial de Maputo que entende que ter um telefone celular não é nenhum capricho, mas sim necessidade, sobretudo para aceder à internet.
“Uso muito o Google para pesquisar matérias escolares. Entretanto, o uso do celular também tem as suas desvantagens.Muitas vezes me apercebo que em algum momento eu e os meus colegas temos preguiça de visitar uma biblioteca física.”
Alfredo Adolfo Mucavele, estudante do ensino secundário, disse por seu turno que o uso inadequado do telemóvelinfluencia muito no aproveitamento escolar porque capta negativamente a atenção do estudante. “Tenho acompanhado casos de alunos que tudo fazem para sem manterem ligados ao WhatsApp”, contou.
O depoimento dos estudantes deixa a nu uma triste e preocupante realidade na qual os alunos não usam as ferramentas disponíveis para enriquecer os seus conhecimentos sobre matérias escolares, por via de visitas a bibliotecas virtuais e não procuram soluções para os seus eventuais problemas ou fraquezas nas disciplinas do seu currículo.
Tuniz Moisés, docente na Escola Secundária Josina Machel, alinha pelo mesmo diapasão, pois considera que o telemóvel, em alguns casos, é um instrumento importante para a vida escolar de um aluno, pois pode e ser usado como um meio complementar de aquisição de conhecimento.
Porém, é de opinião que o bom uso daquele aparelho continua sendo um desafio. “Como sistema de Educação, ainda não estamos preparados para lidar com as novas tecnologias dentro dos parâmetros normais para o bom aproveitamento no processo de ensino e aprendizagem. Seria necessário preparar o docente e o aluno para que assumam queeste aparelho é uma ferramenta para aprendizagem e não apenas para lazer”, disse.
Sobre o assunto, Elídio Moamine, também professor de ensino secundário, considera que os telemóveis ajudam a inovar e acrescentar novos e modernos instrumentos de aquisição de conhecimento pois, as estratégias de ensino e aprendizagem não se devem reduzir apenas ao ambiente escolar.
“De acordo com o regulamento escolar interno é proibido o uso de telemóveis nas salas de aula, mas o estudante pode usá-lo fora e não se deve esquecer que a biblioteca é vital para a sua formação como estudante. Ou seja, é preciso aliar o útil e o agradável. Os estudantes não podem deixar que estas tecnologias dominem de forma negativa as suas vidas, salientou.
AVANÇAMOS PARA UMA
SOCIALIZAÇÃO VIRTUAL
-João Colaço, sociólogo
O sociólogo moçambicano João Colaço aponta que os telemóveis, tablets e ipads são importantes para a vida humana, mas apresentam algumas desvantagens que se deve ter em conta. No campo das vantagens, Colaço afirma os pais podem facilmente tomar contacto com os filhos, saber onde estão e em que estado.
Entretanto, a desvantagem é que os mesmos pais não tem ideia dos contactos que estes filhos estabelecem nas redes sociais e na internet, onde podem estar expostos a redes criminosas de pedofilia, sequestros, tráfico de drogas e prostituição.
Colaço antevê um futuro em que a sociedade terá uma socialização virtual, onde a presença física não vai importar mais porque tudo nos chegará por via do telemóvel. “Não quero com isso dizer que sejamos uma sociedade desenvolvida, mas num contexto de globalização somos arrastados na carruagem deste comboio”.
Segundo aquele académico, estaglobalização nos tempos actuais é dominada e determinada, em grande medida, por sociedades que se constroem a partir da combinação entre o conhecimento, produção e informação facilitadas pelas chamadas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs).
“O mundo tornou-se não somente uma aldeia global como também pequeno em termos simbólicos porque não precisamos de muito tempo para saber o que se passa noutros quadrantes”, salientou.
Segundo o nosso entrevistado, esta é uma grande revolução no contexto das sociedades pós-modernas, pois, a pós-modernidade é definida pelos avanços que a humanidade está a ter no campo das TICs e que está a transformar radicalmente as relações sociais humanas.
Texto de Luísa Jorge e Virgínia Mussuruco