Conforme apurámos em cerca de duas semanas de pesquisa, dezenas, senão mesmo centenas de aspirantes a titulares de casas contraíram dívidas chorudas na banca comercial nacional contando que teriam lugar para morar em um ano e meio (18 meses).
Entretanto, o tempo previsto no contrato expirou, casa que é boa não apareceu e o ânimo deu lugar ao desespero, lágrimas e ranger de dentes uma vez que a cobrança de letras atinentes ao empréstimo estão a ser feitas regularmente pelos bancos, com aquelas temidas e famosas taxas de juros praticadas na praça.
Também pesa a desfavor de um grupo considerável de clientes do “Casa Jovem” o facto de se terem apaixonado tanto pelo projecto a ponto de aceitarem rubricar o contrato sem observarem alguns elementos básicos que um vínculo destes deve ter, nomeadamente, direitos e deveres para ambas as partes.
Conforme o estimado leitor poderá observar nas páginas que se seguem, o laço que une as partes só tem deveres e obrigações para os clientes. A empresa pode atrasar com as obras que ninguém a penaliza. Pode entregar uma casa com defeitos que não lhe acontece nada. É um contrato de tipo “adesão”. Ou assinas ou assinas! Opção única.
Enquanto isso, cada credor deve continuar a “tocar a vida”, o que por outras palavras equivale a pagar a renda na casa onde hoje reside, cuidar das imensas despesas familiares, entre outros, enquanto brada aos céus para que um milagre aconteça no bairro do Chiango, pertinho do Costa do Sol, em pleno Maputo, onde as obras estão em “banho-Maria” há três anos.
Mas, não são apenas os pretendentes das casas que estão amargurados com o ritmo desta intricada estória. Os trabalhadores do projecto, muitos deles bastante jovens e que sonhavam com eventuais progressões na carreira e com os ganhos que daí poderiam advir, também estão de costas voltadas com os empregadores, porque, conforme nos relataram, estão há cerca de oito meses sem salários.
Para além da falta de ordenados, centenas deles terão sido despedidos. Fala-se em casos de acidentes de trabalho que não foram atendidos pelo patronato e de dezenas de queixas submetidas à muito dinâmica Inspecção Geral do Trabalho, do Ministério do Trabalho, Emprego e Segurança Social (MITESS), que, incrivelmente, terão sido ignoradas.
Soubemos que num certo período, este projecto teve cerca de 750 trabalhadores. Porque o rumo se tornou incerto, alguns desistiram. Diz-se que outros, muitos outros, foram corridos, às centenas, e a empresa deve-lhes vários ordenados.
Pior do que isso, outros receberam cartas de rescisão onde a empresa confirma que lhes deve vários meses de salário mas, sem data para o pagamento dos mesmos. Os trabalhadores que receberam essas cartas fizeram questão de ceder-nos cópias. “Não temos mais nada a perder”, dizem.
Outros trabalhadores foram “convidados” a ir para casa, de férias, por até quatro meses. Assim mesmo. Sem aviso prévio. De forma súbita. Expirado o tempo de férias, a empresa tratou de rescindir contratos unilateralmente. Contam que quem capitaneia esta atitude é o director geral do projecto, Caetano Lucas, também conhecido por Do Carmo.
Como se isto não bastasse, ainda tem uma longa lista de fornecedores de bens e serviços que também têm muito a dizer sobre os seus pagamentos que não foram feitos em devido tempo. Aliás, alguns dos pagamentos terão sido convertidos em casas que jamais saíram do papel.
A “Casa Jovem” que, conforme dissemos, surgiu com estrondo por volta de 2009, tinha como patrono a Fundação Joaquim Chissano, e propunha-se a ser um projecto de habitação destinado a jovens recém-formados, com até 40 anos de idade e que pudessem pagar cerca de 50 mil dólares por uma casa de Tipo Um (T1), 60 mil dólares por uma habitação de T2 e quase 80 mil dólares por uma residência T3.
Apesar de amparada pela fundação que leva o nome do ex-estadista, por quem a sociedade moçambicana tem imenso respeito e carinho, por volta de 2011, os sócios entraram em progressivas desavenças até chegarem ao ponto de se virarem as costas e cada um seguir o seu caminho.
