Há fome em Mecanhelas. O distrito mais populoso de Niassa, com mais de 277 mil habitantes, passou de celeiro da província para a condição de dependência. A queda irregular de chuvas em algumas zonas do distrito é apontada como sendo a principal causa deste infortúnio, o mais preocupante dos últimos vinte anos.
E, como o azar não anda só, o gado, a outra riqueza do distrito, foi assolado por uma pandemia de tuberculose animal, doença que apareceu, segundo se diz, a partir do vizinho Malawi, o que levará, nos próximos tempos, ao abate de, pelo menos, 12,7 por cento das mais de 7.419 cabeças de gado bovino que se pensa existir em Mecanhelas. A medida, segundo a direcção distrital das actividades económicas, visa salvar parte daqueles quadrúpedes.
A nossa reportagem esteve recentemente em Mecanhelas a cobrir a visita do governador de Niassa, Arlindo Chilundo. A porta de entrada do governante foi o posto administrativo de Chiúta. Aqui, contrariamente ao que tem acontecido nos outros anos – os alimentos e produtos de pesca -, escasseiam e muitas famílias passam fome, havendo casos em que alguns cidadãos ficam o dia inteiro sem uma única refeição.
Falta quase tudo. Da terra não saiu quase nada e, para agravar a situação, os lagos Chiúta e Amaramba registam, nesta época do ano, pouca água, não havendo condições para a habitual prática de pesca artesanal.
A título de exemplo, num ensaio de feira agrícola em Chiúta, proporcionada a Chilundo, vimos, sem exagero, exibidos um saco de milho, um outro de amendoim e alguns quilogramas de peixe miúdo. Populares disseram ao domingo que aquela amostra foi mais para sensibilizar o governador da província a garantir mais apoio alimentar àquela gente do que propriamente apresentar uma feira agrícola onde, regra geral, a população expõe potencialidades reais.
Aliás, nos comícios interactivos que se seguiram, as intervenções auguraram maus momentos para os próximos meses, sugerindo maior intervenção do governo na prestação de apoio alimentar aos necessitados. Lamentaram, igualmente, a situação que se vive nas águas dos lagos onde carvoeiros alimentam os seus apetites prejudicando a maioria dos residentes.
É que estes (carvoeiros), na sua acção de garantir grandes quantidades de carvão, não olham a meios, arrancando tudo o que é árvore nativa sem, no entanto, proceder ao aconselhável reflorestamento para evitar que os lagos sequem. De referir que os lagos são a grande fonte de alimentação de muitas famílias, principalmente em momentos de crise.
A situação é muito grave, alertam alguns habitantes de Mecanhelas, acrescentando que, devido ao fenómeno, muitas pessoas já começaram a atravessar a fronteira à procura de alimentos no vizinho Malawi.
Consequência imediata: Nas bancas e outros locais onde se exerce actividade comercial, os produtos expostos são, na sua maioria, de origem malawiana. A fome tornou o distrito vulnerável. Todos os dias, longos comboios de cidadãos estrangeiros atravessam as fronteiras terrestres e lacustres para Mecanhelas, levando consigo grandes quantidades de produtos diversos para comercializá-los.
Este ano é atípico, comentaram as autoridades governamentais de Mecanhelas, nunca passamos antes por uma situação semelhante, pois, por regra, os malawianos é que vinham a Mecanhelas buscar alimentos, e recordou: “sempre fomos um povo com uma auto-suficiente em termos alimentares, quer em cereais quer em carnes”.
Por sua vez, Carlos Salvador, camponês, clama por socorro, manifestou a sua confiança em relação ao futuro, acreditando que “se chover a contento, a próxima época será melhor que a presente, pois já começamos a preparar as áreas de lavoura para superar o acontecimento desta campanha agrícola”.
Com vista a sacudir as doenças que assolam o gado bovino, principalmente, o governo local vacinou contra o carbúnculo sintomático mais de 2400 cabeças de gado, o mesmo acontecendo em relação aos suínos, ovinos e caprinos.
A nossa reportagem soube de fontes fidedignas que o governo distrital está, através das lideranças comunitárias e religiosas e a sociedade civil, a sensibilizar as populações no sentido de se empenharem no trabalho, tendo sempre em conta a correcção do défice alimentar que afectou Mecanhelas na presente campanha agrícola. De referir que o distrito de Mecanhelas é potencial na produção de milho, arroz, hortícolas, carne animal e produtos piscícolas.
Aumentar as áreas de produção
– recomenda o governador Arlindo Chilundo
Durante a sua vista de trabalho ao distrito de Mecanhelas, o governador Arlindo Chilundo centrou as suas atenções no sector agrícola, tendo se reunido, na localidade de Chissaua, com alguns produtores e membros de associações de camponeses que fazem da agricultura a sua principal actividade e fonte de rendimento.
Em todos os comícios, Chilundo incentivou a população a aumentar as suas áreas de produção, diversificando as culturas, para além de distribuir enxadas de cabo longo aos líderes comunitários. A ideia, segundo explicou, é permitir que os líderes comunitários tomem a dianteira na produção de alimentos e consequente combate à fome e pobreza.
Apesar dos problemas que encontrou, no final da visita, o governador Arlindo Chilundo disse, em jeito de balanço, que Mecanhelas está no bom caminho. Reconheceu, entretanto, que sendo o distrito mais populoso da província de Niassa, tem pela frente muitos desafios, principalmente na área social, nomeadamente na construção de mais salas de aula, centros de saúde, furos de água potável, vias de acesso, entre outras infraestruturas.
Na área da Educação, Chilundo deu a conhecer que mais de 80 por centos das escolas existes no distrito são de construção precária, orientando o governo local a mobilizar a população para co-participar na sua construção.
“A população deve participar com o fabrico de tijolos queimados, enquanto o governo entra com barrotes, chapas de zinco, cimento e outro material de cuja aquisição está fora das possibilidades financeiras das populações”, orientou o governante, sublinhando que só com salas condignas será possível estimular as crianças a afluirem em massa às escolas.
Texto de André Jonas
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