O Parlamento moçambicano decidiu criar uma comissão de inquérito para averiguar os contornos por detrás dos quais foi contraída a divida pelo Estado, avaliada em 11.64 mil milhões de dólares americanos, sem que o governo tivesse cumprido os preceitos legais, tornando-se deste modo no actual mote de discórdia tanto entre os moçambicanos como diante dos parceiros de cooperação.
A presidente da Assembleia da República, Verónica Macamo Dlhovo, com efeito, disse que a comissão parlamentar do inquérito será criada logo que as condições legais estiverem criadas. A Frelimo e o MDM defendem uma comissão constituída por deputados, enquanto a Renamo entende que deve incluir membros da sociedade civil e outros actores.
Por seu turno, o Primeiro-ministro, Carlos Agostinho do Rosário exorta aos deputados em particular e os moçambicanos em geral a aguardarem serenamente pelas investigações e sem interferências do trabalho em curso até à conclusão do inquérito.
O Governo esteve em peso na quarta e quinta-feira ultimas na Assembleia da República (AR), para em plenário esclarecer aos deputados sobre os contornos da dívida do Estado, bem como os mecanismos em curso para a sua liquidação e responsabilização às empresas beneficiárias.
Com efeito, o Primeiro-ministro, Carlos do Rosário afirmou que do debate havido ficou com a convicção de haver necessidade de se reforçar a legislação relativa aos procedimentos e critérios da contracção da dívida e de emissão de garantias pelo Governo.
Na ocasião, o governante afirmou que os órgãos da administração da justiça, nomeadamente, Procuradoria-geral da República e os tribunais vão continuar a investigar a legalidade e responsabilização da emissão das garantias soberanas, incluindo a aplicação do dinheiro mobilizado a favor das empresas EMATUM; PROINDUCUS e MAM.
Segundo explicou, não reconhecer as dívidas, teria consequências nefastas na economia do país e na boa imagem perante os credores internacionais, tendo frisado que priorizar o seu pagamento em prejuízo de financiamento de projectos constantes no Plano Quinquenal, entre eles, Agricultura, Educação, Saúde e Água, não seria ir de encontro com os compromissos assumidos com a população.
Para ele, as empresas que receberam as garantias (dinheiro do Estado) terão de ajustar os seus planos de negócios à actual realidade, identificar e estabelecer parcerias que tragam mais-valia técnica e avaliar, em caso de necessidade, a possibilidade de venda de parte dos seus activos.
O montante global da dívida é de 11,64 mil milhões de dólares norte americanos, dos quais 9.89 mil milhões correspondem a dívida externa, em que 8.08 mil milhões são da responsabilidade directa do Governo; 1.81 mil milhões, são garantias emitidas a favor das três referidas acima e que o valor da dívida interna em finais de 2015 atingiu o valor de 1.75 mil milhões de dólares.
DEBATE
No debate parlamentar sobre a matéria, as três bancadas convergiram na necessidade da constituição da comissão de inquérito para averiguar entre outros aspectos a legalidade, os contornos, contracção, aplicação e sustentabilidade da dívida.
As bancadas da Frelimo e do Movimento Democrático de Moçambique (MDM) defendem uma comissão constituída apenas pelos deputados segundo o regimento parlamentar enquanto a Renamo pretende a integração da sociedade civil e outros actores da sociedade.
O deputado Francisco Mucanheia, da Frelimo, instou o Governo a prosseguir com as medidas visando o restabelecimento da confiança com os parceiros e investidores, nomeadamente a racionalização da despesa pública, reforço do controlo interno visando prevenir e combater a corrupção, bem como a reestruturação da dívida.
Aquele deputado disse ainda que os moçambicanos têm ainda na memória as consequências desastrosas da liberalização do sector do caju em Moçambique imposta pelo FMI e Banco Mundial em 1995, que levou a falência de várias fábricas de processamento e empurrou ao desemprego dezenas de milhares de trabalhadores.
Segundo afirmou, Moçambique não se zangou com o FMI nem com o Banco Mundial e apesar das desculpas formais apresentadas dois anos mais tarde em 1997 pelo então presidente do Banco Mundial.
“Assumimos como um erro de política que nos foi induzida por aquela instituição, eventualmente com boas intenções, mas que produziu um efeito negativo ou seja o contrário do que se pretendia. Não exigimos nenhuma compensação apesar de, até hoje, o nosso povo continuar a suportar as consequências dessa política errada imposta pelo FMI e Banco Mundial” disse Mucanheia.
Ivone Soares, chefe da bancada da Renamo, disse na sua intervenção que ao povo em nenhum momento deve ser-lhe imputada uma dívida cujos contornos e objectivos desconhece.
“Que fique claro que a Renamo não concorda que se transforme dívidas ilegais em soberanas. Queremos uma comissão mista para evitar que se repita o que está a acontecer com as valas comuns, bem como a responsabilização administrativa e singular daqueles que decidiram a sua contracção sem autorização da Casa do Povo”,disse Soares.
Na sua óptica, a PGR e o Tribunal Administrativo não devem ser tidos como instituições credíveis e competentes para investigar o assunto, defendendo com isso uma auditoria forense às contas do Estado.
Por sua vez, Angelina Enoque, deputada da mesma bancada,afirmou que as explicações do Executivo foram evasivas, uma espécie de teatro gratuito, porquanto não corresponderam às expectativas dos moçambicanos.