Assim, a Fundação Joaquim Chissano que integrava a Sociedade de Desenvolvimento de Chiango (SDC), em parceria com a Tal Investimentos e a Archil&Focus Associados deixaram tudo nas mãos do empresário Erik Charas que em cartas dirigidas aos clientes reconhece os atrasos acorridos e afirma que assume o compromisso de “concluir o projecto conforme inicialmente planeado”. Aliás até estabelece metas e prazos.
Importa referir que enquanto ainda era possível ter os sócios do projecto unidos e a sorrirem uns aos outros foram construídos cinco prédios, com um total de 96 apartamentos e entregues aos respectivos donos, isto em Dezembro de 2012. O resto que se pode ver em Chiango são esqueletos de prédios e de vivendas inacabadas.
E, mesmo a propósito de casas inacabadas, a nossa Reportagem apurou dos trabalhadores que alguns clientes, fartos de esperar pela conclusão das obras, e mesmo tendo pago as facturas na totalidade terão assumido a tarefa de concluir a construção pessoalmente.
Trata-se dos titulares dos prédios denominados “C-8”, que compreende apartamentos de T3, e “A-7”, cujas casas são de T1 e T2. Estes dois prédios não tem fossas, canalização, instalação eléctrica, reboco, tijoleira, ou seja, só tem paredes, tecto e chão.
Apesar de Erik Charas ter enviado cartas aos clientes e ao nosso jornal, procurámos ouvi-lo e este disse lamentar o facto de estes assuntos estarem a vir à tona “justamente agora” que o projecto acaba de sair da turbulência do relacionamento com os sócios e que, na sua óptica, “a banca e outros investidores começam a reaproximar”.
Reiterou que tudo fará para concluir o projecto com sucesso e que irá proceder a reformas profundas na estrutura da empresa, porque entende que mesmo com todos os problemas que este projecto tem, continua a ser e será um grande exemplo.
O sonho que virou pesadelo
O sonho de ter casa própria anima milhões de jovens de todos os extratos sociais em qualquer canto do mundo. Sempre que se fala na disponibilidade de terrenos ou mesmo de casas feitas, a disputa é renhida. Em Maputo, o aparecimento do projecto “Casa Jovem”, que apontava que seriam erguidas mil e 800 residências, entre outras facilidades, aguçou o interesse geral. Pais e filhos fizeram fila. Mas, para uma parte destes, o negócio se tornou amargo. Passam cerca de cinco anos e apenas 96 famílias conseguiram ver concretizado o seu maior anseio. O desespero se agigantou e a fé ficou corroída.
O assunto chegou-nos por mero acaso. Um leitor deste jornal reconheceu um dos nossos editores em plena Avenida Eduardo Mondlane, no centro da cidade de Maputo. “Tu és jornalista, pois não? Temos um problema com os gestores da Casa Jovem. Dou-te uma lista de contactos”.
O nosso colega, ainda atónito, improvisou um bloco de notas e tratou de copiar cinco contactos. A lista era enorme, mas achou que cinco era um bom começo. Os restantes viriam depois, caso o assunto se revelasse sério e pertinente.
Pouco depois, demos início a uma pesquisa que durou cerca de duas semanas, envolvendo dezenas de contactos com os clientes daquele projecto. E, como manda a tradição oral, não tardou que passassem a ser as supostas vítimas a ligar. Cada um tinha uma estória para contar. Depois recebemos trabalhadores e mais tarde fornecedores.
“Queremos o que é nosso, ou devolvam-nos o dinheiro”. Este é o denominador comum. Pelo meio, há quem já não sabe se ainda quer a casa ou se prefere o dinheiro de volta. Entre os trabalhadores o sentimento é o mesmo. Uns pensam no emprego e outros preferem ser ressarcidos e irem à vida. Idem para os fornecedores.
DEZOITO MESES QUE VIRARAM QUATRO ANOS
A maior parte dos pretendentes daquelas casas são jovens com rendimentos que lhes permitem aceder a créditos bancários que vão desde 65 mil dólares, que hoje equivalem a dois milhões e oitocentos e sessenta mil meticais (2.860.000,00 meticais), por uma casa de tipo um (T1), e 120 mil dólares, que correspondentes a expressivos cinco milhões e duzentos e oitenta mil meticais (5.280.000,00 meticais).
Um deles, mal ouviu falar do projecto, nem pestanejou. Em 2012, preencheu a papelada, foi ao banco buscar 120 mil dólares e candidatou-se a uma casa de T4. Queria surpreender a esposa e filhos. Tanto é que o “Contrato Promessa de Compra e Venda” indica que a residência estaria disponível em 18 meses.
Porque assim emana o contrato, à data da assinatura, o jovem em causa, a quem passaremos a tratar por Emerson, entregou à “Casa Jovem” um total de 24 mil dólares correspondentes a 20 por cento, a título de “sinal e princípio de pagamento”.
Dez dias depois do início das obras de construção do prédio, os gestores do projecto endereçaram uma carta a solicitarem o pagamento de 12 mil dólares, correspondentes a 10 por cento do valor do imóvel, que se referem ao “reforço do sinal”.
Entretanto, depois destas duas operações, a “Casa Jovem” nunca mais deu sinais de andamento e tão menos solicitou que este fosse pagar as restantes prestações, o que por outras palavras equivale a dizer que a obra parou no tempo e no espaço. “Nunca mais me cobraram, por isso também não paguei”, conta.
Por causa disto, Emerson diz ter pedido para efectuar uma visita ao local onde a casa estaria a ser edificada e, nicles. Tinha que pedir por escrito e mesmo assim não logrou o seu intenso. Como nunca ninguém lhe procurou para solicitar o pagamento, ele também “fechou-se em copas”. Porém, gere o maior dilema da sua vida.
É que, sem ter contado nada à esposa sobre a contração da dívida, agora não sabe como abordá-la sobre o fracasso do seu plano. Também não sabe o que fazer com os cerca de 80 mil dólares que tem em mãos porque a sua devolução ao banco não extingue o crédito. É muito tormento junto. Também não tem mais fé numa eventual “ressurreição” do projecto.
CONTRATO EXPIRA E CASA NÃO EXISTE
Na mesma situação se encontra um casal que também se encantou pelo projecto. Depois de recolher a informação disponível sobre a iniciativa, este casal decidiu comprar uma casa T3. “Reunimos a papelada, conseguimos o financiamento e assinamos o contrato. A casa custaria 98 mil dólares, mas houve um ajuste do valor e passou a 120 mil dólares”.
Esta família, que conversou com a nossa equipa de Reportagem na condição de preservarmos a sua identidade, pelo que passará a ser tratada por “família Macuácua”, diz ter pago os 20 por cento de entrada e mais 10 referentes ao aterro. “Mas, até hoje não tem aterro feito. Dizem que fizeram e que foi destruído pelas chuvas do começo do ano 2014”.
A família Macuácua relata ainda que os gestores do projecto prometeram entregar a casa pronta em meados deste ano (2015). Entretanto, até à publicação desta Reportagem, o aterro não foi feito. “Estamos a pagar as prestações ao banco por uma casa que não existe e temos sérias dúvidas de que um dia existirá. Embarcamos nisto porque vimos os primeiros prédios concluídos, mas agora… Repare que o contrato expirou e não temos nada”.
SE O ARREPENDIMENTO MATASSE
Ouvimos também uma jovem a quem trataremos por Sónia que se vinculou à “Casa Jovem” com a promessa de receber um apartamento em Dezembro de 2014. Animada com esta possibilidade, optou por abandonar a casa que estava a arrendar para ir morar temporariamente em casa dum familiar. Dezembro chegou e passou. Outro Dezembro se aproxima e, nada.
Conforme referiu, o seu caso parece melhor que muitos porque a obra andou até ao tecto, mas falta rebocar, fazer a instalação eléctrica, entre outros acabamentos.
