O director nacional do Turismo, Eduardo Zuber, faz uma radiografia bastante optimista do seu sector, pese embora reconheça que há desafios de diversa ordem. Reconhece que há a necessidade de se investir na formação de quadros, estimular o turismo doméstico, fiscalizar o exercício da actividade, preços de acomodação, estabilidade política, entre outros. Mesmo assim, afirma que o sector “não está em crise”.
Eduardo Zuber concedeu-nos a entrevista numa semana em que a Federação Moçambicana de Turismo (FEMOTUR) veio a público manifestar a sua preocupação pelo facto de estar a haver um declínio do movimento de turistas um pouco por todo o país, o que faz com que algumas estâncias encerrem as suas portas.
A FEMOTUR até aponta alguns números e nomes, como é o caso de seis unidades hoteleiras que, segundo aquela agremiação, foram encerradas no distrito de Vilankulo, em Inhambane, porque há seis meses não conseguiam reunir condições para pagar salários. Ainda neste ponto do país foram despedidos trabalhadores em quatro restaurantes, nomeadamente Concha, Ponto Final, Tic-Tic e Maçaroca.
Aliás, o Barra Lodge, que era o maior empregador do sector de Hotelaria e Turismo despediu mais de cem trabalhadores e fechou, segundo dados avançados ao nosso jornal.
Na zona do Bilene, em Gaza, há 37 lodges, dos quais apenas 12 funcionam com regularidade. “O Ndiza Lodge está a venda e Ngungwa Lodge despediu cerca de 40 trabalhadores”, indica. A lista que o FEMOTUR apresenta é extensa e inclui o Palmeiras Bilene, que despediu 30 trabalhadores, Lake View Chidenguele despediu 15, e o Paraíso de Chidenguele despediu oito.
Aquela federação indica que o projecto Casa Lisa esta também encerrada na Província de Maputo. A Cidade de Maputo não escapou, a título de exemplo, o Grupo Pestana fechou o Pestana Inhaca Hotel e reduziu a mão-de-obra na ilha de Bazaruto, em Inhambane e, no total, foram despedidos cerca de 150 trabalhadores.
No arquipélago das Quirimbas, norte de Moçambique há lodges encerrados, para além de lodges Matemo e Medjumbe, localizados em Cabo Delgado.
Segundo esta colectividade são vários os factores que concorrem para este quadro, com particular destaque para a tensão militar que está a corroer a imagem do país além fronteira e o custo cada vez mais elevado dos bens e serviços. A seguir transcrevemos os principais excertos da entrevista.
Houve reformas no sector. Quais são os elementos que são supervisionados pela Direcção Nacional do Turismo (DNT)?
Esta é uma das unidades orgânicas do Ministério da Cultura e Turismo que tem uma missão muito desafiante no ordenamento e licenciamento dos empreendimentos turísticos de quatro e cinco estrelas quer sejam hotéis, resorts, lodges, apart-hotel, residenciais, restaurantes, salas de bebidas, entre outros.
Isto no quadro da descentralização feita em 2007…
Sim. Foram descentralizadas algumas competências aos governos provinciais, municípios e administrações distritais porque o país é muito vasto. Ficamos com o dever de licenciar estâncias de quatro e cinco estrelas. As de duas a três estrelas ficaram com as direcções provinciais e as de uma estrela, casas de hóspedes em diante ficaram com os municípios e governos distritais.
Mesmo a propósito de estâncias de quatro e cinco estrelas, sentem-se cómodos com os preçários exorbitantes que estes praticam?
Tem razão. Há poucas semanas estivemos em Cabo Verde e pagamos cerca de 18 mil meticais por uma semana inteira de estadia. Aqui no nosso país há locais onde se paga 15 mil meticais por noite.
Como isso se resolve?
É preciso que se categorize e classifique os empreendimentos turísticos e fazer com que os serviços prestados sejam similares aos de outros países. Deixe sublinhar que nós temos essa qualidade. Temos é que incentivar mais a formação dos trabalhadores.
