Uma criança de três anos de idade, que vive sob cuidados dos seus progenitores na zona da Matola A, província de Maputo, sofre de uma patologia que se caracteriza por deformidade da cabeça.
Trata-se de Severiano Zefanias, que, à sua nascença, já demonstrava que algo não ia bem com a sua saúde, conforme narra sua mãe, Joana Silvestre, de 30 anos.
“Quando nasceu tinha a parte direita da cabeça inchada”. No entanto, naquela circunstância,nenhuma providência foi tomada com vista a descobrir de que anomalia se tratava. A mãe do menino conteve-se e, vinte e quatro horas após o parto, aceitou a alta hospitalar do Centro de Saúde da Matola, levando para casa um problema que posteriormente se transformaria em pesadelo.
Uma semana depois, mediante o agravamento da situação, “voltei ao hospital para reportar que a criança não estava bem”. Na ocasião, foi lhe receitado um “xarope”, sob orientação de que se não melhorasse devia retornar à unidade sanitária.
Não se verificou a melhora, o que levou a que, passadas algumas semanas, voltassem a procurar ajuda médica na Matola, de onde lhes foi passada uma guia de transferência para o Hospital Geral José Macamo. Nessa altura, o bebé tinha dois meses de vida.
No José Macamo acharam que o caso era gravee a solução encontrada foi transferir, por seu turno, a criança para o Hospital Central de Maputo. Aqui foi observada pelo médico: “pegou na cabeça dele… mais tarde recomendou que fosse submetido a um exame numa máquina”, conta Joana.
Para o seu espanto, os resultados indicaram que “a criança não padecia de nenhuma doença”. Perante esta condição “mandaram-nos voltar para casa e cumprir cinco meses de vigilância, findos os quais o meu filho iria repetir o mesmo exame”, lembra.
Nessa longa e agoniante espera, foram sendo administrados medicamentos, designadamente, “xaropes que provocavam diarreias agudas e faziam com que a urina exalasse um cheiro forte”, diz-nos.
E mais: para o desespero dos pais, a criança não desenvolvia fisicamente e a cabeça ganhava uma forma estranha: “crescia e mostrava-se deficiente”.
Ainda assim, pouco se conseguiu em benefício do menor, tanto ao nível do hospital e tão-pouco da família. Com o tempo, a desistência consumou-se, quando ele tinha dois anos, “deixei de ir ao hospital, as condições financeiras obrigaram-me”, justifica-se Joana.
CORPO DE BEBÉ
CARA DE MENINO
Aos três anos, Severiano Zefanias não anda, não gatinha e nem sequer consegue se sentar. A sua compleição física é de um de bebé, mas a cara, de menino.
Para agravar a situação, “não fala e não consegue levar comida à boca”. A mãe sofre, em dose dupla. É que a sua primeira sorte, também um menino, teve os mesmos problemas. Chegou a ser operado à cabeça no terceiro mês de vida, mas “faleceu quando ia completar um ano de idade”.
Os vizinhos, ávidos por lançar palpites, “afirmam que não tenho sorte com rapazes, que as coisas nunca correm bem quando dou à luz bebé do sexo masculino”.
Consequência disso: “andamos à procura (no curandeiro) e encontramos que a família do pai é culpada por esses azares. Eles (a família do marido) fizeram um feitiço quando o meu esposo ainda era criança, e isso está a recair sobre os meus filhos”. Tal maldição ataca somente os rapazes: “tenho três meninas saudáveis, nunca me deram problemas”.
No curandeiro, o remédio para livrar Severiano consistiu em “um banho nele e no pai”. A acção trouxe conforto para Joana que acredita que a medicina tradicional garante que o seu filho esteja vivo até hoje. Seus cabelos ficam em pé, quando pensa em entregá-lo, exclusivamente, ao hospital. “Receio que o meu rapaz perca a vida à semelhança do outro”.
PRECISAMOS DE AJUDA
Desafiada por uma dúvida cruel: seguir ou não o tratamento hospitalar, Joana é, entretanto, obrigada a conviver com outra dor. Zefanias Titos (pai de Severiano) é deficiente físico: tem uma bala alojada num dos membros inferiores, que o faz caminhar com dificuldades.
Lançar apelos por ajuda, é a pretensão avançada por esta família: “precisamos de tudo: dinheiro, vestuário, calçado. O pai trabalha mas não recebe com regularidade. Ficamos meses a fio sem dinheiro”, desabafa.
Devem procurar ajuda médica
– Fernando Mathe, porta-voz da AMETRAMO
Ao procurarem soluções na medicina tradicional os familiares do menino viram-se diante de um diagnóstico que os remeteu a um mundo oculto. Culpados foram encontrados para a mazela que acomete o menino.
Esta acção é condenada pela Associação dos Médicos Tradicionais de Moçambique, através de Fernando Mathe, seu porta-voz, que considera que se tratou “de uma perda de tempo, pois em situações daquela natureza deve-se inclinar prioritariamente para ajuda hospitalar”.
No seu entender, “ trata-se de uma doença que parece estar ligada à má-formação da criança no ventre da sua mãe, daí que não há conhecimento tradicional que possa resolver isso, excepto se se tratasse de xilala, um problemaque se caracteriza por dilatação da cabeça, motivada por amolecimento da parte frontal, que leva a crises de saúde e choros constantes por parte da criança”.
Nestas circunstâncias, recomenda-se que ela passe por um tratamento, conhecido na zona Sul como ku tsivelela, que consiste numa prática tradicional, finda a qual a criança passa a tomar um medicamento que resolve o problema.
De qualquer forma, Mathe não afasta a possibilidade de haver uma colaboração da medicina tradicional no caso do menino em causa, mediante o diagnóstico correcto a ser dado pelo hospital. “Nós estamos preparados para colaborar em caso de necessidade”, afirma o porta-voz da AMETRAMO.
Estamos prontos para o receber
– Dra. Eva Timóteo, neurocirurgiã
Dados colhidos pelo domingo indicam que o problema do menino Severiano é um de vários registados e tratados no Hospital Central de Maputo (HCM).
É que, de acordo com Eva Timóteo, médica neurocirurgiã, “a princípio, se trata de hidrocefalia, uma condição na qual se verifica o aumento do perímetro do crânio, devido ao desequilíbrio entre a produção e a reabsorção do líquido cefalorraquidio, dentro da cabeça”.
Conforme explicou, este problema tem várias causas: “podem ser infecciosas, congénitas, tumorais, entre outras”, sendo que provoca uma série de sintomas que podem se caracterizar por crescimento da cabeça, apresentação de um couro cabeludo com veias visíveis, convulsões, entre outros.
Para o caso de Severiano, torna-se importante avaliá-lo de perto, “através de um exame complementar de diagnóstico designado por TAC, Tomografia Axial Computorizada,de forma a se aferir se se trata, de facto, de hidrocefalia”.
Assim sendo, “convidamos os pais da criança que se dirijam ao HCM, onde estaremos prontos para recebê-la, para que siga o processo necessário que poderá culminar com a resolução do problema, ainda que não seja na plenitude, uma vez que, a se confirmar o diagnóstico de hidrocefalia, a intervenção deveria ter sido iniciada nos primeiros dias de vida da criança”, apelou Eva Timóteo.
Texto de Carol Banze
carolbanze@snoticias.co.mz
Fotos de J. Capela