O norte da província de Gaza parece caminhar à uma velocidade mais lenta. A seca e falta de infra-estruturas figuram como “cancro” para vários governos. Em entrevista exclusiva ao domingo, a governadora desta província, Stela Pinto Zeca, explica que tudo passa pela necessidade de uma planificação mais consentânea às particularidades daquela região, onde só para abrir um furo é preciso escavar cento e cinquenta metros.
Ademais, a governante sublinha a necessidade de avultados investimentos em infra-estruturas de irrigação, destacando pequenas e grandes barragens. Segue a entrevista em discurso directo.
Senhora Governadora, aparentemente o norte de Gaza continua a ser o “parente pobre” do Estado, não revelando sinais de desenvolvimento. O que está acontecendo?
É importante conhecermos bem o norte de Gaza. Muitas vezes pensamos que conhecemos, mas quando entramos em contacto real com a região, aí compreendemos que não. Vamos dar exemplo de alguns projectos desenhados sem olhar concretamente para especificidades locais. Todos os anos, há programação para furos de água, onde é indicado o custo de um furo. Podemos ter como referência Xai-Xai, onde um furo vai custar mais ou menos 400, 500 mil meticais. E quando fazemos um projecto para zona norte, olhando, por exemplo, para Chigubo, aquele valor que deveria ser usado para fazer trinta fontes só dá apenas para cinco, sete, fontes.
Em Xai-Xai vamos encontrar água a 30, 40 metros de profundidade, e em Chigubo está acima de 150 metros de profundidade. Como pode ver, o custo ultrapassa aquilo que estava programado. Posso dar mais exemplos, como a construção de hospitais. Há um critério estabelecido segundo o qual para determinado número de população deve haver um posto de saúde. Verificamos que este número-padrão só exista na capital provincial, Xai- Xai. Em Chigubo não, porque a densidade lá é de dois habitantes por quilómetro quadrado em média. São estes exemplos que eu dou das particularidades da zona norte, que muitas vezes não temos em consideração na altura da programação e olhamos para Gaza no geral. Xai-Xai e Massangena têm particularidades completamente diferentes…
E o que está projectado em função destas particularidades?
Vou falar das fontes de água. Está claro para nós que devemos negociar mais com os nossos parceiros, em termos de orçamentação. No norte de Gaza fazer uma habitação é extremamente caro. Só pela distância gasta-se dez horas para se levar material. O orçamento deve ser feito, portanto, de outra forma.
Em termos de abastecimento de água, estamos a falar, por exemplo, de furos multifuncionais. Se nós encontrarmos uma fonte com água potável, que está acima de cento e cinquenta metros, deve ser aproveitada ao máximo. As novas fontes que estamos a fazer na zona norte são furos multifuncionais, porque para nós não interessa muito ter furos que não vão servir à população ou que em seis meses já não conseguem prover água para todos.
Com os sistemas que usamos agora (de furo multifuncionais), obtivemos melhor rendimento porque são movidos por painéis solares. Trata-se de sistemas que, para além de fornecerem água às torneiras para consumo humano, visam igualmente o abeberamento de gado.
Muitos parceiros estavam a financiar fontes com bombas manuais. Nós agora preferimos que nos dêem metade de número de fontes, mas fontes que podem ser usadas pela comunidade.
Estamos também a pensar em pequenas áreas de expansão para irrigação onde é possível produzir hortícolas ou multiplicar sementes de batata-doce até mesmo de mandioca.
Mas há quem diz quenão há agricultura na zona norte?
Há um rio que passa por Mapai. Em Massingir também. Em Massagena, no limite, temos lá o Rio Save. Por mais que a principal actividade seja a pecuária, devemos priorizar também a agricultura. Foi neste âmbito que foi feito um projecto de cinquenta e seis kits de rega visando aproveitamento integral das zonas baixas. Temos que educar as nossas comunidades que aquela agricultura de enxada, aquela agricultura de esperar a chuva já não é funcional. Então estamos neste momento a delimitar, a impulsionar os nossos serviços distritais a fazer aproveitamento das zonas baixas. Ensinamos o produtor que não é para produzir só para se alimentar. Deve alimentar também zonas onde não conseguem ter água. Produzir para socorrer nossos irmãos noutras áreas que não tem a mesma vantagem de ter água por perto…
“NÃO ESTAMOS SATISFEITOS
COM ALGUMAS ONGs”
A falta de água é mesmo um problema crónico no norte de Gaza. No concreto quantos furos foram feitos?
É importante referir que não actuamos sozinhos como Governo. Temos lá parceiros. Há dias tivemos um encontro com organizações não governamentais (ONGs) e constatamos que aquilo que foi projectado na verdade não foi alcançado na íntegra. O que demos como recomendação foi alterar tudo isto para que nos possam dar exactamente quantas fontes de água temos para cada um dos locais. Vamos dar exemplo de Chigubo. No ano passado nós dissemos que queríamos pelo menos cinco pelo Orçamento do Estado. Dos cinco com tanta ginástica conseguimos quatro multifuncionais. No entanto há vários projectos das ONGs que nesta altura estão a redimensionar para que nos possam dizer quantos furos vão fazer por ano, e não nos dizerem no final do projecto.
Estamos a fazer a compilação de dados nesta ordem, porque era difícil fazer monitoria. Em 2016 não obtivemos bons resultados com muitos dos nossos parceiros. E quando perguntamos a resposta é: nós dissemos até 2019.Então, não gostava de lançar agora os números planificados porque não foram bem programados, não nos dizem em cada ano quantos furos vão fazer…
Falemos agora dos projectos de irrigação em grande escala. O que estará acontecer com a Barragem de Massingir?
