-Estabilidade governativa de Johannesburg, Pretória e Port Elizabeth depende de Julius Malema
O tic-tac do relógio não pára e, consequentemente, os minutos começam a ficar mais curtos tanto para o ANC como para a Aliança Democrática (DA) – depois de não terem conseguido conquistar uma maioria simples (50 por cento dos votos expressos) que lhes permitiria governar sozinhos – que tentam agora tricotar coligações que lhes permitam governar três grandes municípios: Johannesburg (JHB), ganho pelo ANC, Tshwane e Nelson Mandela Bay, ganhos pela DA.
domingo juntou à mesma mesa três académicos moçambicanos, nomeadamente Ali Jamal, Edson Murazeque e Paulo Wache, docentes das cadeiras de Teoria e Prática de Negociações, Estudos do Médio Oriente e Geopolítica, respectivamente, no Instituto Superior de Relações Internacionais (ISRI), para fazer uma análise crítica dos resultados das eleições municipais e não só que poderão determinar uma nova geografia política na sua governação. Cape Town já era controlada pelo DA. Ainda assim, o ANC foi o grande vencedor com 54 por cento dos votos expressos. Escutemos os nossos entrevistados em discurso directo.
Há quem acredita que os resultados das eleições municipais do passado dia 3 de Agosto são uma antecâmara das gerais de 2019 (presidenciais e legislativas). É razoável pensar assim?
Paulo Wache (PW): Bom, 2019 ainda está muito longe para quem faz política. Muita coisa poderá acontecer. Primeiro, é preciso recordar que em 2017 haverá uma conferência, uma espécie de congresso do ANC, e muitos dos elementos que hoje são um problema, principalmente a pessoa do Presidente Jacob Zuma, poderão ser resolvidos. Mas tudo isso dependerá da maneira como essa resolução vai acontecer e como o ANC vai-se reconstituir para os dois anos seguintes porque, se a gestão não for bem feita, pode-se repetir o episódio de 2008, quando Thabo Mbeki era Presidente, que acabou gerando a saída de alguns membros que criaram o partido COP. Se isso for evitado, o líder for dinâmico o suficiente para poder congregar de novo os membros e apontar para uma direcção mais forte, de 2017 a 2019, e conseguir reconquistar a confiança da população podemos ter um cenário menos parecido com este. Mas a probabilidade de permanência deste panorama é real pelo facto de haver um outro partido que tem uma ideologia semelhante à do ANC, que é o EFF (Partido dos Combatentes pela Liberdade Económica).
Que implicações tem isso?
PW:Serve para perceber que parte dos eleitores que devia ser do ANC votou no EFF que teve 11 por cento em JHB e que somados aos 45 por cento do ANC seriam 56 por cento para o partido de Zuma. Isso também mudaria o cenário em outras regiões. O DA só se torna forte porque emergiu dentro do ANC uma força que lhe roubou o eleitorado, o que permitiu, por exemplo, que o DA vencesse em Pretória (Tswane). A conferência de 2017 poderá ser um ko ou alternativa para o ANC melhorar o cenário.
Professor Jamal…partilha da mesma opinião?
Ali Jamal (AJ): De um modo geral, penso que os resultados foram maus para o ANC, mas não os vejo como uma antecâmara para 2019. O ANC tem tempo para se ajustar a esta realidade e introduzir alterações. Os outros partidos também têm tempo para reforçar as suas posições. A três anos de 2019 podemos ter mudanças, recuperação ou queda do ANC, dependendo da maneira como este problema for gerido. Eu penso que o problema não está tanto nas pessoas, mas no contexto actual e na forma como as eleições decorreram. O ANC não está a ter respostas para aquilo que o grande povo está a pedir, não está a ter respostas para aquilo que o povo quer que surja como comando, como programa político dos municípios.
Por exemplo…
AJ:Neste momento o que o povo está a pedir nos grandes municípios é o melhoramento dos serviços sociais básicos. Ter boa qualidade de providência de água, sistema de Educação e de Saúde. O que está a acontecer em muitos locais dentro da África do Sul é que os serviços sociais têm mostrado alguma tendência de degradação de qualidade. E, como sabe, o país está dentro de um processo no qual a qualidade de vida para a maioria do povo tem de ser melhorada. Esta é a grande esperança dos munícipes que resolveram votar noutros partidos. Tem-se constatado que a qualidade baixou naquilo que é oferecido, por um lado, e, por outro, no discurso de campanha que é oferecido pelo ANC não se nota uma ênfase particular para estas áreas.
