Produtores nacionais do sector agrário afirmam que o país pode se tornar auto-suficiente e acabar com as importações de produtos básicos como arroz, cebola, batata, tomate e alho. Mas, para tal afirmam que urge resolver o problema do conflito armado, bonificar as taxas de juro das linhas de crédito, implementar correctamente as políticas existentes para o sector, operacionalizar os sistemas de irrigação, estimular o processamento e dar vida à rede de escoamento.
O Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar (MASA) anunciou recentemente que está a preparar um pacote de medidas que visam remover barreiras fiscais na importação de peças sobressalentes de máquinas agrícolas, sementes e fertilizantes.
Trata-se de um projecto que deverá ser submetido à apreciação do governo, no próximo mês de Outubro e, mais tarde, conduzido à Assembleia da República para aprovação ainda no decorrer deste ano.
Segundo o MASA esta medida será acompanhada pela adopção de tarifas mais favoráveis de energia eléctrica para a agricultura e a indústria por via das quais se pretende reduzir os custos de produção e estimular o aumento dos rendimentos e da produtividade.
A propósito desta iniciativa, o nosso jornal ouviu representantes de associações de produtores que entendem que para se resolver de uma vez por todas os problemas deste sector o governo deve buscar uma solução duradoira para a tensão militar que está a inibir a livre circulação de pessoas e bens e a contribuir para a escalada de preços.
Por causa da prevalência dos ataques perpetrados por homens armados da Renamo ao longo de algumas das principais vias rodoviárias da região centro do país o escoamento da pouca produção existente tornou-se deficiente, o que é agravado pela necessidade de pagar apólices de seguro devido ao risco que caracteriza as deslocações no presente.
Os produtores também apontam o crónico problema do acesso ao financiamento para agricultura e com taxas de juro bonificadas, a necessidade de formação de extensionistas, assegurar a aplicação correcta das políticas existentes para o sector agrário, como é o caso do preço do combustível, energia, entre outros.
MEDIDAS OUSADAS
Segundo Daniel Dimas, Presidente do Conselho Empresarial de Gaza, a conjuntura económica pode ser ultrapassada desde que sejam tomadas medidas correctas, principalmente na produção agrícola. A título de exemplo, o Rio Limpopo, em Gaza, ainda tem água, entretanto a Barragem de Massingir está com problemas nas comportas, o que faz com que não consiga descarregar água para irrigar os campos.
Apesar das dificuldades na irrigação, o abastecimento do mercado nacional com produção interna ainda está normal, no entanto, se a situação continuar até o mês de Dezembro os produtos nacionais vão escassear o que vai contribuir para o agravamento dos preços.
“Avançamos com algumas propostas para resolver este problema mas a resposta que recebemos foi de que há falta de fundos. Por exemplo, o governo podia disponibilizar um financiamento em espécie, nomeadamente tubos e motobombas, para conseguirmos bombear água para os campos, caso contrário vamos ter falta de comida”, alerta Dimas.
Só no distrito de Chókwè mais de três mil hectares de cultura diversa estão, praticamente, perdidos por falta de água para irrigação e o escoamento do pouco que tem sido possível colher tem estado a ser dificultado pelas condições de trânsito em direcção ao Centro e Norte onde também existem importantes centros de consumo.
O nosso interlocutor apontou que os adubos e fertilizantes que são usados nos campos de Chókwè são adquiridos na cidade da Beira, em Sofala, e o seu transporte do ponto de aquisição para os locais de uso tem estado a ser “barrado” pela tensão militar.
A par das dificuldades de transporte, observa-se um agravamento do preço destas substâncias, pois o adubo simples que era adquirido ao preço de 950 meticais, passou para 1500 meticais, e o adubo composto agora é comprado ao preço de 1800 meticais, quando até há pouco custava 1250 meticais.
Perante esta realidade, Daniel Dimas propõe que os bancos comerciais sejam estimulados a financiar a produção agrícola aplicando taxas de juro aceitáveis para os produtores. “Os bancos olham com desconfiança para os produtores, mas estão conscientes de que o sector agrário nacional carece de grandes investimentos até mesmo para construir estufas com nas quais pode produzir à vontade no tempo quente”.
Por outro lado, afirma que se deve investir na construção de novas barragens e na manutenção das existentes para a retenção da água no tempo chuvoso para posterior uso no tempo seco.
PROBLEMAS
NO ESCOAMENTO
Por sua vez, o presidente do Conselho Empresarial da Zambézia, Pedro Ramos, afirma que as consequências da tensão militar se reflectem directamente no dia-a-dia dos cidadãos porque o transporte de mercadorias, por estrada está condicionado.
Segundo Ramos, a ligação por estrada entre as cidades de Quelimane (capital da Zambézia) e da Beira, que devia levar umas cinco horas, agora é feita em quatro dias ou mais, porque as viagens só podem ser feitas sob a protecção das Forças de Defesa e Segurança.
Como resultado, os comerciantes inflacionam os preços, supostamente para cobrir os riscos. “Os transportadores estão a cobrar uma taxa extra de seguro porque não sabem se chegam ou não a Quelimane. O preço extra é para cobrir os riscos”, aludiu Pedro Ramos.
Para reverter a actual situação, a nossa fonte afirma que se deve fazer uma aposta real na agricultura, potenciar o sector privado para que possa produzir mais, viabilizar os parques de máquinas e assegurar que os produtores beneficiem das diferentes linhas de financiamento disponíveis, assim como de isenções fiscais na importação de meios de produção.
Pedro Ramos defende ainda à busca de experiências de outros países na gestão da água que, no caso do nosso país é abundante em determinadas época e escassa noutras. “Não podemos ver todos os anos a chuva e a seca como um problema. Temos que construir barragens para garantir maior aproveitamento da água da chuva”.
Para o presidente da Associação Comercial e Industrial da Zambézia, Inusso Ismael a resolução dos actuais problemas relacionados com o baixo nível de rendimento agrícola e excesso de importações é necessário trazer de volta a paz ao país e implementar as políticas que incentivam a produção.
“A população produtora deve ser orientada e incentivada. Uma das formas de incentivo pode ser através da mecanização. Nós temos capacidade para produzir e abastecer o país, mas precisamos de um ambiente de paz, de facilidades na importação de instrumentos de trabalho, acesso a financiamento e do estabelecimento de uma forte indústria de processamento”, concluiu.
EVITAR A VIA TERRESTRE
domingoouviu Sérgio Gouveia, que possui áreas de produção agrícola nas províncias de Niassa e Zambézia e diz que por causa do actual cenário de tensão militar viu-se forçado a recorrer a vias alternativas para manter o fluxo de fornecimento de insumos, o que contribui para elevar os custos do o produto final.
Tal como a maioria dos produtores nacionais, Gouveia usa adubos e sementes adquiridos em Maputo, na África do Sul e no Malawi e os produtos colhidos são comercializados nas cidades de Nampula, Beira e Maputo, o que é dificultado pela actual tensão militar.
“Optamos pelo uso dos portos da Beira e Nampula, mas nem sempre temos serviços de cabotagem para além do incremento de custos”, sublinhou.
Para o caso concreto da ligação Niassa e Nampula, Gouveia afirma aguardar pelo início da circulação do comboio, prometido para meados do mês de Setembro deste ano. Assim, no lugar de se pagar os actuais quatro a cinco meticais por quilograma, no transporte terrestre, acredita que o preço vá reduzir significativamente.
O nosso jornal apurou que o país importa entre 150 a 200 mil toneladas de sementes de batata Reno, todos os anos, da África do Sul e Holanda, que depois são comercializadas para os produtores. Mas, para reverter este cenário, Gouveia ensaiou produzir sementes de batata na província de Niassa, que apresenta condições climatéricas favoráveis.
“Produzimos 300 toneladas de sementes de batata, numa primeira fase, e pretendemos aumentar esta proporção anualmente, tendo em vista reduzir as importações. Entretanto, os adubos e pesticidas vêm de Maputo, o que faz com que o nosso preço do produto final não seja competitivo quando comparado com o produto sul-africano”, sublinhou.
Segundo o nosso entrevistado para que exista alguma competitividade é preciso que se encontrem formas de reduzir os custos de produção. Esta redução pode ser feita através de políticas apropriadas, isenções fiscais e o financiamento.
“Só para exemplificar, participamos num concurso feito aqui no país e para fornecer sementes de batata e ficamos em quarto lugar. Os três primeiros classificados tinham comprado a semente na África do Sul. Se as políticas fossem devidamente aplicadas, os organizadores do certame teriam privilegiado a produção nacional. Temos capacidade para produzir, mas é preciso aplicarmos as políticas existentes”, sublinhou.
Gouveia citou como exemplo o mecanismo que visa reduzir o preço dos combustíveis para os agricultores, apontou a necessidade de as direcções provinciais e distritais passarem a ser mais dinâmicas e presentes junto dos produtores.
Disse ainda que aparentemente há financiamento para a agricultura, mas a aplicação continua a ser um problema. “O financiamento comercial é mais difícil, mas existem instituições que abrem pacotes, nomeadamente o Banco Mundial, Banco Africano de Desenvolvimento, USAID, UNICEF que podem ser usadas em benefício do sector produtivo, com estímulo do governo”.
POLÍTICAS
FAVORÁVEIS
Tatiana Mata, do pelouro do Agro Negócio da Confederação das Associações Económicas (CTA), afirma que o governo deve fazer reformas das políticas agrárias existentes ou introduzir novas que sejam mais favoráveis para promover a produção nacional e que sejam desfavoráveis às importações.
“Neste momento ainda são pagos alguns direitos na importação de maquinaria e insumos agrícolas e isso desincentiva a aquisição de meios de trabalho”, disse.
Tatiana referiu que um dos primeiros passos que o sector privado deu foi a revisão da Pauta Aduaneira e do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) para permitir que os insumos agrícolas sejam mais acessíveis.
“Se as políticas agrárias mudarem e termos uma vontade política real que apoie o sector produtivo, Moçambique pode viver da produção interna porque temos o potencial e capacidades. Só precisamos investir mais”, sublinhou.
Para ela, o problema de acesso ao financiamento está ligado a fraca capacidade do produtor no que toca a garantias, pois existem linhas de crédito do governo e parceiros de cooperação que são oferecidas por via dos bancos comerciais.
“Sabemos que as garantias que os bancos pedem vão além dos 120 por cento do valor pedido. Se o produtor não tem o valor também não terá essa garantia. Há uma necessidade de fazer com que os bancos comerciais assumam uma parte do risco”.
Uma das formas apontadas pela nossa interlocutora para minimizar o problema é garantir que o produtor também tenha capacidade de gestão, através de acções contínuas de formação.
Angelina Mahumane
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