Texto de Idnórcio Muchanga e Fotos de Jerónimo Muianga
Paragens e terminais de transportes de passageiros localizadas nos principais centros urbanos do país, com particular destaque para a cidade de Maputo, estão a ser transformadas em locais de angariação de fiéis. Nas entradas dos cemitérios, também há pastores de plantão que oferecem seus serviços às famílias enlutadas a troco de dinheiro e do infalível “chá”.
“Ide pelo mundo inteiro e pregai o Evangelho à todas as pessoas” , ei-lo o versículo bíblico, do livro de Marcos, capítulo 16, versículo 15, que dá vida à actuação dos evangelizadores de rua. Este comportamento encontra bases naquilo a que os cristãos denominam por Pentecostes, ou seja, a celebração dos 50 dias depois da Páscoa.
A liturgia referente ao Pentecostes narra o momento em que os 11 apóstolos de Jesus (tendo em conta que Judas Iscariotes já se tinha enforcado) receberam o Espírito Santo através de línguas de fogo (Dom das Línguas) que os encheram de coragem para passarem a pregar em toda a terra.
Encorajados pelas palavras das chamadas sagradas escrituras, pastores e fiéis de várias igrejas e seitas não se cansam de abordar transeuntes, particularmente nas paragens e terminais de transporte público e semi-colectivo.
De bíblia, catecismos ilustrados e livros de cânticos em punho, os angariadores de fiéis se apresentam com ar religioso e pedem a atenção de quem os dá ouvidos. Porém, esta não tem sido uma tarefa mole, uma vez que grande parte dos que são abordados “torce o nariz” perante o embaraço de ser evangelizado na via pública.
Apesar disso, e como não havia de deixar de ser, os recrutadores “de ovelhas perdidas” voltam para o livro de Marcos, no capítulo 16, versículo 16 que diz que “quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado”. Ouvidas estas palavras, o “cordeiro” fica a tremer pelo resto do dia, a imaginar as brasas e labaredas que o aguardam no famigerado inferno.
PALAVRA DE DEUS NOS “CHAPAS”
O que impressiona é que o número de pregadores tende a crescer e, em alguns casos, extravasam para lugares tão fora de comum e surpreendentes como semáforos, unidades sanitárias, cemitérios e até para o contacto porta-a-porta.
Na cidade de Maputo, as operações de angariação de fiéis acontecem nas paragens mais movimentadas, como são os casos do terminal da Praça dos Trabalhadores (na chamada Guerra Popular), Ponto Final, Museu, Versalhes, Belita, Rotunda de Magoanine-Benfica, entre outras paragens intermédias.
Conforme tivemos a oportunidade de observar, a maior parte dos catequistas de rua pertencem a igrejas como a Messiânica Mundial de Moçambique, Internacional Capela do Farol, Universal do Reino de Deus, Mundial do Poder de Deus, Monte do Fogo, Embaixada de Cristo, Assembleia de Deus, Doze e Velha Apóstolos, Sétimo Dia, Anglicana, Ministério de Evangelho em Acção, Metodista, entre outras. Mas também há muçulmanos.
O caso da Igreja Universal se destaca porque esta actividade é desenvolvida por jovens apelidados de obreiros, geralmente interessados em fazer carreira como pastores. Estes jovens chamam a atenção pela maneira como se vestem e, sobretudo por falarem com sotaque abrasileirado.
Outro grupo que se evidencia é o da Igreja Testemunhas de Jeová, famoso por investir no contacto porta-a-porta, nas manhãs de sábado, estratégia que visa encontrar as famílias completas e em repouso semanal.
Se há alguns anos estes pregadores tinham o sábado como dia exclusivo para a angariação de fiéis, hoje percebem que a concorrência recrudesceu e decidiram mudar de estratégia. Passaram a alargar o raio de actuação para as ruas, avenidas, becos, paragens, entradas de empresas, enfim, onde o pecador deambula solto.
Em geral, os evangelizadores andam em grupos, no entanto, apenas dois fazem a pregação, sendo que um faz a pregação em português e outro traduz para a língua que oferece melhor conforto ao ouvido do “cordeiro”. No final ainda dão um dever de casa que consiste em ler a revista religiosa denominada “Sentinela” para apresentar um resumo na sessão seguinte.
Dada a intensa concorrência, é possível entrar num transporte público ou semi-colectivo e encontrar um “palestrante bíblico” em acção. Engane-se quem pensa que eles se abstém de pregar só porque o mini-bus, autocarro ou “mylove” está superlotado. “Para a palavra de Deus há sempre espaço”, dizem.
As leituras mudam conforme o dia e o domínio do pregador. Alguns optam por citar passagens bíblicas com a finalidade de convencer os ouvintes.Outros, nem por isso. Apenas falam de Deus, dos seus feitos, da vida de Jesus e dos apóstolos. Por fim, a frase para derreter os corações. “Jesus te ama. Ele sempre está presente na tua vida. Abrace-o”.