ALIANÇA
DEMOCRÁTICA
A Aliança Democrática (DA) é o antídoto, o partido que vai resolver os problemas de Pretória (Tshwane), Port Elizabeth (Nelson Mandela Bay), JHB caso consiga formar uma coligação maioritária? Cape Town há muito que está nas mãos do DA…
Edson Murazeque (EM): Não se pode dizer que o DA seja antídoto para resolver os problemas de Tshwane (Pretória) e de outros municípios onde ganhou as eleições. Vejo esta vitória mínima na perspectiva de redução do eleitorado em relação ao ANC. Há um desencanto dos cidadãos, principalmente dos jovens em relação ao ANC e mantendo um equilíbrio em termos de governação, acreditam que alguma coisa pode mudar. O que se notou nestas eleições, contrariamente às anteriores, é que as pessoas já não vão votar em termos de raça. O que sabem é que neste momento não têm condições que gostariam de ter e observam uma espécie de desigualdade entre diferentes secções. Depois os jovens, que são parte significativa do eleitorado e não viveram o apartheid, não conhecem as estórias de sofrimentos, quando não encontram solução dizem “vamos lá tentar ver outras alternativas que talvez possam resolver os nossos problemas”. Mas não acredito que o DA possa resolver todos os problemas. A única via tanto para o ANC como para o DA é a coligação. As coligações de partidos que muitas vezes defendem ideologias diferentes podem ser benéficas para o povo.
Estes resultados não complicarão mais a situação porque obrigam a coligações quase improváveis e Julius Malema, com respeito a todos os outros pequenos partidos, terá de desempatar porque tem o ANC de um lado e, do outro, o DA à busca do seu apoio?
PW: Este é um grande teste para o carácter de Malema. Vamos ver se ele é coerente quando se trata de poder. Ele tem um papel a desempenhar fundamentalmente em JHB, Port Elizabeth e em Pretória. Em Port Elizabeth, o DA está a tentar coligar-se com partidos minoritários que obtiveram um por cento de votos ou pouco mais, mas dificilmente chegará lá. Pelo discurso radical éramos tentados a dizer que Malema se vai coligar com o DA porque este partido tem origem branca (apesar de agora ter um líder negro e contar com a adesão de negros), acontece que ele (Malema) tem um discurso anti-branco (arrancar a terra, expropriar e depois redistribuir os bens que estão na mão dos brancos). O segundo ponto que torna difícil a previsão é que Malema foi expulso do ANC e foram expropriados alguns dos seus bens. Ele foi de alguma maneira perseguido. Portanto, não sei onde está a sua maior mágoa.
AJ: Penso que o EFF vai ter de aprender a conviver com os outros. E se o contexto lhe sugerir que vai ter de abdicar de alguma crítica, por exemplo, ao DA para conseguir aproximar-se politicamente e tornar possível uma governação, Malema vai ter de fazê-lo. Se o contexto lhe indicar que tem de voltar para o grande partido ANC, ele vai ter de aprender a fazer isso em nome do interesse do eleitorado porque este não vai perdoar uma radicalização do EFF só porque não se entendeu com o ANC. O eleitorado vai exigir que Malema esteja à altura de se posicionar e fazer os sacrifícios que deve fazer tendo em conta a conjuntura. Portanto, não radicalizar ainda mais a sua posição negando-se a participar nos processos políticos.
EXIGÊNCIAS
DE MALEMA
Uma das condições colocadas por Malema para apoiar o ANC é a saída do Presidente Zuma. Será que o ANC está preparado para sacrificar o seu líder, apesar de todos os problemas?
EM: Isso depende muito do que é que o ANC quer para o futuro. O ANC tem de começar a pensar no seu futuro.
Mas estamos a três anos das eleições?
EM:O ANC pode pensar em antecipar a saída de Jacob Zuma. Se a memória não me trai, Thabo Mbeki não chegou ao fim, porque havia interesse de manter a união dentro do partido. Vai depender de como o partido pensa posicionar-se em 2019 e a ficha do Presidente Zuma não abona. Já ouvimos pronunciamentos do interior do ANC dizendo que não estão preparados para sacrificar o Presidente. O próprio Malema pode estar com esse discurso apenas como estratégia de obter mais ganhos numa eventual coligação que possa surgir. O presidente é uma parte da culpa dos resultados que o ANC obteve… claro que não é o único. Mas esta redução está ligada ao conjunto de escândalos em que ele está envolvido.