“Tive que sair da casa do meu familiar porque o tempo que me tinha sido oferecido esgotou. Estou a arrendar uma outra casa. O que me dói é que quando fui mostrar o contrato ao meu pai ele disse com todas as letras que não devia assinar porque ali só tem deveres e obrigações para o cliente. A empresa não se responsabiliza por nada”, disse.
Aliás, alguns clientes hoje rotulam aquele contrato de armadilha, uma vez que não tem por onde se pegar para responsabilizar a empresa. É esse o sentimento do cliente que preferiu que lhe tratássemos apenas por Hélder. Este deixou-nos com cópias de todo o seu processo, onde consta uma nota de cobrança de 23 mil meticais referentes ao seguro da casa pretendida, casa essa que não existe.
Hélder queria comprar duas casas. Uma T1 e outra T3. Dados os sucessivos adiamentos, começou a desconfiar e requereu a devolução de 80 por cento do valor que pagou pelas casas. “A solicitação foi aceite em 2014. Até celebrei. Mas, até hoje não recebi um tostão”. Diz ainda que tinha a promessa de que a casa T3 poderia ser entregue até Dezembro deste ano, “mas ainda não tem uma parede feita”.
“SEDUZIDOS E ABANDONADOS”
O que muitos clientes da “Casa Jovem” tem em comum e não escondem é que se envolveram com aquela iniciativa porque souberam que na altura estava lá a Fundação Joaquim Chissano. Neste aspecto há uma tremenda unanimidade. “Se não fosse por este detalhe, provavelmente não me teria envolvido nisto”, diz um cliente que disse chamar-se Sebastião.
A publicação de um comunicado conjunto da Sociedade de Desenvolvimento de Chiango e a Casa Jovem, no qual se faz saber que a Fundação Joaquim Chissano se afasta desta iniciativa, no lugar de animar a estes clientes, só agrava a angústia. Nem as promessas ali constantes de que o projecto será conduzido até ao fim conseguem deixá-los animados.
“O que mais nos aborrece é que os gestores da “Casa Jovem” fogem de nós. Não atendem às chamadas. Preferem ficar de longe a mandar cartas. Por outro lado, preocupa-nos o facto de estarmos a lidar com pessoas diferentes sempre que procuramos ter informações sobre o projecto”, disse Sebastião.
Com recurso a um crédito bancário, Sebastião procedeu como todos os outros. Entregou 20 por cento de entrada por um apartamento T3 que nunca mais recebeu. “A primeira justificação para os atrasos foi a disputa entre o projecto e o município por causa da construção da Estrada Circular. Depois disseram que estavam a ter problemas com os sócios”.
Porque estas justificações não se traduziam num esforço visível para a conclusão das obras, Sebastião disse que procurou dialogar com o principal gestor do projecto, Erik Charas e viu as suas tentativas frustradas.
“Só quando ameacei ir à justiça é que atenderam às minhas chamadas. Repare que a minha casa devia ter sido entregue há três anos e já paguei a penúltima prestação. Depois descobri que eles cobravam por uma obra que não tinham feito”, disse.
Para Sebastião, o facto de existirem naquele recinto cerca de 20 prédios em diferentes fases de construção revela que os gestores do projecto quiseram “dar um passo maior que a perna”. “Tenho sérias dúvidas que eles consigam concluir aquilo”.
CLÁUSULA DÉCIMA
Madalena D. solicitou um crédito de 65 mil dólares por uma casa, em 2010. A cópia do contrato dela está em nosso poder. Diz que é a única que possui um contrato que escapou ao controlo da “Casa Jovem” no qual consta a Cláusula Décima que se refere ao “Atraso na entrega”.
Neste contrato, assinado em Novembro de 2010 consta que caso ocorra um atraso de até seis meses na construção da pretendida casa de T3 “não há qualquer direito, nomeadamente de indemnização ou de redução do preço de compra e venda do imóvel prometido”.
O número dois desta mesma cláusula reza que caso a entrega não se verifique no prazo suplementar previsto, a “Casa Jovem” “indemnizará a cliente num montante correspondente a 0,05 (zero vírgula zero cinco) por cento do preço, por cada dia de atraso sobre a data prevista para a conclusão da obra”.
