Início » O bandolim está vivo

O bandolim está vivo

Por admin

Ernesto Francisco Zevo iniciou os seus passos artísticos durante a pastagem de gado, aos 10 anos de idade. Com recurso a uma lata e fios de pesca, criou na época a sua primeira guitarra.

A ideia era, para além de pastar, fazer algo para passar o tempo e em simultâneo alegrar o espírito. No entanto, o tempo passou e sagrou-se num grande artista nacional. Hoje é conhecido por Ximanganine e integra o conjunto “Os Galtones”.Até há pouco, era único executor do bandolim, mas não será o último, porque ensina estudantes da Escola de Comunicação e Artes (ECA), da Universidade Eduardo Mondlane (UEM), a dedilhar o delicado instrumento. 

Nascido em Xai-xai, distrito de Zongoene, província de Gaza, em 1948, Ximanganine aprendeu a tocar o bandolim, no longínquo ano de 1979, com o icon da música ligeira moçambicana, Fany Pfumo.

Desde então nunca mais parou e hoje transmite esse conhecimento aos seus estudantes de música, da ECA, no quadro de um projecto de imortalização do uso do bandolim no país, tendo em conta a riqueza sonora que o mesmo encerra, entre outros.

Aliás, foi mesmo na ECA onde o fomos encontrar. Quando chegamos, tinha terminado de leccionar mais uma aula de guitarra (seu outro forte). Trajava uma camisa azul, mangas cumpridas, às riscas, calças formais castanhas e tinha óculos de fotogray de tom acastanhado.

Ximanganine era todo de boa disposição e conduziu-nos a uma sala de aulas repleta de instrumentos musicais. Da simples guitarra, ao piano, saxofone, congas, bateria, flautas, entre outros. Um reino de sons que se mantinha em silêncio porque os executores tinham terminado as sessões lectivas.

Distante dos holofotes há meses, foi muito aberto para falar-nos do seu dia-a-dia na escola e na música, enfim da sua vida.

Segundo conta, o convite para ensinar os estudantes de música a tocar bandolim foi muito oportuno, tendo em conta que sempre mostrou-se interessado em passar seu legado aos mais novos.

Apesar de não ter uma formação superior de música, conta que não tem tido dificuldade em lhe dar com os seus 14 estudantes. Uma vez que todos têm se mostrado bastante atentos e interessados em aprender.

“Os estudantes estão a assimilar muito bem a matéria. Garanto que nos próximos anos já não serei o único que sabe lidar com este instrumento no país. Estão muito empenhados e a cada aula que lecciono sinto que têm desenvolvido cada vez mais”, acresceu.

Ximanganine afirmou que o seu professor de bandolim foi Fany Pfumo, que era um exímio executor do instrumento. Mas, recorda que não foram aulas fáceis uma vez que Fany era bastante exigente. “Para aprender tive de ser muito dedicado. Valeu-me muito ter estado com ele, pois era um grande revolucionário da música moçambicana. Posso até dizer que era um herói. Muitos, ainda hoje, inspiram-se nas suas composições, rematou.

PASTAGEM OBRIGOU-ME A CANTAR

 Ximanganine revelou que devido à pastagem de gado, que era missão “obrigatória” para a pequenada da época na sua região, não teve a oportunidade de frequentar a escola quando criança. “Só aprendi a tocar guitarra para passar o tempo enquanto apascentava o gado. Caso não cumprisse com o meu dever não tinha direito a refeições. Essa era a regra daquele tempo. E os mais velhos ainda nos perguntavam: queres ir à escola? Tal escola come-se?”, recorda.

Aos 18 de idade, Ernesto Ndzevo conseguiu “fugir” dos bois, vacas e cabras e rumou para Maputo. Já na cidade “prometida” teve a oportunidade de conhecer Aurélio Mondlane e António Marcos, membros fundadores do conjunto “Os Galtones”, em 1963.

Porque paulatinamente a música foi roubando um espaço enorme em seu coração, e já não vivia sem ela, em 1965 decidiu juntar-se a este grupo, que recentemente celebrou 50 anos de existência. Segundo conta, a sua inserção no grupo foi importante pois fê-lo perceber que era possível alcançar outros objectivos como técnicas de expressão, ganhar algum dinheiro, conhecer pequenos e grandes palcos, enfim ter uma melhor dimensão do mundo.

PROFISSIONAL DA RM

Num outro momento, o artista revelou que o nome Ximanganine foi lhe atribuído na década 90 porque trabalhava com Aurélio Mondlane, que tinha uma música com esta designação. “Quando as pessoas me atribuíram o nome não protestei. E assim ficou. Aliás, o Aurélio Mondlane, que era o dono da música, era meu parceiro e não via mal nenhum na designação. Sem contar que achei diferente”.

Em 1977 ingressou para o quadro de pessoal da Rádio Moçambique (RM) como auxiliar de secretaria. No entanto, em 1979, aquando da formação da Banda RM, manifestou seu interesse em fazer parte da mesma. Fez uma carta dirigida ao director da RM, Rafael Maguni, na qual expressava sua total disposição em fazer parte daquela agremiação.

Quando a carta foi aceite, juntei-me a músicos como Zeca Tcheco, Pedro Ben, Wazimbo, Milagre Langa, Alexandre Langa, entre outros. A partir deste momento passei a estar com “Os Galtones” e o “Grupo RM”. A música se tornou um assunto muito sério para mim e os desafios aumentaram, disse.

Conta ainda que fez a sua carreira profissional na Rádio Moçambique onde exerceu várias funções, como a controlador, produtor e oficial de administração, esta última que desempenhou até à aposentadoria. Também trabalhou com diversos músicos como Alexandre Langa, para quem era percussionista e viola ritmo,Abílio Mandlaze, Lisboa Matavel, António William, entre outros músicos.

Refira-se que os Galtones lançaram recentemente um disco designado “50 anos dos Galtones”. Os membros do grupo vendem pessoalmente o disco por forma a evitar piratarias.

Em nome do grupo, Ximanganine refere que “gostaríamos de fazer até um grande espectáculo, capacidade não nos falta, o problema é indisponibilidade de financiamento”.

Frederico Jamisse e Maria de Lurdes Cossa

Você pode também gostar de: