Os últimos dias da minha estadia em férias, na minha terra, são dedicados a um espaço em que normalmente recebo os dirigentes e autoridades locais com quem converso sobre a vida daquela região que, uma vez, um ignorante(?) académico propôs-me publicamente que nunca de lá tivesse saído. Justificava que eu era atrasado tal igual.
Os líderes tradicionais costumam ser os primeiros a saber que já me despachei dos assuntos íntimos. Na mesma ordem pedem licença à madrugada ou no crepúsculo, com a tradicional encomenda aos sovacos. Uma galinha que parece, invariavelmente, apertada ao pescoço à chegada, para anunciar a aproximação da visita. Kuio, kuio, kuio!!!
Os dirigentes da administração são receosos, habitualmente se apresentam na véspera da saída, depois de lerem o ambiente que rodeia a vinda do filho da terra. Se em serviço ou em visita familiar. Ou até, caso sejam recém-colocados, depois de se informarem do sujeito de que só ouviam falar ou viam os seus familiares. Ou ainda, no caso de professores e enfermeiros, para recolherem os jornais que lhes foram trazidos e recebem, infelizmente, uma vez por ano, claro, quando o ampewé (assim me chamam) vem de férias.
Os hóspedes mais complicados são os primeiros, porque na verdade trazem dúvidas e querem saber muita coisa que, se pudesse, da próxima vez, gostaria de levar uma equipa de televisão, para que partilhássemos o verdadeiro debate nacional que sai de gente que acha que não tem dívidas com ninguém.
Dizem-no de boca cheia e justificam que todos os dias comem do seu celeiro, vivem da sua lavra e a única avaliação da economia é se hoje se ficou farto ou não, da comida da campanha que está a terminar, das diferentes culturas ora a secar, a forma que a tradição e o subdesenvolvimento ensinaram como única que conserva os produtos até à safra seguinte.
Desta vez queriam saber se era verdade que eles seriam governados pela Renamo e Afonso Dhlakama, depois do que acham ter sido muito trabalho feito para que tal não acontecesse, razão por que a campanha eleitoral 2014 era não apenas de discussão de ideias, mas contra o ser governado por aquele moçambicano que ocupara a sede distrital de Lalaua, durante 33 dias, em Junho de 1992, deixando atrás de si centenas de pessoas mortas e esquartejadas.
Queriam saber em que terra viveriam caso isso fosse possível, sendo verdade que não querem saber sequer de Dhlakama e do seu partido ou se não eram suficientes para fazerem passar as suas opiniões…
Quando lhes disse que eram poucos demais, porque a maioria da província de Nampula tinha votado nele fintaram-me com esta: afinal não é Mahamud Amurane que ganhou na cidade de Nampula? Entendi o que é Nampula para eles e percebi que já sabem distinguir entre eleições gerais e autárquicas.
Quiseram ainda saber se era verdade que o dito cujo e o seu partido estavam a fazer em Sofala, Zambézia, Manica e Tete, o mesmo que haviam feito em Lalaua em 1992: matar pessoas, queimar machimbombos, disparar de forma indiscriminada e assim matar quem esteja na direcção das balas. Eu respondia, sim!
A pergunta mais difícil foi se era verdade que Dhlakama era filho daquela região onde mata todos os dias… e se tinha mãe, pai, ou ainda se na verdade era pessoa. Foi difícil porque quando eu tentei explicar o fenómeno, tal como se explica academicamente, sobretudo quando há dólares à espreita, achando isso normal e ultrapassável, no sentido de que politicamente Dhlakama seria domesticável apesar dos pesares, lançaram-me uma forte acusação, através duma insinuação: não nos diga que o senhor também um dia poderá virar-se contra nós!!!
Entrementes, em Méti é possível ver a Renamo pendurada em algumas árvores ao longo das picadas ou em palhotas abandonadas, bem como vi o Movimento Democrático de Moçambique, em fugaz passagem pela sede do posto administrativo numa viatura com a sua bandeira içada.
Disseram-me que é o único que dá cara, se bem que ainda não se sabe quem(não se sabe porquê a vergonha…) coloca as bandeiras da Renamo, provavelmente à calada da noite. O MDM pára, conversa com pessoas no mercadinho local e segue o seu caminho. Mas fica a mensagem.
A Frelimo trabalha (distraída?) a mobilizar os seus membros pedindo-os calma, que não haja hostilidades contra a oposição, sendo por isso acusada de pouco fazer para as batalhas que se aproximam. A verdade, porém, ficou-me: é difícil falar (de) política em Méti.
Pedro Nacuo
nacuo49nacuo@gmail.com