PW: Eu arriscar-me-ia a dizer que o ANC, pelo histórico de Thabo Mbeki, não pode repetir esse erro. Penso que o futuro do ANC é reconciliar-se mais do que se afastar. Se tiver de tomar a decisão de afastar Zuma está a divorciar-se de uma etnia muito importante preponderante no ANC, os zulus. A não ser que a substituição seja imediatamente zulu, o que também não é esperado nem expectável porque a hierarquia não mostra que seja isso. Podia criar facções dentro do ANC. O cenário de afastamento de Zuma é o que Malema gostaria, mas não é factível porque na minha percepção perde mais ao mexer o Presidente do que ao manter as coisas como estão. Perde em termos de reputação, perde em termos de coesão do partido, …
Então …
PW:Se o ANC retirar o Presidente Zuma só por causa dos resultados das eleições significa que é um partido eleitoralista. Estará a dizer que não é um partido preocupado com os problemas reais do povo. E, sendo assim, podiam ter-lhe tirado antes. Porque a preocupação não é de hoje. A saída dele de forma hostil vai levar parte do eleitorado que lhe é fiel e preponderante. Hoje o Governo tem entre cinco a seis zulus, mas dentro do partido a reputação de Zuma é muito alta em termos de influência e isso fragilizaria a coesão do partido e levaria eventualmente ao nascimento de um outro partido zulu mais um pouco afastado do ANC, da mesma forma que o COP é pró-xhosa.
MANDATO
ATÉ AO FIM
Isso significa…
PW:O ANC tem uma máquina muito pesada: é a COSATU, é o Partido Comunista, tem as ligas, e a nível local tem o National Democratic (ND) com quem está coligado. Logo, qualquer atitude menos reflectida, sim, seria a antecâmara daquilo que o ANC poderia sofrer no Parlamento e não tanto nas presidenciais. A redução radical dos seus membros no Parlamento poderia acontecer se a atitude de afastar Jacob Zuma de forma conflituosa acontecer. Penso que o Presidente tem de sair no tempo previsto e a sua substituição tem de ser pacífica. Caso contrário teremos grandes histórias para contar e assistir.
AJ: Eu penso que deveríamos separar a provável saída do Presidente Zuma da pressão de Malema. Temos de separar. O Presidente tem problemas internos de coesão e de autoridade de liderança dentro do ANC. Penso que se esses dois problemas forem atacados de forma eficiente o ANC pode-se reconciliar em torno do actual Presidente. Não sabemos as formas exactas, mas é sabido que ele tem muito apoio interno e até hoje ele controla toda aquela máquina pesada. O passo que penso que é importante é a reconciliação da camada mais alta do partido, porque pode levar à diminuição das animosidades internas e produzir uma imagem pública e uma acção política do ANC mais concertada e, sobretudo, mais consensual. Não é formando um novo partido que os problemas se resolvem. Por exemplo, o partido COP hoje é virtualmente nada na sociedade sul-africana. Julius Malema saiu, mas a força do ANC continua a ser determinante. 54 por cento de votos são muito significativos na sociedade sul-africana. Se houver uma boa condução do processo de reconciliação interna dentro do partido vai ajudá-los a se concentrarem mais sobre os problemas reais que têm de incutir nos seus manifestos, o que pode produzir uma reaproximação ao grande eleitorado. Dar esperança no sentido de que aconteceu no passado, mas agora queremos fazer diferente.
APRENDER
GOVERNANDO
A Aliança Democrática cresce e terá de governar numa altura em que a economia sul-africana está em desaceleração e com todos as consequências que daí advêm. Querem comentar?
EM:A Aliança Democrática terá de fazer um exercício titânico para que este êxito não seja sol de pouca duração, porque entra num período de grandes desafios para a África do Sul e os munícipes estão ansiosos em ver melhorias. Mas, seja como for, olhando para o gráfico dos resultados por faixa etária tenho grandes dificuldades em acreditar que o ANC voltará a ter aquelas percentagens de 70 por cento porque, até para o próprio processo democrático, não sei se seria interessante. Para o ANC, claro que sim. Creio que os próprios sul-africanos não quererão um ANC demasiado forte. Vai continuar a ter maiorias, mas não retumbantes como no passado.
Uma coisa é governar Cape Town com todos os hábitos benignos de civismo conhecidos e reconhecidos e outra bem diferente é administrar JHB, senão mesmo Pretória, onde os fluxos de deslocados internos estão em crescendo todos os dias. Gostava que dissertassem sobre este ponto.
PW: É preciso olhar para o DA, para as suas origens, como partido de brancos. Nesse sentido sou tentado a assumir que pode ter maior possibilidade de mobilizar recursos para a sua governação olhando para a sua natureza. Estará também interessado em mostrar no terreno que podem fazer uma governação sem corrupção e preocupada com o cidadão. Já a crise a que se refere no caso da África do Sul é sempre relativa olhando, por exemplo, para Pretória e a sua capacidade de cobrar impostos e revertê-los em prol dos locais. Por causa do perfil de gestão que teve em Cape Town se essa experiência for transferida para os outros sectores, para outros municípios no que toca ao método de gestão, pelo menos do ponta de vista teórico, tem uma grande experiência para transmitir, o que não aconteceu com o ANC que ocupou muitos espaços em simultâneo e não teve tempo de aprender a governar. Aprendeu a governar governando. O DA teve um espaço de ensaio e pode levar para outros municípios mas com desafios diferenciados.
Texto de André Matola
matolinha@gmail.com