O Conselho Coordenador de Gestão de Calamidades vai reunir amanhã em Maputo para determinar que passos o país deve seguir com a finalidade de dar a volta à seca que assola o sul e parte do centro do país, bem como fazer face à destruição de infra-estruturas que as chuvas estão a provocar no norte e na outra parte do centro do país.
A semana passada foi de intenso trabalho de campo para uma grande parte dos membros do Conselho de Ministros que se desdobraram por todas as províncias para, in loco, apurarem o real impacto das calamidades, verificarem o que está a ser feito pelas autoridades locais para enfrentar o drama e apurarem as necessidades logísticas e financeiras em falta.
O Primeiro-ministro, Carlos Agostinho do Rorário, por exemplo, visitou as províncias de Maputo e Gaza onde interagiu com as mais variadas sensibilidades locais à busca de saídas para a seca que, no caso vertente, está a causar volumosos danos no tecido social e económico, com destaque para a agricultura e pecuária.
A título de exemplo, 5300 famílias estão a enfrentar a escassez de água na província de Maputo, de um total de 26740 famílias afectadas. Nesta província, o governo local fez saber ao Primeiro-ministro que 7056 famílias carecem de ajuda alimentar urgente.
Ainda na província de Maputo, os números a que tivemos acesso indicam que 48785 hectares estão perdidos e 1070 bovinos morreram por falta de água para beber. Na vizinha província de Gaza, onde a produção pecuária é muito mais intensa, os criadores contabilizaram a morte de 2068 cabeças, o que é simplesmente devastador.
Nos esforços que foram empreendidos para reverter a situação, os pecuaristas de Gaza depararam-se também com gabo bovino com tão baixo peso que não era possível coloca-lo à venda em feiras.
Mais aterradora é a realidade que se vive no sector de Educação que no final do ano lectivo de 2015 (ano passado) somou 1150 desistências resultantes da falta de água que faz com que as famílias reorientem os seus filhos para a busca deste líquido vital em detrimento das aulas.
O governo local aponta os distritos Chigubo, Chicualacuala, Guijá, Massangena, Massingir e Chibuto como os mais afectados pela seca e diz mesmo que a situação se torna intricada porque os furos e poços espalhados por estas regiões geralmente são profundos e com elevada salinidade.
Enquanto isso, o cenário que se vive em Maputo é dificultado pela actuação dos exploradores de areia no rio Incomáti, os quais obstruem a passagem de água pelo leito e impedem que os camponeses produzam nas margens.
Trata-se de um conflito que levou a que o governador da província emitisse um despacho a suspender a exploração de areia de construção por pelo menos 20 dias para que se possa “arrumar a casa”. Como fruto desta decisão, consta que o preço da carrada de areia na cidade de Maputo duplicou na semana passada.
ENFRENTAR
SEM FAZER DRAMA
Para o governo, a nível central, a situação é complicada mas deve ser enfrentada de frente, sem fazer drama, porque as calamidades naturais “vieram para ficar” uma vez que resultam das mudanças climáticas que estão a tornar os eventos naturais cada vez mais persistentes e severos.
O Primeiro-ministro faz questão de recordar que o primeiro ano do presente ciclo de governação (2015/2019) foi adverso em razão de vários acontecimentos internos e externos que, pelos sinais prevalecentes, vão continuar a existir.
Parte dessas ocorrências estão relacionadas com o fortalecimento da economia americana, que está a causar a desvalorização de quase todas as moedas no mundo, a derrapagem da economia chinesa, que também está a afligir a meio mundo, a queda dos preços das principais matérias-primas, enfim.
Porque está claro que o momento não é para choradeira, Carlos Agostinho do Rosário foi claro na sua alocução perante os membros dos governos provinciais e distritais, assim como quando esteve a interagir com a população que se aproximava da sua comitiva. “Busquemos as soluções. O que podemos fazer para reverter este quadro?”
Para não ficar à espera de milagres, o governo central diz ter desenhado um plano de acção, mesmo tendo em mãos um orçamento que não lhe satisfaz de todo. “Elegemos alguns sectores de actividades com vantagens comparativas que pretendemos que sejam transformadas em vantagens competitivas”.
Trata-se dos sectores da Agricultura, Turismo, Infra-estruturas e Energia que são de concentração máxima que, na visão do governo, irão impulsionar os restantes sectores. Por exemplo, na agricultura foram identificadas culturas básicas, os locais onde deverão ser cultivadas, os recursos que devem ser aplicados, entre outros. “Este exercício foi feito para todos os restantes sectores”, disse.
Por outro lado, decorre um profundo trabalho de saneamento das empresas públicas para se determinar quais é que devem continuar com esse título para que não se transformem num peso para o Orçamento do Estado, mas, sim, uma solução.