A Barragem de Massingir alimenta o Regadio de Chókwè. O Baixo Limpopo depende também da Barragem de Massingir. Penso que sabem que em 2008 houve um acidente que rebentou o descarregador de fundo, aquele que nos ajuda a tirar água quando a cota está muito abaixo. Quando está acima normalmente causa cheias. As obras que foram priorizadas eram do descarregador auxiliar que foi felizmente inaugurado no ano passado.
O descarregador auxiliar está completo mas é para cheias. Como sabe, não tivemos cheias este ano. Tivemos seca. Quando temos seca significa que temos água na barragem mas não temos capacidade de tirá-la por causa do descarregador de fundo que ficou danificado em 2008.
O que se fez na altura foi um descarregamento de emergência. Tivemos equipas de Ara Sul que nos aconselharam, tecnicamente, sobre uma alternativa para que pudéssemos irrigar os campos.
No dia 12 de Fevereiro tomou-se a decisão de, com todos conselhos técnicos, arriscar-se neste descarregamento porque havia muitas culturas no campo que podiam ser perdidas…
Em que zonas?
Em Chókwè, Massingir e mesmo Xai-Xai. O que aconteceu foi que houve este descarregamento que era uma operação, como disse, de risco. As vibrações eram analisadas ou medidas periodicamente e chegou-se a uma altura que se viu que estávamos a colocar toda esta estrutura em risco. O que podia acontecer era rebentar com toda ela é não termos uma alternativa para sempre. Assumimos o risco, pois havia necessidade de se fazer qualquer trabalho.
Mais tarde suspendeu-se esse descarregamento de emergência e foi-se pensando em mil e uma alternativas. Neste momento está-se em obras no descarregador de fundo. Quando foi feito o descarregamento de emergência paralisou-se as obras, mas já retomaram.
Mas depois foram ensaiadas alternativas sobre como fazer para se aproveitar aquela água. Uma equipa multidisciplinar foi estudando todas possibilidades e tivemos experiências de outros países. Houve uma proposta de 4.5 milhões de dólares para a empreitada, contudo não é fácil mobilizar-se esse valor. Trabalhamos na busca de investimento menos oneroso, próximo de três milhões de dólares.
Já foi seleccionada uma empresa e há um esforço para se avançar na colocação de novas bombas. Enquanto isso, vamos preparando as nossas comunidades para que saibam que é preferível esperarmos um bocadinho ao invés de arriscarmos e rebentarmos a barragem…
Areias pesadas de Chibuto
ainda em “banho-maria”
O projecto de exploração de areias pesadas em Chibuto gerou grandes expectativas de desenvolvimento daquele distrito em particular e da província no geral. Contudo, não são reportados avanços até ao momento…
Quando assumimos a direcção da província, procuramos compreender porque não se avança. Andamos atrás dos papéis para saber o que foi acordado, quem são os responsáveis. Estamos à espera. Havia cronogramas que já não reflectiam a realidade e havia prazos que não estavam a ser respeitados. Contudo os investidores confirmaram-nos que estavam ainda interessados. Ajustaram o cronograma e comprometeram-se em agir a partir de Março.
Quando aproximou Março, chamamos os investidores novamente para que nos dissessem o que se passa, se já desistiram ou não. Disseram-nos que iriam fazer reflexão tendo em conta o preço das areias pesadas, que já não é o mesmo. Deram-nos exemplos, referências de empresas que tiveram que reduzir a mão-de-obra, e o que nós fizemos foi ouvir e dizer que o que a nos interessa é uma posição se ficam ou não…·
Tudo indica que a necessidade de criação de um corredor logístico para escoamento da matéria-prima destaca-se como factor de peso na viabilização do projecto……
Se nós fizermos transporte de areias pesadas nas nossas estradas poderemos diminuir o seu tempo de vida. Deste modo pensa-se que é vital uma alternativa deste corredor, uma ferrovia para transporte. Mas tudo isso é complementar. É preciso fazer esse corredor, relacionado com infra-estruturas para escoamento. Ou seja: os investidores querem uma acção do Governo relacionada com infra-estrutura de escoamento. Querem também uma acção relacionada com a capacidade de energia que possa ajudar a fábrica…
Não registamos
óbitos devido à seca
Gaza foi severamente fustigado pela seca. Que avaliação faz da incidência do fenómeno?
Já estivemos muito pior. A cada semana recebíamos informação de morte de gado, destacando-se Chibuto com particular incidência em Changanine, Alto Changane.
Chicualacuala, Massangena, Massingir e Chigubo, ou seja, a zona norte quase toda esteve igualmente em crise.
Naquela altura preocupava-nos, primeiro, água para abeberamento de gado e depois escassez de pasto. Não temos depósitos para tirar alimentos para o nosso gado. Nessa altura foi complicado agir.
Para população humana movimentamos camiões-cisternas com água, mobilizando empreiteiros e outros parceiros. Foi estabelecido mecanismo de distribuição de água que até ao momento algumas comunidades recebem. Este trabalho está a ser feito há mais de oito meses.
Como sabem a distribuição de comida também tem sido feita. Ainda que não seja em quantidade suficiente apoiamos as zonas críticas. Acho que foi por isso que não registamos uma única morte directa por causa da fome.
Penso que apesar de não ter sido boa a situação, não foi de muito alarme porque conseguiu-se diminuir o impacto da falta de comida para as nossas comunidades. Pena que muitas crianças desistiram da escola porque os pais levaram-nas para uma zona onde há algum abeberamento de gado, onde a fonte não estava seca…
Quantas pessoas foram afectadas?
No princípio falávamos de setenta e uma mil pessoas. Depois passamos para mais de duzentas mil…
Texto de Bento Venâncio
bento.venancio@snoticicas.co.mz
Fotos de Inácio Pereira