Sabia que Namíbia, Geórgia, Maurícias, Senegal, Turquia e Japão são membros com estatuto de observador da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP)? Na berlinda estão mais três, nomeadamente Hungria, Uruguai e República Checa.
Segundo o Secretário-executivo desta agremiação, o moçambicano Isac Murargy, “todo o mundo quer fazer parte do clube, quer estabelecer relações de cooperação connosco, para mais facilmente aproveitar o ambiente de negócios que é criado na nossa comunidade”.
A Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP) completa 20 anos no próximo dia 17 de Julho. Aproveitando a estadia do seu Secretário-executivo em Maputo, o moçambicano Isac Murargy, domingo tirou-lhe 30 minutos de conversa, cujas partes mais significativas apresentamos ao amigo leitor. Foram seis os países fundadores, nomeadamente Moçambique, Angola, Brasil, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São-Tomé e Príncipe e Guiné-Bissau, corria o ano de 1996.
Maurícias e Senegal continuam com o estatuto de observadores associados da CPLP? E o que é que isso significa?
Significa poderem cooperar connosco em vários projectos culturais, económicos e empresariais; e participarem nas nossas reuniões, só que não têm direito a voto. Não tomam decisões. Vêm às nossas reuniões na sede em Lisboa. Aliás, já não são dois os países com estatuto de observador. Neste momento são seis, contando com Namíbia, Geórgia, Turquia e Japão. Vão entrar mais três, que são Hungria, Uruguai e República Checa.
Porquê este súbito interesse pela CPLP?
Pois é, a CPLP é uma organização que, se nós analisarmos bem, tem um grande potencial económico: agricultura, turismo, recursos energéticos, recursos minerais … e todo o mundo quer fazer parte do clube, quer estabelecer relações de cooperação connosco para mais facilmente aproveitar o ambiente de negócios que é criado na nossa comunidade. Está aí a Turquia. Já está aqui em Moçambique.
Até tem voos directos Maputo-Istambul.
São membros associados da CPLP. O Japão já cá estava antes. Através da CPLP podem estabelecer uma cooperação trilateral por exemplo Japão-Brasil-Moçambique; Japão, Brasil e Cabo Verde ou Namíbia que, como Moçambique, está no grupo da SADC, mas é um grande candidato a ser membro de pleno direito.
O povo da Namíbia fala português?
Mais de 50 por cento de namibianos falam português. O ensino de Português naquele país está altamente desenvolvido. Há namibianos que viveram em Angola. O estatuto de observador é uma coisa mais legal, mas Namíbia faz parte da nossa comunidade. A vantagem que eles têm é essa de poderem participar nas discussões, mas não na tomada de decisões.
LIVRE CIRCULAÇÃO
O que é que ainda faz emperrar a livre circulação de pessoas e bens na comunidade? E como é que isso pode ser ultrapassado?
Não vamos ser muito dramáticos também e dizer que está a emperrar, porque a nível bilateral as coisas estão acontecendo gradualmente. Agora o que nós queremos é um acordo multilateral que permita, de facto, que os cidadãos todos possam circular. Existem os acordos de Brasília que foram assinados mas que ainda não foram implementados por questões mais técnicas do que políticas.
O que é que esses acordos preconizam?
Permitem que alguns grupos de cidadãos como empresários, estudantes, docentes, pesquisadores, investigadores, jornalistas, artistas e desportistas possam circular. O problema que se coloca é como fazer isso. Bilateralmente há acordos que estão a ser firmados. Moçambique e Brasil assinaram acordos para a livre circulação de empresários e estudantes. Moçambique ratificou o acordo de concepção de vistos com o Brasil e fê-lo também a nível da CPLP. O que nós queremos é que, de facto, esta questão seja abrangente. Não é difícil ter a livre circulação…
Então…?
O problema é que é necessário que os nossos países, todos os países, tenham os instrumentos legais muito apurados para controlar a circulação para evitar que criminosos, traficantes e narcotraficantes possam fluir à vontade aproveitando-se dessa situação. Porque é que nós, Moçambique, acabámos com o visto de fronteira? Porque éramos o único país em que o viajante chegava na fronteira, recebia o visto e entrava. Não havia reciprocidade em relação aos outros países e, por outro lado, era uma porta aberta para os traficantes que vinham a Moçambique. Por exemplo, nem todos os países da CPLP têm passaporte biométrico. Aliás, no dia 13 de Julho, vamos ter uma reunião dos chefes da Polícia, em Malabu, Guiné-Equatorial, que se vai ocupar da questão da mobilidade. É necessário que todas as nossas polícias que se ocupam da migração estejam convenientemente equipadas de forma a controlar o movimento das pessoas.
GUINÉ-EQUATORIAL
E TIMOR-LESTE
Que mais-valias a Guiné-Equatorial trouxe à organização e como é que está a polémica questão do uso da língua portuguesa naquele país?
Não há polémica. Algumas correntes é que estavam discordantes, mas o Governo português não se opôs. A Guiné-Equatorial foi uma colónia portuguesa durante 300 anos. E eles têm dito claramente que vocês nos abandonaram. Aliás, as nossas autoridades dizem que o país devia ter entrado em 1997 quando eles solicitaram. Só entraram em 2016. E a culpa é nossa que não os admitimos porque houve troca entre Espanha e Portugal de um território na América do Sul onde é Uruguai hoje. Eles estiveram como colónia espanhola durante 200 anos e como colónia portuguesa 300 anos. O que eles queriam e conseguiram foi voltar para casa. Agora quem é perfeito na questão dos direitos humanos? Estou a falar fora da nossa comunidade. É tudo muito relativo.
