Joel Matias Libombo, antigo ministro da Juventude e Desporto, hoje docente na Universidade Pedagógica, defende que se faça uma revolução no modelo de formação de atletas em Moçambique. Sustenta que a escola é o lugar ideal para moldar os futuros campeões do que propriamente os clubes como insistentemente o país está a fazer.
Um dos fundadores do Ministério da Juventude e Desporto, Joel Libombo aceitou abordar com o domingo exclusivamente o tema de formação de atletas no país. Traça um cenário sofrível do sector e insiste que perante os factos, os argumentos devem gravitar a volta do desporto escolar para Moçambique voltar a ombrear em várias modalidades com as melhores nações do continente.
No Conselho Coordenador do Ministério da Juventude e Desporto, ao qual foi convidado, defendeu a criação duma instituição para gerir o desporto escolar. Qual é o fundamento dessa ideia?
A minha reflexão passou por experiências que resultaram, quer a nível dos anglo-saxónicos, quer doutros países, no contexto que tem de gestão do desporto escolar, que passou pela criação duma instituição do estilo da União do Desporto Escolar que vem plasmada na regulamentação mas que não funciona, que se deveria dedicar única e exclusivamente aos jogos escolares e acrescentei a toda a nossa juventude até aos 14 anos. Toda esta juventude devia estar sob alçada duma instituição, para não chamar da União do Desporto Escolar, porque temos mais de um terço desta faixa etária fora da escola. Os clubes estão em crise, mal se aguentam com os seniores, então seria essa instituição que teria o apoio das empresas como Coca-Cola ou Milo, e doutros torneios episódicos que se realizam. Os meios financeiros iriam para essa instituição e funcionariam como uma forma de movimentação desta actividade desportiva e regular com o aproveitamento de todas as infra-estruturas. Dói muito andar pela cidade, pelo país, e ver campos vazios. Não tenho em memória da minha juventude, da minha infância, imagens destas, ferem-me. É preciso ocupar estes lugares.
Ocupar como?
Recordo-me que quando faleceu Joaquim João, eu disse que era triste estarmos a lamentar a partida daquela figura porque os atletas antigos, estes talentos que saem da actividade, têm de ir ficar nesses campos vazios. Os de basquetebol como os Simangos, todos esses, deviam ficar nesses campos três vezes por semana e terem algum valor para sobreviverem que partiria destas contribuições. A gente gasta rios de dinheiro nesses torneios de mini-básquete, básquete-"show". Apoiariam também as velhas glórias no sentido de poderem dar o seu contributo e não se sentirem frustrados por terem servido bastante o país e não serem devidamente compensados.
REPENSAR OS
JOGOS ESCOLARES
Como integrar os jovens do desporto escolar na alta competição?
Seria muito mais fácil. Os clubes ficariam sem encargos de juniores e juvenis que não têm. Os clubes teriam a liberdade de, além de apoiarem com os seus técnicos, irem buscar esses atletas. Já não teríamos nos jogos escolares o problema da falsificação de idades porque eles iam jogando, tentariam fazer o melhor para que os clubes os escolhessem. Os clubes iriam buscar esses jovens a custo zero e haveriam de integrá-los nas suas equipas.
Considera negativo o impacto dos Jogos Escolares?
Os Jogos Escolares visam, acima de tudo, massificar o desporto e servem também de amostra de potenciais atletas federados, porque é prática corrente a participação de olheiros das federações e clubes, deste modo, seria feita a detecção de vários jovens talentosos. Este movimento claramente tem vindo a produzir resultados positivos. Mas também há aspectos negativos que persistem até hoje. Continuamos a ter práticas não éticas de alguns técnicos, gestores e participantes no movimento.
Que práticas?
São exemplos a falsificação de idades estipuladas pelos regulamentos, os critérios tendenciosos na selecção dos alunos, ficando muitas vezes de fora os melhores e os mais capazes; a inobservância do “fair-play”, tanto por parte dos alunos como dos professores, bem como dos juízes.
Nesse modelo, que papel teriam os clubes na formação de atletas?
Clubes com capacidade criariam centros especiais onde podiam especializar os atletas. A federação tem capacidade para articular isso, o Comité Olímpico tem possibilidade de colocar esses jovens em competições como Jogos Olímpicos da Juventude. Dentro dos acordos de cooperação, esses jovens talentosos, como forma de estimulá-los, poderiam ir beneficiar de bolsas como fizemos antigamente com atletas como Tina da Glória, Paulo ou Lurdes Mutola. Portanto, haveria um encadeamento sem dificuldades, sem sobressaltos e sem problemas de falsificação de idades.
Porquê defende a realização de festivais dos Jogos Escolares de quatro em quatro anos?
