O escritor moçambicano Luís Bernardo Honwana disse há dias que Mia Couto Mia Couto prestigia a Academia e transmite lições e valores. O reconhecimento foi feito durante a cerimónia de outorgação do escritor Mia Couto, como Doutor Honoris Causa.
De nome oficial António Emílio Leite Couto, o escritor foi reconhecido através da atribuição do título honorífico de Doutor Honoris Causa em Humanidades na especialidade de Literatura.
O título foi atribuído pela Universidade Politécnica em cerimónia que contou com a presença do Presidente da República, Filipe Nyusi e do antigo Presidente da República, Joaquim Chissano, familiares, amigos, amantes e fazedores da cultura.
A Universidade reconhece assim o escritor pela sua grandeza como escritor, promoção da imagem moçambicana, internacionalmente, a nível da Literatura, e destaque da sua escrita nos géneros Prosa, Poesia.
QUEREMOS QUE INSPIRE AOS JOVENS
– Filipe Nyusi, Presidente da República
O Presidente da República, Filipe Nyusi, assistiu a cerimónia. No final disse: “Parabéns ao António Emílio Leite Couto e a sua querida esposa. Queremos que inspire mais jovens e não só. Está de parabéns também a Politécnica por ter trazido Mia Couto ao grupo dos doutores”.
Filipe Nyusi recomendou ao escritor Mia Couto para que continue igual a si próprio.
MILITÂNCIA PELO JORNALISMO FÊ-LO
ABANDONAR ESTUDOS
– Luís Bernardo Honwana, escritor e padrinho
O escritor moçambicano Luís Bernardo Honwana foi o padrinho e a ele coube apresentar argumentos que justificassem a atribuição do grau de Honoris causa a Mia Couto.
“A iniciativa da Universidade A Politécnica de fazer este reconhecimento público das qualidades e contributo de Mia Couto para o engrandecimento de Moçambique, prestigia a Academia e transmite à sociedade lições e valores que importa registar e preservar”, defende Luís Bernardo Honwana.
O Padrinho disse que Mia nascera há sessenta anos na cidade da Beira. “De profissão é biólogo e escritor. Talvez, com mais verdade, se deva dizer, escritor e biólogo. Como Biólogo tem vindo a fazer coisas de grande importância ao nível dessa área de especialidade, no ensino em diversas faculdades e na batalha pela salvaguarda do nosso património natural; mas é como escritor de dimensão internacional que Mia Couto é figura de referência do país”.
Conforme disse, Mia mudou-se da Beira para Maputo, a então Lourenço Marques, em 1971, com o firme propósito de cursar medicina. “Por alturas do Governo de Transição o apelo da militância tinha levado Mia ao jornalismo, abandonando assim os seus estudos. Trabalhou no jornal A Tribuna, na Agência de Informação de Moçambique, na revista Tempo, no jornal Notícias e no semanário Domingo,” explica Luís Bernardo Honwana.
Afirma ainda que Mia Couto “Descobriu na reportagem a sua vocação e talvez, já nessa altura, a via segura de se embeber na realidade circundante. Por isso, sem nunca deixar de ser repórter, foi chefe de redacção e foi director. A prática jornalística levou Mia a viver de perto o drama de um país devastado pela guerra, pela sabotagem e pelo boicote internacional”.
OPadrinho afirma que nos textos jornalísticos de Mia Couto viram surgir os primeiros questionamentos ao processo e aos seus agentes. “Não é ainda a crítica severa, a quase ruptura que veríamos anos mais tarde mas é já o desencanto com as promessas incumpridas, com a incompetência e com a prepotência daqueles que exercem o mando”.
Explica que foi nessa altura que começam as invenções lexicais do Mia, onde o humor desarmante e a imaginação fértil deixam um longo lastro de vocábulos na já chamada língua do Mia Couto."Queixatório e Imaginadâncias" é o título da rubrica que durante vários anos manteve no jornal Domingo”.
TODOS OS POVOS AMAM A PAZ
– Mia Couto, durante a outorgação como Honoris Causa
O escritor Mia Couto depois de ter sido aceite como novo membro do corpo de doutores da Universidade A Politécnica, proferiu a sua primeira lição. A sua abordagem focalizou vários assuntos. Sendo a paz, a união dos moçambicanos como família sem tabus nem racismo, o elemento denominador.
“Todos os povos amam a Paz. Os que passaram por uma guerra sabem que não existe valor mais precioso. Sabem que a Paz é um outro nome da própria Vida. Vivemos desde há meses sob a permanente ameaça do regresso à guerra. Os que assim ameaçam devem saber que aquele que está a ser ameaçado não é apenas um governo. O ameaçado é todo um povo, toda uma nação”.
Mia Couto lembrou os tempos de professor, reconhecendo a grandeza da atribuição a si feita. “Não existe outro título que a mim mais me honre. Durante anos, dei aulas em diferentes faculdades em Maputo. Ainda hoje, passados quase dez anos, esses meus alunos passam por mim e tratam-me por professor”.
O mais recente Honoris Causa descreveu o professor em uma outra vertente. “Não podem imaginar o quanto isso me comove e quanto receio não ter tamanho para encher aquela palavra. Professor não é quem dá aulas. É quem dá lições. Não é aquele que vai à escola ensinar. É aquele cuja vida é uma escola”.
A ideia de ser Doutor motivou conversas ao nível da família do Mia. “Demorei meses a me habituar à ideia desta tão solene solenidade. Quando pensava que já me tinha conciliado com o fantasma das vestimentas, aconteceu um pequeno e infeliz incidente. É que tive a triste ideia de mostrar aos meus netos fotografias de uma outra cerimónia de doutoramento. E um deles, entusiasmado, perguntou: mas, avô, vais ter que vestir estas saias compridas?”
Sem rodeios, Mia Couto elogiou o seu Padrinho. “Na verdade, há muito que o Luís Bernardo, sem o saber, vem cumprindo esse papel de modelo na minha actuação como escritor e como pessoa. É preciso repetir aqui o quanto nós, escritores moçambicanos, somos devedores a Luís Bernardo. O que ele nos deixou como legado é bem mais do que ele escreveu. É uma espécie de manifesto inaugural, uma instauração de caminhos que nós depois viemos a trilhar.”
Mia Couto afirmou ainda que Luís Bernardo Honwana, José Craveirinha, Noémia de Sousa e o João Dias foram os primeiros 4 vértices dessa construção de vozes que, a um certo momento proclamaram: nós queremos escrever a história com a nossa própria caligrafia. “Luís Bernardo, bem sei que és avesso a estes tratos: mas eu não posso deixar de expressar a minha infinita gratidão por seres quem és: uma figura tutelar e inspiradora na escrita, na vida e no pensamento.”