De igual modo, pretende-se criar condições para que o Fundo do Ambiente passe a ter algo próximo do Fundo de Desenvolvimento Sustentável, como forma de captar os diferentes financiamentos que tem a mesma finalidade.
Na mesma senda, o Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC) está a ser orientado para fazer uma metamorfose e se adaptar à nova conjuntura, uma vez que o quadro que norteou o seu actual figurino tem mais de 10 anos e começa a mostrar sinais de desgaste em muitos aspectos práticos.
“O INGC está a ser reactivo e deve apresentar a sua proposta de mudança. Temos que estar atentos ao que se passa no terreno”, disse o Primeiro-ministro nos diferentes fóruns que dirigiu nas províncias de Maputo e Gaza.
SOLIDARIEDADE
INTERNA
Com um orçamento apertado e com um extenso país para gerir, o Primeiro-ministro apelou a que se estimule a solidariedade interna para se fazer face à seca, que tem um efeito perverso para a agricultura e pecuária, assim como para o cenário que se vive nas províncias do norte que enfrentam chuvas descomunais.
A nossa Reportagem apurou que dos 580 milhões de meticais que deveriam estar nas mãos do INGC para fazer face à situação presente, esta instituição dispõe apenas de metade desta quantia porque “o Orçamento de Estado deste ano é de contenção, pelo que deve fazer uma engenharia para assistir às áreas afectadas”.
Carlos Agostinho do Rosário disse que na reunião que vai ser realizada amanhã, pode ser discutida também a possibilidade de o país avançar para uma inovação que seria a contratação de um seguro de seca e de cheias para que o país possa dispor de recursos adicionais quando este tipo de evento voltar a acontecer.
Mas, enquanto esses planos não saem do papel, o Primeiro-ministro procurou perceber o que se pode fazer de imediato para assistir às populações e, ao que tudo indica, começam a emergir respostas vindas das próprias instituições do Estado, a começar pelo INGC, bem como de operadores privados que cooperam com o governo de Gaza.
Para o agrado do Primeiro-ministro ao longo do caminho aparecem alguns polos de humidade que estão a permitir que os camponeses produzam, ainda que em pequena escala, para o seu consumo e para os mercados das cercanias.
No regadio do Chókwe também foi possível testemunhar o esforço que os camponeses locais estão a empreender para colher o arroz e outras culturas que sobreviveram à escassez de chuvas. Aliás, este esforço está a ser combinado com a abertura de comportas na barragem de Massingir para tornar possível a irrigação dos campos cultivados naquele regadio.
Nas várias sessões de trabalho levadas a cabo pelo Primeiro-ministro sublinhou de forma persistente a necessidade de todas as entidades que lidam com as calamidades naturais de se colocarem em prontidão para socorrer as populações, com particular destaque para as camadas mais vulneráveis entre as quais pontificam crianças e idosos.
Tendo presente esta visão, os directores provinciais e distritais ligados à Educação, Obras Públicas, Agricultura, Saúde, Ciência e Tecnologia, assim como os técnicos do INGC foram chamados para, em pé, dizerem o que estão a fazer nos seus sectores para dar a volta à presente situação.
Foi na senda destas intervenções que ficou determinado que a população de Massingir deverá começar a receber assistência alimentar a partir da quarta-feira e que se deve agir imediatamente no sentido de fornecer água potável aos habitantes de Chigubo.
Também foi determinado que se prosseguir com o projecto de fornecimento de lanches escolares que foi iniciado no ano passado na província de Gaza, o qual abrangeu quatro escolas dos distritos de Mandlakazi e Massingir fornecendo uma refeição diária a 1500 alunos.
NO mesmo quadro, o governo de Gaza fez saber que desde o ano passado que está a implementar um programa de desnutrição crónica em 18 escolas nos distritos de Bilene, Guijá e Chibuto, sendo seis escolas por distrito, beneficiando cerca de 5400 alunos, entre outras acções de âmbito nutricional como o fornecimento de sopas reforçadas.
Há também decisões tomadas ao nível da construção urgente de fontes de água nos locais mais críticos e reparação de alguns sistemas com avarias menores. Conforme apurámos, a reabilitação de alguns furos e poços construídos nos últimos anos requer bastante elevados, tendo em conta o nível de desgaste dos equipamentos, o que, muitas vezes, pode ser menos eficaz do que contruir furos e novos poços.
Por outro lado, há uma tendência crescente de a população camponesa se estabelecer de forma definitiva em certos locais e não se mostrar disposta a percorrer grandes distâncias para aceder a fontes de água, pelo que a opção de construir estas infra-estruturas próximo dos aglomerados populacionais deve sempre ser ponderada.
Texto de Jorge Rungo