“O povo foi traído pelos péssimos gestores da coisa pública. Os bolsos do pacato cidadão foram usurpados. São moçambicanos de hoje e os de amanhã que pagarão com seu suor as consequências das decisões irresponsáveis de um governo que arruinou as suas vidas e continuam impunes”,disse Angelina Enoque.
José Lobo, do grupo parlamentar do MDM disse na sua intervenção que o Governo não foi capaz de esclarecer com rigor a questão da contratação da dívida, seu impacto e sustentabilidade.
“Tratando-se de uma dívida pública, uma matéria de interesse nacional e tendo em conta as dúvidas prevalecentes, recomendamos o agendamento imediato do projecto já depositado pela nossa bancada, com vista a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para averiguar os contornos da dívida Pública”,disse José Lobo.
Para ele, a Lei orçamental aprovada na Magna Casa do povo foi violada assim como o regime jurídico das empresas públicas e a Lei que cria o Serviço de Informação e Segurança do Estado.
Auditor independente
para a gestão da dívida
As bancadas do MDM e da Renamo questionaram ao Governo sobre a estrutura accionistas das três empresas e a existência ou não de mais dívidas que possam surgir, ao que o Ministro da Economia e Finanças, Adriano Maleiane foi ao pódio sossegar que a dívida é de 11.64 mil milhões de dólares e que o governo está a contratar um auditor independente para gerir a dívida.
Na ocasião, Maleiane explicou que a inclusão da dívida soberana na Conta Geral de 2015 tem em vista a criação de condições para o seu julgamento em sede do tribunal administrativo antes de seguir para o parlamento onde o Executivo terá que explicar-se.
“Portanto, trata-se de uma questão da legalidade. Se não for inscrito na Conta Geral de 2015, teremos ilegalidade interna, ou seja o TA não poderá julgar por não ter dados e a AR não se vai se pronunciar por não ter o parecer do tribunal”,disse Maleiane sublinhando que não se trata de um convite para os deputados aceitarem com o que não concordam.
Sobre se as dívidas são definitivas, ou não, o titular da pasta de Economia e Finanças explicou que o valor total é de 11.64 mil milhões de meticais e que a gestão da base de dados precisa de ter auditor a tempo inteiro para gerir a dívida.
As empresas não têm nenhum activo
– António Namburete, Renamo
Para António Eduardo Namburete, da Renamo a proposta avançada pelo Governo da possibilidade da venda de parte dos activos das empresas MAM e PROINDICUS é inexequível em virtude de tais empresas não possuírem nenhum activo.
“O que é que o Estado vai tomar dessas empresas se elas não pagar? Elas contraíram as dívidas na perspectiva de que vão produzir e sustentar-se mas neste momento não têm nenhum activo e se formos as sedes dessas empresas, provavelmente não vamos encontrar nada que vale a dívida da sua constituição,disse Namburete.
No entender, trata-se de justificativos que não correspondem às suas expectativas. “A PGR é um órgão subordinado ao Governo e a partir desse pressuposto, podemos ter a certeza de que este órgão não irá a fundo e a tempo de exigir responsabilidades aos membros do Executivo”.
No seu entender, o Executivo deveria ter falado do trabalho em curso para resgatar o dinheiro que se encontra fora do país. “ O Governo devia esclarecer e tranquilizar os moçambicanos sobre o esforço que deve ser feito para que se o dinheiro estiver fora do país seja trazido para o país, porque neste momento, as pessoas só conhecem os números e não os contornos da dívida”.
O governo está encurralado
– José de Sousa, MDM
José de Sousa entende que a proposta avançada é uma fora de uma vez mais enganar os moçambicanos uma vez que no país não existe nada relacionado com aquelas empresas que possa ser confiscado.
“A ideia demonstra o quão está encurralado o Governo, porque na verdade não temos na praça a MAM nem a PROINDICUS. Portanto, se as empresas não existem como é que vão assistir as outras? A MAM é supostamente uma oficina que supostamente é para reabilitar as embarcações da PRONINDUCUS; mas esta empresa não tem equipamento”,disse José de Sousa para quem o dinheiro deveria voltar ao estado que emitiu as garantias.
Quanto á criação da comissão para investigar as dívidas, José de Sousa defende uma comissão parlamentar composta apenas pelos deputados. “Se entrar a sociedade civil, por exemplo, em última análise quem tem assinar os documentos no fim dos trabalhos é a Casa do Povo. Como é que nós vamos assinar expedientes em que fazem parte indivíduos alheios ao órgão legislativo, Portanto, não à comissão mista.
Busca de protagonismo barato
– Galiza Matos Júnior, Frelimo
Edmundo Galiza matos Júnior diz que caberá aos gestores das empresas decidir em sede de uma assembleia-geral, o destino a dar ao património das empresas. “Como deputados não somos pessoas autorizadas para responder a essa questão, pelo que caberá as empresas estudar o que isso significa”.
Para ele, para averiguar o assunto a sua bancada alinha com a posição do MDM da criação de uma comissão parlamentar do inquérito. “Não achamos que uma comissão mista tenha poderes acima, iguais, ou abaixo de uma comissão parlamentar. Estamos perante de uma tentativa de busca de protagonismo por parte da Renamo porque inicialmente eles apontavam para uma comissão parlamentar e no último dia mudam de posição”.
Texto de Domingos Nhaúle
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Foto de António Muianga