Então…
Eu tenho visitado a Guiné-Equatorial. As realizações que eles fazem muitos países não fazem no campo social, no campo da habitação para as populações. Agora é verdade que eles têm de se proteger de possíveis interferências ou invasões externas. Economicamente é um país que pode efectivamente também ser mais-valia e está sendo. Uma vertente que eu tenho imprimido na CPLP é a económico-empresarial. Quero que a CPLP não seja só de nostalgia, mas do presente para o futuro e se ocupe de questões económicas, de questões empresariais e criemos um ambiente de negócio. A mais-valia da Guiné-Equatorial neste momento é que está a ser muito activa no campo empresarial e hoje quem mais beneficia da entrada da Guiné-Equatorial é Portugal. Grandes empresas portuguesas actualmente estão a ir para a Guiné-Equatorial.
E o que é que se pode dizer de Timor-Leste?
Como sabe, é um produtor de petróleo. Timor quis que a cimeira de 2014 que teve lugar em Díli fosse consagrada às questões de globalização económica, tendo em conta que Timor está numa região bastante próspera que é a Ásia e o país prepara-se para ser membro da Asian. Timor pretende ser a plataforma da CPLP nas relações económicas e empresariais entre África, Europa, América do Sul e Ásia. Foi por isso que o Primeiro-ministro de então, Xanana Gusmão, disse que o seu país tinha de ser o centro, o ponto focal do lançamento das relações comerciais, económicas e empresariais com a Ásia.
E a nível da CPLP?
Para fortalecer as relações comerciais no seio da comunidade, Timor Leste propôs que se constituísse uma empresa conjunta dos países produtores de petróleo, existentes na CPLP, para a exploração de um bloco de petróleo em Timor. Tal empresa seria constituída pela ENH (Moçambique), Sonangol (Angola), Petrobrás (Brasil) e Galp (Portugal). Estão sendo feitos estudos nessa linha. Estamos a trabalhar também para a constituição, digamos, de um fundo de desenvolvimento que possa financiar empresas da CPLP para poderem realizar investimentos.
O Brasil não vive politicamente os seus melhores dias: isso não poderá ter influência na cimeira de Novembro que o país será anfitrião?
O Brasil tem uma grande capacidade de ultrapassar os seus problemas internos. Eles analisaram friamente e concluíram que o melhor momento para realizar a cimeira é Novembro, porque já terão resolvido os seus problemas internos no que toca ao afastamento ou não da Presidente Dilma Roussef. Terão decorrido 180 dias. Também tiveram em consideração os pleitos eleitorais em alguns países membros. Em Julho há eleições em São-Tomé e Príncipe (17). Depois realiza-se a Cimeira da União Africana também no mês de Julho. Em Setembro terão lugar eleições autárquicas em Cabo Verde e Assembleia Geral das Nações Unidas. Em Outubro decorrem eleições presidenciais em Cabo Verde e a Cimeira Ibero-Americana.
GUINÉ-BISSAU!
Abordemos uma questão incontornável. De que forma a CPLP está a trabalhar ou contribuir para que se resolva, definitivamente, a crispação política na Guiné-Bissau?
A Guiné-Bissau… é um pouco difícil dizer que se pode encontrar uma solução porque depende dos guineenses. Toda a solução para Bissau tem de vir através do diálogo entre os guineenses. A CPLP faz parte de um grupo de cinco organizações internacionais, os chamados P-5 (Nações Unidas, União Europeia, CEDEAO, CPLP e União Africana), que coordena esforços com vista a apoiá-los a entrar para um diálogo franco e aberto. Há questões que não foram resolvidas desde a independência do país.
Está a falar da reforma das Forças Armadas?
Sim, reforma das Forças Armadas para que fossem constituídas Forças Republicanas, um processo que não aconteceu até hoje. Problemas inerentes à pobreza e fome. Fui para lá tentar incutir que a chave dos problemas da Guiné-Bissau está nas mãos deles. Nós queremos que haja paz e estabilidade para que o povo se possa concentrar no seu desenvolvimento económico. A agenda internacional está cheia de muitas questões que exigem o esforço da comunidade internacional para a sua solução. Nós apelamos para que as autoridades da Guiné-Bissau observem as leis do país. Se as leis estão erradas, se a Constituição está errada, então tem de se trabalhar no sentido de alterar as leis. A Constituição estabelece um regime parlamentar. Há que respeitar. Não é tentando não cumprir os preceitos constitucionais que se resolvi o problema. Quem ganha as eleições é quem governa. Elas foram ganhas pelo PAIGC.
Bissau a quém dá mais ouvidos: A CPLP ou CEDEAO? Chega o Ex-Presidente Olesegun Obasanjo, depois a CPLP saiu…
A Guiné-Bissau é membro da CEDEAO e da União Africana (UA). Em termos de escalonamento a primeira organização que tem que intervir é a CEDEAO. A seguir é a União Africana. Depois Nações Unidas e finalmente CPLP. Agora é verdade que por questões de afinidades culturais, da língua, gostariam que a nossa organização fosse mais proactiva e temos sido, mas a verdade é que não temos os meios que a CEDEAO tem. Bilateralmente os países membros da comunidade têm apoiado.
Como vê a tensão que se vive em Moçambique?
Os moçambicanos têm a capacidade de por si mesmos superarem os seus problemas. Não precisam de mediadores.
Texto de André Matola
matolinha@gmail.com
Fotos de Jerónimo Muianga