A questão que se coloca é do preço que se paga por uma dormida…
Os custos são muito altos, sim, mas também posso dizer que isso é relativo porque, hoje o moçambicano come fora, vai aos restaurantes e hotéis.
Isso não é feito pelo cidadão comum…
Dai a importância de se estimular o turismo doméstico. Quem faz o turismo doméstico são moçambicanos, na praia do Costa do Sol, Catembe, Wimbe, entre outros. A qualidade e o custo são duas coisas que andam juntas, porque quando há um bom produto ele se torna caro. Mas se a pessoa é bem atendida não sente o custo.
A questão que se coloca é porque que é que o turismo é caro em Moçambique? Parece pouco racional…
O turismo é caro no nosso país porque os investidores não esperam pelo retorno a longo prazo. Pensam no imediato. O Estado não vai fixar os preços, mas sim garantir a elaboração de políticas claras e de condições para que o sector privado possa actuar.
FORMAÇÃO EM HOTELARIA
Falou da necessidade de se estimular a formação de quadros do sector. A referência nacional era a Escola Hotel Andalúcia que fechou há anos. O que aconteceu?
O Hotel Escola Andalúcia funcionou num momento muito bom e resolveu uma parte das grandes das lacunas que tínhamos. Muitos dos que hoje estão a trabalhar nos grandes hotéis saíram de lá.
Mas, fechou…
Fechou para reformas. Foi cedida a um privado e, como sabe, investimentos nesta área são de longo prazo. Mas, o país hoje conta com a Escola Superior de Hotelaria da Universidade Eduardo Mondlane (UEM), localizada em Inhambane. Temos centros de formação profissional de onde o aluno sai e a prática é imediata. Está a acontecer. Existem várias escolas privadas que leccionam turismo que vamos descobrindo aos poucos. A maior parte dos empreendimentos turísticos forma o seu pessoal.
Existe alguma forma de padronizar essa formação, por exemplo de recepcionistas?
Existe sim. Foram definidos critérios. A cozinha de uma casa é diferente da de um hotel. Há regras. As escolas que dão esses cursos têm critérios próprios. A higiene é importante assim como o saber fazer. Os critérios estão padronizados, por isso os serviços dos hotéis devem ser iguais aos de outras partes do mundo.
Mas, não é o que vemos no terreno…
Olha, esta formação é dirigida a pessoas que não entendem nada de cozinha, nem da organização e isso cria alguns problemas. Por outro lado, quando abre um empreendimento, a tendência é tirar trabalhadores de outro e quando este novo sai da moda todos saem para outro lugar.
Qual é o vosso papel nesses casos?
O Ministro da Cultura e Turismo procura se aproximar quando os estabelecimentos estão em construção para saber se precisam formar e quantos. Seria responsabilidade do ministério fazer isso, mas quando vamos ao terreno encontramos outra situação. Os operadores não aceitam a proposta.
Como assim?
Muitos preferem formar os seus próprios funcionários.
E o que faz o ministério quando se depara com esse tipo de situações?
O Ministério do Trabalho também promove as suas formações. Nós precisamos fazer a ponte porque este sector tem várias áreas. Também queremos que o cidadão comum, que não tem possibilidade de ir a uma escola privada, possa beneficiar. No caso do Hotel Escola Andalúcia a formação era bonificada pelo Estado e dali saiam cozinheiros, pasteleiros, recepcionistas, entre outros.
Mas, quais são os planos para a criação de centros de formação de nível intermédio?
Há um plano do governo para colocar três escolas de hotelaria e turismo. Um deverá estar localizado na zona Sul, outro no Centro e mais um no Norte. Pelo que sei estes deverão ser estabelecidos pelo Ministério da Ciência e Tecnologia.
