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Mecula sem produtos alimentares

Por admin

O grito de socorro vem de Mecula, na província de Niassa. Os próximos tempos que antecedem a colheita de produtos agrícolas naquela parte do país são classificados pela população local como sendo de vida ou morte

Os celeiros, na sua maioria, estão vazios e as distâncias percorridas para encontrar algo para comer continuam, a cada dia que passa, a ser mais longas, fazendo crer que a fome, ainda em estágio de teste, pode explodir e fazer vítimas.

Mecula localiza-se no extremo norte de Niassa e representa 44 por cento dos 42.000Km do total da Reserva Nacional de Niassa, RNN, sendo que a sua área é de 18.153 quilómetros quadrados, representando 14 por cento da área total da província, habitada por 17.304 pessoas, segundo últimas projecções do Instituto Nacional de Estatística, INE.

A sua privilegiada localização e abundância de recursos naturais, nomeadamente minerais, hídricos, faunísticos e florestais, fazem de Mecula um distrito apetecível de visitar, principalmente por estrangeiros, cuja presença, regra geral, é feita ilegalmente e apadrinhada por residentes da zona a troco de alguns magros shelings, mas suficientes para deixarem sair do país grandes quantidades de madeira preciosa, pontas de marfim, entre outros recursos de grande valia.

A nossa reportagem esteve recentemente em Mecula para acompanhar a situação sócio-económica daquela parcela do país, tendo se deparado com notícias desoladoras, que dão conta, para além da fome, da existência do cíclico conflito entre o Homem e a Fauna Bravia.

Pessoas contactadas pela nossa reportagem são unânimes em afirmar que a fome é uma realidade em quase todas a comunidades, chegando ao ponto de milhares de pessoas se acotovelarem com animais, alguns dos quais de grande porte, para conseguirem tirar das árvores frutos silvestres para o seu consumo.

A chuva que caiu incessantemente em quase toda a província de Niassa, agravada pela presença de animais bravios de grande porte, nomeadamente elefantes, búfalos, bois-cavalo e hipopótamo, é tida como sendo a principal responsável pela devastação de centenas de hectares e, consequentemente, pela situação de fome por que vive maior parte das comunidades rurais.

Ainda a agravar a presente situação de fome estão as queimadas descontroladas, que afectam os solos, a vegetação e a fauna, para além do estado precário das vias de acesso, principalmente as que separam a vila-sede do distrito das comunidades de Naulela, Gomba e Mbamba, onde a fome se faz sentir com maior acuidade.

Em consequência, centenas de quilómetros quadrados de terra arável e/ou reservados à circulação e alimentação dos animais estão completamente devorados pelo fogo, originado pelas queimadas descontroladas, o que faz com que os animais bravios, invadam os celeiros vazios das comunidades e disputem com estes alimentos que encontram nas machambas, principalmente mangas verdes, com resultados imprevisíveis para os humanos.

Apesar das marcas da fome serem visíveis nos corpos dos residentes, através de anemias agudas ou saídas prolongadas das populações para procurar alimentos noutros distritos, alguns responsáveis governamentais não querem aceitar esta realidade, limitando-se a dizer que se trata de fome transitória ou uma ausência temporária de alimentos numa determinada zona residencial.

Estamos mal. Daqui a alguns dias não teremos nada para comer. É bom que os nossos governantes levem a sério esta nossa preocupação e encarem de frente esta triste realidade, denunciou um ancião, considerado um dos maiores agricultores da zona, frisando, mais adiante, que Mecula é conhecido como sendo um dos distritos que regista, todas épocas agrícolas, grandes défices de alimentos ao nível da província de Niassa, um fenómeno justificado como sendo resultado da invasão sistemática das machambas pelos animais bravios.

Aliás, Arlindo Chilundo, nas suas visitas aos distritos para avaliação do plano económico e social da província, tem se referido à falta de alimentos que a província vai viver nos próximos tempos, apelando as populações a envidarem esforços no sentido de aumentarem as suas áreas de cultivo, bem como usar, através dos extensionistas à sua disposição, as novas técnicas agrícolas para a rentabilização dos seus campos.  

E Mecula não foi excepção. Vários apelos nesse sentido foram feitos pelo chefe do Executivo de Niassa no sentido de melhorar os índices de produção do distrito. Segundo dados em nosso poder indicam que para a última campanha agrícola o distrito lavrou uma área de 6.692 hectares para uma produção estimada em 15.438 toneladas de produtos alimentares, uma cifra que, mesmo tendo conhecido um crescimento de seis por cento, pouco diz em relação às necessidades das populações.

O outro problema não menos importante, que também influencia negativamente na provisão de alimentos à população de Mecula, está relacionado com o estado precário das vias de acesso. A título de exemplo, no período chuvoso, a população de Naulele, Gomba, Mbamba e Matondovele fica completamente incomunicável com o resto da província, sendo que para se alimentar, é obrigada a atravessar o rio Rovuma para adquirir alimentos doutro lado da Tanzania, com todos os riscos daí resultantes, uma vez que os pequenos barcos (canoas) não oferecem segurança para uma viagem tranquila.

Estas e outras razões fizeram com que os comícios de Arlindo Chilundo naquele distrito fossem de pedidos de socorro, principalmente nas áreas de melhoramento das vias de acesso, construção de pontes e provisão de alimentos, água potável e uma solução rápida para o conflito entre o Homem e a Fauna Bravia, antes de ocorrer maiores desgraças em algumas comunidades.

Enquanto isso, para minorar a situação de fome por que grande parte da população de Mecula vive, um projecto de apicultura acaba de nascer na zona de Mbamba, visando criar renda para a aquisição de alguns alimentos que escasseiam naquele povoado.

Sobre a situação alimentar do distrito, ouvimos o director dos serviços distritais das actividades económicas, Rosário Farahane, o qual nos admitiu existir uma preocupação séria ao nível do governo de como gerir a situação de fome nos meses que se seguem.

André Jonas
andrejonas@yahoo.com.br

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