É um lugar que me faz lembrar frequentemente o vibrante verso da música de Elis Regina, “o que dói é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos”. A diferença é que Elis sente dor e eu sou penetrado pela vontade de viver, ao perceber que apesar de tudo o que está a acontecer na cidade de Inhambane, elaainda é a mesma, e as pessoas vivem como sempre viveram desde os tempos.
No passado dia 12 de
Agosto, a “Terra da
boa gente” (como vai
ser chamada também
esta urbe pacata) completou
sessenta anos de elevação
à categoria de cidade, mas
as suas longarinas mantêm-se
jovens, contrariando o comportamento
do Homem que começa
a vacilar quando atinge aquela
idade. Apesar de se registar um
crescimento meio alucinante
dos bairros suburbanos, com
construções nunca antes vistas
nem sonhadas por estas bandas,
deixando patente uma arquitectura
ousada (em alguns casos),
a tranquilidade, que se confunde
com a modorra, continua a ser
o porta-estandarte de uma das
cidades mais lindas de Moçambique.
Continua-se a sentir uma espécie
de êxodo. Nas ruas nuas
subjaz a sensação de que as
pessoas fugiram de alguma coisa
terrível e não querem voltar
jamais, e as poucas que ficaram
parecem ter medo de uma hecatombe
que está para chegar.
Caminham com as suas vidas
enfiadas em concha. Falam,
mas a vocalização das palavras
é inaudível. Na cidade não se
ouvem as buzinas dos automóveis
porque nenhum peão está
na estrada. Os automobilistas,
apesar de o número de viaturas
que conduzem estar a aumentar
diariamente, não têm pressa
porque tudo está aqui perto.
É verdade! Nos mercados
também não há algazarra. Os
vendedores que lá estão não se
preocupam com os compradores.
“Se quiseres comprar venha
comprar. Se não quiseres,
outro há-de querer”. As mulheres
do negócio estendem as
suas capulanas por detrás das
bancas e deitam-se, cansadas de
esperar pelos clientes que nunca
chegam. Deitam-se e dormem.
Roncam e babam sem se preocuparem
com os produtos em
exposição. Ninguém os vai roubar.
Nem os que passam, muito
menos a companheira do lado,
que também pode estar a dormir
por falta de movimento. E ficam
ali aquelas mulheres desde o
amanhecer até ao fenecer do
dia. “Deus é grande, um dia as
coisas vão mudar”.
Agora o que magoa é ver
aquela marginal deslumbrante
sem ninguém para habitá-la nos
bancos virados para a mar. Ou
para vesti-la. Parece uma mulher
despida sem homem que
a chegue perto, apesar daquela
beleza toda. Por vezes convido a
um amigo a um passeio por ali, e
a resposta terá um efeito bumerangue,
“epa, fazer o quê ali?”
Mas esta marginal é única. Não
existe lugar mais arrebatador.
Em nenhuma parte do Mundo.
Se fosse para escolher um sítio
onde morar eternamente, ficava
na marginal, mesmo sem os barcos
com as velas enfunadas, que
nos davam um espectáculo divino.
Hoje já não há esses barcos
com cascos de madeira talhada
por calafates sem escola formal.
Já não temos os marinheiros
do tipo Mangoba, que previam
o tempo que vai fazer como se
o barómetro fossem eles mesmos.
No lugar desses meios de
transporte amigos do ambiente,
vieram outros, com motores
poluentes, mesmo assim a baía
não perdeu a sua magnificência,
muito menos a marginal, que
conserva a sua exuberância.
Pois é! No meio desta vida
que parece comandada pelo
tédio, a cidade de Inhambane
ainda venera os mesmos ídolos
de sempre. Nunca mais produziu
outros, desde que da baía se
retirou o Mangoba e desde que
“Tsungu Thsoni” parou de reger
com o seu pífaro, a banda municipal
que era uma enxurrada de
saxofones e trompetas e trombones
e clarinetes e um bombo
tocado por mãos versáteis de
um homem longilíneo chamado
Baptista. A urbe entrou na menopausa,
entretanto mantendo a
beleza dos tempos. E a doçura.