TENSÃO MILITAR versus TURISMO
O país está atravessar um momento pouco feliz, marcado por ataques em alguns pontos do país. Qual é o efeito desta tensão no turismo?
Nós não estamos numa fase de crise. O governo está a governar. O parlamento e os governos provinciais também estão a funcionar. Existe uma acção localizada. É verdade que o turismo é feito com segurança, quando as pessoas precisam andar livremente.
Não percebemos.
Pode haver alguma regressão porque na região onde estão a acontecer os ataques é onde temos o Parque Nacional de Gorongosa que possui as maiores atracções faunísticas e que é visitado por muitos turistas estrangeiros.
Está a dizer que o turismo não está a ser afectado?
Pode estar a ser afectado, mas as pessoas não deixam de ir lá. Nós não estamos numa situação igual à de alguns países africanos onde nos hotéis estão instalados quartéis militares. Se vais para um empreendimento turístico na cidade da Beira ou em qualquer outro local não encontras polícias ou militares dentro do hotel.
Claro que não. Mas…
É um problema que os moçambicanos devem perceber. O mais importante é o desenvolvimento do país. O sul-africano chegou onde chegou com as diferenças que tem. Tem que encontrar um fórum próprio para resolver o problema. Não impedir o cidadão de ir de Manica para Sofala porque alguém está ali para criar problemas.
Vamos lá ver se entendemos. Há gráficos que indicam que os turistas continuam a entrar no país e dentro das previsões?
O Bazaruto foi eleito como o sexto destino do mundo pelo jornal norte-americano New York Times, isto a propósito do dia dos namorados. O Kwitchi Lodje, no Niassa, foi recentemente eleito o melhor de lodge de África. Há pouco tempo ganhamos o troféu Platina na Feira de Indaba, na África do Sul. Moçambique tem os seus problemas como qualquer outro país.
Há lodjes a fecharem no norte de Inhambane…
Oficialmente não tenho esse dado. É provável que isso aconteça. Os únicos estabelecimentos que estão fechados são o Pestana Hotel Inhaca, na cidade de Maputo, e o Lodge Elisa, na província de Maputo. Estes comunicaram que não estavam a trabalhar.
Quer dizer que aguarda comunicação oficial dos proprietários?
O mínimo que os donos dos lodjes que estão a fechar deveriam ter feito era ir para onde pediram autorização para abrir os seus estabelecimentos para anunciar o encerramento.
Na sua óptica o que se deve fazer é valorizar o lado positivo?
Temos que valorizar o lado positivo.
RECEITAS NÃO DECLARADAS
Outra grande preocupação que reina no sector está relacionada com reservas e pagamentos feitos fora do país que não permitem a colecta de impostos. Esse assunto está resolvido?
É uma preocupação do governo. O Banco de Moçambique através do Ministério da Economia e Finanças criou uma plataforma para que passássemos a ter algum controlo. É verdade que se as reservas forem feitas em Moçambique maior será o controlo. Precisamos trabalhar mais nessa matéria. Um dos desafios que temos é saber qual é a contribuição do turismo em Moçambique e como se faz o apuramento disso. Para sabermos a contribuição nos baseamos, primeiro, pelas chegadas, dormidas.
Mesmo a propósito disso, o ministério sempre aponta números de turistas e de receitas.Como se faz esse controlo?
Há um trabalho conjunto. O Instituto Nacional de Estatística faz o apuramento porque detêm informações fidedignas. As entradas nas fronteiras de Moçambique são controladas.
Mas, também temos cidadãos nacionais a fazer turismo dentro do país…
A avaliação deste turismo doméstico é muito importante, pois há um número considerável de utentes dos serviços de hotelaria, sobretudo de pensões, que nós chamamos de “passantes” e precisamos classificar esses indivíduos. Por outro lado, quando descentralizamos, cada um queria ficar a informação para si, mas hoje em dia temos boas relações e as informações fluem.
Jorge Rungo e Angelina Mahumane