Não tenho um pensamento muito personalizado, mas sinto que a situação financeira do país poderá empurrar-nos para um lado. Estamos a ser pressionados internacionalmente e logicamente a nível doméstico teremos de repensar. Não estou a ditar, mas estou em crer que acabar com os festivais de dois em dois anos e alargar para quatro anos é capaz de trazer vantagens. Normalmente o desporto funciona em ciclos de quatro a cinco anos. Seria um período razoável para avaliarmos a evolução dos atletas e do trabalho desenvolvido.
O que pensa da qualidade de formação dos professores de Educação Física?
Penso que se está a pensar muito seriamente em ajustar a formação à realidade moçambicana. É preciso ajustá-la para que responda à realidade. No passado colocámos alguns jovens da minha geração no exterior e saíram ajustados a padrões ocidentais. É um fracasso. Foi um fracasso.
Sugere outro tipo de modelo?
No nível médio tivemos um modelo. Tivemos o curso de sexta mais cinco, depois tivemos a nona mais três, e saíram muitos estudantes, dos melhores fazem parte Inácio Bernardo, Gandá, entre outros. Foram muitos jovens que vinham do desporto, entraram, participaram e estão a ser duma utilidade bastante, são o grande suporte do desporto até hoje e os cursos de equiparação foram muito bons.
Não é um paradoxo termos mais instituições superiores de ensino do desporto e os resultados regredirem?
Não é só no desporto. Há um inflacionamento, talvez necessário, nas acções de formação superior, mas falta a componente técnica, de ensino técnico, muito mais especializado, que trouxe muitos bons resultados para nós. Até 1982, quando fizemos os terceiros Jogos Escolares, e saímos para os Jogos Africanos, tínhamos atletas muito bons saídos dos Jogos Escolares. Até 1982 estávamos nivelados com Angola em basquetebol e andebol e, passados uns cinco anos, eles aprenderam da nossa experiência, foram buscar jovens grandes e avançaram e nós ficámos atrás. Eles hoje estão noutra galáxia e nós estagnámos.
Como foi possível se até temos mais quadros formados nas universidades que antigamente?
Isso é verdade, mas o tempo da guerra também nos prejudicou bastante, toda aquela dinâmica, aquele movimento, esmoreceu. A guerra aí, digam o que disserem, também nos prejudicou bastante no desporto escolar.
Mas Angola também teve guerra.
Sim, eles encontraram soluções que nós não tivemos e a nossa guerra foi muito destruidora.
Repensemos as modalidades prioritárias
Continua a defender, como no passado, a gestão do desporto moçambicano com base em modalidades prioritárias e secundárias?
Acho que é altura de se repensar, de igual forma que em várias áreas a descentralização da gestão das coisas no país, as províncias e os distritos, está a transformar-se. As províncias e distritos têm de ter uma palavra de acordo com as possibilidades antropométricas, geográficas, ambientais e outras. Devemos considerar onde há rios, lagos, etc. Pode-se dar essa oportunidade a essas provinciais e distritos para poderem planificar e ver de acordo com a tradição existente aquilo que pode merecer maior atenção. É um assunto que sei que está a ser discutido e eu não posso intervir. Há experiências das províncias que estão a ser discutidas a nível do ministério.
Mas a partir do momento em que o financiamento é diferenciado, não estamos a dizer que há algumas modalidades mais importantes que outras?
De acordo com aquilo que o Governo decidir, os critérios de financiamento serão repensados.
Clubes não têm
capacidade para formação
Como articular essa formação com aquela que é feita nos clubes e academias?
Acho que os clubes não têm capacidade, estamos a insistir demasiado nos clubes ou com um formato de clube que já não deveria estar a funcionar nos actuais moldes. Estamos com receios das revoluções. Estamos com receios das mudanças. Se calhar agora com esta crise financeira tenhamos coragem de repensar no desporto. E o mérito da direcção do ministério é estar a repensar no desporto escolar como uma base para catapultarmo-nos a nível da região, do continente e do mundo. Eu não tenho solução aqui, eventualmente criando-se esse desafio duma reflexão profunda a partir das decisões do Conselho Coordenador e aconselhar o Governo a tomar medidas de avançarmos com muita seriedade a agressividade para o ponto de viragem que fomos adiando ao longo destes anos.
Pensa que o profissionalismo advogado nos clubes é uma situação insustentável a longo prazo?
Não tenho ideia final, mas a situação financeira, os grandes problemas com que nos deparamos, desde os clubes grandes aos pequenos, de pagamento de salários aos atletas, a desmotivação que há, os elevados custos que os próprios organizadores e patrocinadores apresentam, eu coloco uma interrogação, não quero ser fatalista, mas coloco alguma interrogação no sentido de que há que repensar e é urgente.
Custódio Mugabe
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