Entretanto, os clientes que assinaram estes contratos naquela época, foram convidados a retornar àquela empresa para assinarem novos contratos sem esta cláusula. Madalena D. teve a sorte de assinar o segundo contrato com a mesma cláusula. Por isso, reclama que a “Casa Jovem já deve estar em dívida com ela porque de Novembro de 2010 a esta parte passam muitos e longos dias.
“O prédio onde se diz que está a minha casa foi até pintado por fora, mas não me deixam entrar na casa para ver como está por dentro. Dizem que não tenho autorização do director técnico. Fiz várias cartas e não obtive resposta satisfatória. Acabei discutindo com o principal gestor do projecto que prometeu devolver-me o dinheiro. Até hoje não vi um único centavo”, disse.
Moradores também revoltados
Se quem ainda não teve acesso à sua casa está com a cabeça às voltas porque está apertado em dívidas, sem onde morar e, pior, com dúvidas sobre o futuro, os que tiveram a sorte de ir morar no condomínio “Casa Jovem” não estão contentes com o privilégio que tiveram.
Conforme apurámos, estes criaram um espaço na internet (http//peticaopublica.com/mobile/pview.aspx?pi=PT78732) para recolher assinaturas para endereçarem a quem de direito devido a supostas irregularidades correntes naquele condomínio.
Eis na íntegra a referida petição
“Vamos dar início a uma nova era no Condomínio Casa Jovem. Chegou a hora de nos fazermos ouvir e sair do sistema actual imposto pela gestão do condomínio. Neste momento só a gerência está a usufruir de benefícios, enquanto os moradores, aqueles que pagam uma taxa de condomínio, só tem deveres.
Esta petição serve para mostrar o descontentamento relativo ao sistema de fornecimento actual de água. O que se pretende é obter contratos individuais com a FIPAG, pagar taxas justas de água directamente às Águas de Maputo.
O que acontece actualmente é que o Condomínio Casa Jovem obriga os moradores a comprar água deles, aplicando IVA extra na facturação e não fornecendo provas de consumo.
O Condomínio criou uma gestão que tem o dever de cuidar e gerir o condomínio. Para o qual é cobrada uma taxa mensal que quando não paga são retirados os contadores de água. Isto prova que não há espaço para dívidas pendentes, mas mesmo assim os trabalhadores responsáveis por manter o condomínio limpo e seguro não recebem há meses. Criando deficiências no sistema e pondo em causa a segurança dos moradores.
Foi prometido que após a entrega das casas os moradores teriam direito de fazer o contrato de água individual, porém o Condomínio necessita do nosso dinheiro para poder continuar com as obras. Mas isto é nossa responsabilidade?”
O objectivo aqui é o de obter a sua assinatura para ter contratos individuais com as Águas de Maputo, porque neste momento pagamos por algo que não sabemos, pois jamais nos é dado algum comprovativo de quanto o Condomínio paga de água e se este montante é respectivo ao apartamento e a nossa área comum ou à obra também”.
Oito meses sem salário
Os trabalhadores do projecto “Casa Jovem” estão angustiados com o rumo que esta iniciativa tomou a partir de 2012 que culminou com o despedimento de mais de 600 colegas e, mais recentemente, com a falta de pagamento de salários, entre outras arbitrariedades.
Dizem que no pico das obras da primeira fase foram contratados cerca de 750 trabalhadores que construíram os primeiros cinco prédios que foram entregues e estão habitados. Depois disso, iniciou uma sucessão de problemas que desembocaram no despedimento massivo de trabalhadores, muitos dos quais sem justa causa e aviso prévio. “Mandavam descer dos andaimes para dar a carta de rescisão. Sem mais nem menos”, contam.
Para o lugar dos trabalhadores expulsos, segundo relatam, a “Casa Jovem” contratavam pequenas empresas que durante o ano de 2013 não conseguiram concluir nenhum prédio. “A uma certa altura, pararam de fazer os prédios e começaram a construir vivendinhas, alegadamente para compensar financeiramente as obras maiores. Nem isso foi avante”, relatam.