Já não gera mais ídolos desde
que “Matangalane Boby” deixou
de ser o mascote deste lugar
abençoado, carregando a cidade
desde o crepúsculo do amanhecer
até ao crepúsculo do entardecer.
A cidade de Inhambane continua
linda, mesmo sem o “Tsungu
Max Lehener”, mesmo sem o “Ti
Rody”, do “Tic-Tic”, e o Cunha,
do “Ponto-Final”, estas duas últimas
figuras que serão sempre
lembradas por terem saciado
barrigas inúmeras, conhecidas
e desconhecidas, com iguarias
confeccionadas para paladares
delicados, sempre com um bom
copo para acompanhar. E hoje já
não temos esses lugares, nem o
“Tic-Tic”, nem o “Ponto-Final”,
nem a Pastelaria Moçambicana,
onde íamos comer bolos e pastéis
de nata até roer os dedos.
Agora só ficou a nostalgia. A
saudade dos tempos de uma cidade
que ainda nos seduz, mesmo
assim.
“BUENA VISTA”
O Hotel Inhambane era o
centro dos que vinham para aqui
desfrutar da calmia e da paz de
espírito que a cidade oferece.
Hoje, mesmo funcionando com
serviços de qualidade para hospedagem,
ninguém fala do Hotel
Inhambane. Em contrapartida, resiste o bar desta estância,
baptizado com um nome latino,
“Buena Vista”. É um regalo estar
ali ouvindo música em colunas
transmitindo um som distante, e
que faz jus ao nome de um bar à
moda antiga, com cadeiras giraresiste o bar desta estância,
baptizado com um nome latino,
“Buena Vista”. É um regalo estar
ali ouvindo música em colunas
transmitindo um som distante, e
que faz jus ao nome de um bar à
moda antiga, com cadeiras giratórias
que nos ajudam a levitar
nos pensamentos, ou a ostracizar
os maus pensamentos. Quer
dizer, no bar do “Buena Vista”
só se ouve música latina. É outra
coisa, para quem quer nos
perguntar, afinal o que é uma
panóplia.
“Buena Vista” é um bar acolhedor
que a cidade de Inhambane
pode orgulhar-se de ter. Ao
entrarmos somos imediatamenimediatamente
conquistados pelo cheiro à
café, ao mesmo tempo que nas
paredes avultam dois quadros
com imagens míticas: Samora
Machel com o dedo em riste e
Che Guevara com o charuto que
pode ser cubado preso nos lábios,
enquanto liberta um pequeno
fio de fumo com cheiro forte.
É um bar artístico, com fotografias
de carros antigos ainda hoje
preservados em Havana e um
pouco por toda a Cuba. O sossego
é total, entrando em consonância
com a própria cidade.
O homem que explora a casa, o
Michel, também nos parece uma
figura serena. Ele gosta da noite,
sobretudo das noites de verão
desta cidade, por isso tem promovido
música ao vivo, ou cria
condições para que, aos fins-
-de-semana, quem quiser levar
o seu instrumento para tocar e
libertar a voz enquanto bebe um
copo pode fazê-lo livremente.
“Buena Vista” é uma molécula
da cidade com uma esplanada
esplêndida, mas pouco explorada
pelas pessoas que passam
de longe, sem quererem ao menos
chegar mais perto e sentar
para beber um copo e conversar,
assim como podem fazê-lo no
“África-Bar” ou “Bistro Pescador”,
ou ainda nos “Verdinhos”,
só para citar alguns dos poucos
lugares que nos apelam para
deixar a modorra de lado e libertar
o sangue da conversa.
Parabéns, cidade de Inhambane,
pelos sessenta anos. Parabéns,
município, na pessoa do
ilustre Benedito Guimino, seu
edil, que tem feito um trabalho
louvável, estampado no melhoramento
das vias de acesso, no
abastecimento de água e energia
e construção de infra-estruturas
para a saúde e educação. Parabéns
a todos os munícipes pelo
comportamento urbano em todos
os locais. Um abraço forte.
Texto de Alexandre Chaúque