Dirigentes, técnicos, antigos atletas e estudantes de desporto aprofundaram em Maputo, durante dois dias, métodos de trabalho tendo em vista o seu enquadramento internacional e a melhoria de resultados desportivos, numa iniciativa da “Ídolo” que trouxe a Moçambique experts portugueses e sul-africanos em várias matérias.
Dos dez temas submetidos à discussão, nota dominante foi o papel determinante que o gestor desportivo desempenha no quotidiano de qualquer agremiação, tendo sido Muhammad Sidat o protagonista dos assuntos mais envolventes.
Mestrado pela FIFA em Gestão Desportiva, Muhammad Sidat centrou-se naquilo que deve ser um bom gestor desportivo, apontando algumas lacunas do sistema actual moçambicano.
Conforme defendeu, o desporto deixou de ser apenas um jogo, tornou-se num negócio rentável e Moçambique deve buscar essa rentabilidade nas várias modalidades. “Os clubes continuam a pensar em orçamentos mensais e anuais porque os gestores querem resultados imediatos, isso por falta de preparação”.
Segundo fundamentou, as entidades desportivas moçambicanas estagnaram, as pessoas que decidem nos clubes reduziram significativamente e urge encontrar fórmulas de ultrapassar essa situação. Também é tempo de apostar forte no uso de tecnologias de informação e comunicação.
Sustenta que é preciso dar alguma autonomia aos níveis abaixo da direcção para decidirem sobre certas situações. “Em Moçambique para tratar da hospedagem dum clube ou selecção estrangeira, o próprio presidente do clube ou federação envolve-se a 100 por cento. É necessário descentralizar a tomada de decisões”.
Também é importante o gestor conhecer as ferramentas legais da sua modalidade e da prática do desporto no geral, como temas ligados à segurança para transmitir aos treinadores e atletas.
– O gestor deve estar capacitado para transmitir o seu projecto, tem de ter capacidade para ir buscar investimento porque, no fundo, a gestão desportiva advém da gestão de empresas. Um bom gestor consegue motivar a sua equipa de trabalho e delega funções, sabe construir e gerir as equipas e cobrar resultados.
Questionou por que razões em Moçambique as pessoas que ganham aptidão no desporto não têm um mecanismo de inserção no mercado de trabalho. Sugere a criação de oportunidades de trabalho através de concursos públicos claros e transparentes.
– Não existem programas contínuos para gestores desportivos, não podemos depender apenas de entidades governamentais. A forma como as organizações estão a ser lideradas indica-nos que não estamos no caminho certo.
Muhammad Sidat criticou o sistema de qualificadores que está a ser ensaiado pelo Ministério da Juventude e Desporto, o qual advoga, por exemplo, que um presidente da federação deve ser um graduado com curso superior.
– Pelo Mundo fora não funciona assim. Qualquer gestor desportivo sem recursos não vai além. Aqueles que conseguem trazer recursos ao desporto devem ser devidamente valorizados mesmo que não sejam licenciados ou mestrados em gestão do desporto.
No seu bloco de receitas, o orador destacou a necessidade dos clubes e federações funcionarem com base numa gestão estratégica, a qual preocupa-se em como atingir resultados a longo prazo, diferenciando-se, por isso, da gestão quotidiana.
“Em Moçambique há uma tendência de definir metas e objectivos e não prever os respectivos planos de acção. Não é correcto, devemos definir os indicadores e respectivos prazos, os responsáveis de execução. Cada departamento deve ter um plano estratégico, refiro-me por exemplo ao marketing, técnico, médico, etc.”.
Gestor deve ser inovador
–Cremildo Gonçalves
Cremildo Gonçalves recomenda aos gestores desportivos para saírem da rotina e inovarem para obter melhores resultados. No seu entender, vários factores concorrem para a qualidade do jogo, desde a segurança ao conforto dos espectadores.
Antigo futebolista e actualmente docente na Universidade Eduardo Mondlane, Cremildo Gonçalves critica o facto de no país construírem-se campos e bancadas e esquecer-se do conforto, obrigando, por exemplo, os espectadores a encostarem em muros para urinarem.
Lamenta o facto de os formandos nas instituições do Ensino Superior enfrentarem dificuldades de inserção no mercado de trabalho. “Os clubes e federações continuam a apostar apenas nos ex-praticantes”, protestou.
Reconheceu que as competências de antigo jogador podem ser transferidas para o novo dirigente, mas não respondem totalmente para esse gestor fazer bem o seu trabalho.
– Só podemos mudar se houver profissionalismo, o que implica concursos públicos transparentes e os clubes sentirem que isso é fundamental. O empirismo e a intuição já não respondem aos desafios, É crucial que o gestor saiba discriminar com clareza os manifestos eleitorais dos planos estratégicos.
Aliar o desporto
à formação escolar
–Clarisse Machanguana
Clarisse Machanguana, antiga basquetebolista, foi uma das intervenientes no seminário referenciado. Apontou a necessidade duma formação desportiva paralela à escolar, para que os jovens não olhem para o desporto com desconfiança em relação ao seu futuro.
– Eu tive a sorte de estudar, mas uma grande percentagem dos nossos jogadores quando acaba de jogar torna-se desgraçada. Não tem o que fazer, pode ser um dos poucos que cai na percentagem de inteligentes e é aplicado como treinador. Não dura muito, porque sem estudo prévio assume uma missão onde se requer resultados. Nós que aplaudimos por anos, o que fazemos para que eles tenham um chapéu depois?
Clarisse advoga a introdução dum sistema que obrigue os clubes a encaminharem os seus atletas às escolas, pois há casos de jogadores que até recebem subsídios para estudarem mas não o fazem. “Mesmo nas saídas para representar a selecção nacional não há tutela académica”.
Defende uma reestruturação do desporto nacional. “Muitas vezes quando fracassamos em grandes competições, a culpa primeiro vai para o treinador ou jogador, nunca é visto no geral. Nunca se pergunta como foi preparado esse atleta que perdeu”.
– O desporto é um adesivo para salvar um momento difícil ou para nos iludir que estamos a ir muito bem. Há questões que têm de encontrar respostas concretas. Há clubes que só têm seniores. Quando acaba aquele nível bonito não há continuidade porque não se prepara nada antes e sempre se culpam os atletas. Se temos um campeonato em três meses o que se está a fazer?
Custódio Mugabe
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