Os trabalhadores que abordamos revelam que a construção de tais vivendinhas permitiria à “Casa Jovem” amealhar fundos de forma mais célere para pagar salários e investir o remanescente na conclusão dos prédios. “Na fase A foram construídas cerca de 100 casas que estão no nível de cobertura e mais 200 estruturas de vivendinhas. Este foi o truque que encontraram para cobrar os 20 por cento de entrada aos clientes”.
Dizem ainda que quando os despedimentos se intensificaram, a ponto de se mandar embora a mais de 100 trabalhadores num mês, alguns dirigiram-se ao Ministério do Trabalho, Emprego e Segurança Social e não lograram êxito. O pânico tomou conta de todos porque a eminência do desemprego era uma realidade permanente.
“Tivemos colegas que sofreram acidentes de trabalhos e não beneficiaram de nenhuma assistência por parte da empresa. Temos os nomes e em devido tempo e lugar vamos divulgar”, prometeram.
Revoltados com a sua situação que se tornou precária, os trabalhadores da “Casa Jovem” fazem revelações sobre o estilo de vida dos principais gestores da iniciativa que, segundo eles, não resistem a hotéis e restaurantes de luxo dentro e fora do país. “Este projecto não tinha como resistir por causa dos caprichos dos membros da direcção. Passam férias na China, Japão, Estados Unidos da América e Dubai, e ainda publicam fotos nas redes sociais para vermos com eles gastam o dinheiro”.
Para reforçar a sua tese, estes trabalhadores descreveram que aquela empresa desembolsou cerca de um milhão de meticais para adquirir uma máquina para chapiscar paredes que nunca foi usada. Segundo eles, o processo de aquisição dessa máquina incluiu a deslocação de 15 trabalhadores para a África do Sul, supostamente para aprenderem a lidar com a mesma.
Também se queixam do relacionamento com o director geral, Caetano Lucas a quem acusam de tratamento inadequado. “Trata-nos como cães, não fala com os trabalhadores e, quando entende, faz ameaças”.
E a propósito de ameaças, referem que durante os últimos oito meses, em que a empresa não pagou salários, os cerca de 20 trabalhadores que ainda estão vinculados àquela empresa são obrigados a comparecer diariamente ao local de trabalho porque, de outro modo, podem acumular faltas e serem expulsos.
“Nunca recebemos o décimo terceiro salário, não nos dão o salário de Dezembro e agora dão-nos férias que vão até quatro meses e nossos contratos são por prazo certo. Há poucos dias, os poucos trabalhadores que sobram ameaçaram parar com os trabalhos e foram chamados para receber quatro mil cada para transporte. Esquecem-se que todos nós temos família, filhos que estão na escola, entre outras despesas”, contaram.
Barulho com os fornecedores
“A “Casa Jovem” faliu. Só mantém as aparências porque ainda existem clientes que vão todos os dias para ver o projecto das casas. Por exemplo, não tem como cobrir as cerca de 200 vivendinhas recentemente construídas porque tem dívidas com a Intermetal”, disse um dos trabalhadores da “Casa Jovem”.
Perante esta frase, os colegas que nos rodeavam começaram a enumerar várias outros casos com destaque para a suposta dívida que dizem que a “Casa Jovem”contraiu junto da empresa UNISPAN, que lhe fornecia andaimes e material de cofragem.
Alguém se recordou de um problema recente que envolve a empresa Rovuma, que faz a segurança privada do condomínio “Casa Jovem”, cujos guardas bloquearam os portões daquele local, impedindo deste modo a entrada e saída dos moradores, por problemas salariais.
Também mencionaram dívidas com diferentes subempreiteiros que trabalham na finalização das casas, nomeadamente nos rebocos, conclusão das escadas, alvenarias, coberturas.
Soubemos também que um pequeno empresário foi contratado no início do projecto para prestar serviços de grua, máquina essencial para grandes obras. Aquele equipamento terá sido usado até à conclusão dos primeiros cinco prédios. Entretanto, a partir de certa altura, a “Casa Jovem” estava a dever cerca de dois milhões e meio aos donos da máquina.