Numa dessas frentes, a nossa Reportagem encontrou Israel Zefania, da igreja Embaixada de Cristo, de origem nigeriana, à buscar mais almas para a sua congregação. Zefania contou-nos que na sua igreja foram criados grupos de jovens que evangelizam no interior dos bairros, paragens, hospitais, entre outros locais.“Antes do início da jornada reunimo-nos para nos distribuirmos as tarefas e aos sábados “caçamos as almas” por volta das 16:00 horas”.
Para Zefania é fácil convidar as pessoas quando se tem o domínio da Bíblia. “Na igreja existe uma formação obrigatória para nos ensinar a doutrina da congregação, o manejo da Bíblia e as técnicas de identificação e de abordagem dos potenciais fiéis”.
Conforme apurámos, as hipóteses de sucesso dos evangelizadores de rua ocorrem quando se está perante homens e mulheres mergulhados no desespero, pois, a Bíblia, assim como o Alcorão, oferecem um abundante manancial de respostas para os infortúnios que acompanham o Homem na sua passagem pelo globo terrestre.
EVANGELIZAR NOS HOSPITAIS
Um dos locais predilectos para a transmissão de mensagens religiosas são os leitos hospitalares onde se misturam preces para o fortalecimento do doente e solicitações subtis para que este pondere a possibilidade de se curar pela fé e passar a frequentar a igreja que se aproximou dele naquele momento de sofrimento.Aqui, os evangelizadores materializam a “Quinta Obra de Misericórdia” (que é “visitar os doentes”).
De tão comum, esta prática não é censurada por ninguém. Antes pelo contrário. Há famílias que fazem questão de “infiltrar” pastores nas enfermarias para orarem pelos seus ente queridos acamados. Aliás, quase todas as igrejas encontram nos hospitais e prisões um lugar fértil para a pregação, tendo em conta que são uma espécie de purgatório em plena face da terra.
Entretanto, a busca de novas almas para a“Casa do Senhor” não para por aí. Aborda-se também aos automobilistas nos semáforos e a estes são oferecidos folhetos com citações bíblicas e convites para as sessões de culto, terapias, entre outros.
FACEBOOK E INSTAGRAM
Porque o mundo está à grande velocidade no que tange ao uso de tecnologias de comunicação e informação, a caça aos fiéis também ocorre nas redes sociais, particularmente no facebook, whatsapp e instagram que buscam o fortalecimento espiritual dos seguidores desses espaços.
Dadas as facilidades que as tecnologias oferecem, o ambiente das redes sociais é invadido porgrupos como “Defesa do Evangelho”, Unidos em Cristo”, entre outros que promovem a troca de passagens bíblicas, imagens ou vídeos que retratam a vida de Jesus Cristo e alguns desafiam-se a ler capítulos bíblicos para depois se seguir a interpretação do texto.
Segundo Rosa da Graça, administradora do grupo do whatsApp denominado “Defesa do Evangelho”, o objectivo daquele grupo é de compartilhar a palavra de Deus e discutir assuntos religiosos. “Esta foi uma forma que encontramos para manter o contacto com Deus através de mensagens religiosas que alguns irmãos compartilham. Também encontrámo-nos uma vez por semana para fortalecer a nossa fé”.
ALUGA-SE PASTORES PARA FUNERAIS
Enquanto uns procuram atrair almas perdidas nas ruas, avenidas, caminhos e becos, outros abrem uma frente mais ousada nas entradas dos cemitérios, capelas e casas mortuárias, lugares onde as famílias se reúnem pelo maior motivo que se pode ter em vida. A morte.
A desculpa evocada para o estabelecimento de plantões nas cercanias destes locais reside no facto de muitas famílias serem abaladas pela perda de um membro e, no auge da instabilidade emocional típica desses momentos, se esquecerem de solicitar serviços religiosos nos seus locais de origem.
Outro “alvo” destes pregadores de ocasião são as famílias que não possuem nenhum vínculo com igrejas ou seitas mas, querem que pretendem oferecer alguma dignidade à cerimónia fúnebre. Nestes casos, aluga-se pastores.
Consta que em função do acordo firmado entre as partes, estes pastores dirigem a cerimónia no cemitério e prosseguem com a tarefa até ao domicílio da família, onde são posicionados no lugar mais destacado da mesa, com direito ao chá e acompanhantes.
No caso do cemitério da Lhanguene, o mais requisitado da cidade de Maputo e arredores, a existência deste tipo de pastores não surpreende a ninguém, sobretudo pelo facto destes estarem a prestar um serviço que, de outro modo, muitas famílias teriam dificuldades em aceder.
Como mandam as boas maneiras, os clérigos de ocasião vestem a rigor (à medida das suas condições, claro) e são cautelosos na abordagem às famílias. Em muitos casos, actuam em grupos que grupos que incluem mulheres que funcionam como acólitos e também como grupo coral.
Conforme apurámos no local, as famílias que precisam de um pastor para contam com a intermediação de floristas e outros prestadores de serviços, como coveiros, que fornecem dados sobre os preçários, formas de pagamento, entre outros afins.
Texto de Idnórcio Muchanga