Conforme relataram a nosso jornal, os proprietários da máquina envidaram esforços até serem pagos cerca de um milhão de meticais. Depois disso a desavença cresceu entre as parte porque um exigia o que tinha a receber por direito e outro se esquivava a liquidar a sua dívida.
Voltas e mais voltas, as duas empresas decidiram converter a dívida em apartamento T2. Porém, segundo estes fornecedores, essa casa nunca saiu do papel e onde deve ser implantada cresce caniço com quase dois metros de altura. Nem aterro está feito.
“Somos um projecto incontornável”
– Reage Erik Charas
O responsável pelo projecto “Casa Jovem” ligou-nos, aparentemente de Nova Iorque, nos Estados Unidos da América (EUA) para dizer com todas as letras que a iniciativa por si dirigida é “incontornável”. Sublinhou que vai acontecer independentemente dos detratores que pretendem fazê-lo derrapar.
Naquele telefonema, indicou que tem metas a cumprir e prazos que vai cumprir, que está consciente dos atrasos que, segundo repisou foram decorrentes de problemas internos da sociedade que tinha sido constituída, os quais já estão sanados.
“Fizemos um comunicado conjunto que foi publicado no dia 1 de Outubro no jornal notícias porque era de domínio público que tínhamos desavenças que provocaram atrasos. Mas ultrapassamos essas desavenças de forma amigável e favorável para ambas as partes”, disse.
Segundo Erik Charas, o objectivo agora é levar o projecto avante e que existe uma solução que vai permitir concretizar esta iniciativa para permitir que até ao final do ano 46 famílias tenham acesso às suas casas e até Fevereiro esse número suba até cerca de 80 famílias.
Sublinha que nunca esteve em brigas ou guerras com o antigo Presidente Joaquim Chissano, como se aventa em alguma imprensa. Charaas também se vira para os seus clientes e diz que entende que estejam com “dores de cabeça” porque as casas não estão disponíveis.
Na mesma toada afirma que apesar de compreender os clientes, é bom que se saiba que estes fizeram créditos bancários por livre espontânea vontade. “A responsabilidade é deles”, diz para depois acrescentar que há um conjunto de clientes que optaram por solicitar créditos avalizados pela “Casa Jovem” e estão protegidos. “Outros optaram por fazer corta mato e pagar com dinheiro vivo (cash)e essa responsabilidade é deles. E são esses que estão a trazer problemas”.
Também diz que com todas as dificuldades, o projecto continua com cerca de 600 clientes e que apenas 15 rescindiram contratos por razões diversas e não devido a atrasos de implementação. “Eu assumo os clientes. Tenho 600 problemas para resolver e vou assumir esses 600 problemas. E nem vejo isto como um problema porque estou consciente de que as pessoas querem casas”.
Mais adiante declara que o projecto não vai recuar e que em breve 1058 pessoas irão residir naquele condomínio.
Sobre os trabalhadores, Erik Charas diz que por causa da crise de relacionamento entre sócios foi necessário implementar medidas de contenção que obrigaram a reduzir a mão-de-obra. “O projecto foi desenhado assim com a possibilidade de aumentar e de reduzir postos de trabalho e com metas para os subempreiteiros”.
Diz que existe a possibilidade de existirem trabalhadores com problemas de atrasos de salários. “Temos um pouco de todos os problemas, mas quem lhe disse que está a oito meses sem salário está a mentir. Pode haver um e outro com atrasos, mas não de oito meses. Esses que dizem tem salários em atraso receberam cartas que indicam que vamos pagar”.
Sobre supostos casos de acidentes de trabalho, Charas também, diz que são falsos, pois tinham uma enfermaria de primeiros socorros no local onde as obras decorriam.
Em relação aos fornecedores diz que as dívidas serão amortizadas no quadro do relacionamento existente entre as empresas e que não constitui a verdade que quando os clientes, trabalhadores e fornecedores procuram falar com ele não são atendidos. “Estamos a ir para a frente e já estamos a começar a ter uma reaproximação com a banca. Este projecto é economicamente e financeiramente viável”.
Texto de Jorge Rungo e Angelina Mahumane e Fotos de Jerónimo Muianga