O governo removeu recentemente o principal obstáculo ao desenvolvimento do sector do açucareiro que era a livre entrada de açúcar estrangeiro no mercado nacional. Sem perder o fôlego, o executivo está a virar os canos para o sector do arroz. Pretende que o país reconquiste a soberania na produção deste cereal que é o segundo que mais se produz e o terceiro mais consumido em Moçambique.
A produção de arroz no território nacional posiciona-se fora daquilo a que os homens de negócio chamam de negócio, pois esta cultura tem estado a dar mais despesa do que lucro, o que faz com que 98 por cento dos produtores nacionais sejam apenas do sector familiar.
Mas, o pesadelo dos números ligados à produção não acaba aqui. Dados postos a circular recentemente indicam que o país dispõe de 900 mil hectares de terra apropriada para produzir arroz, mas só estão a ser explorados cerca de 300 mil hectares. Os remanescentes 600 mil hectares estão puramente ociosos.
Pior do que isso, é que grande parte destes 300 mil hectares não estão cobertos por nenhum regadio. Produz-se em regime de sequeiro, a depender completamente da chuva, e, como referimos antes, é o sector familiar que domina este sector.
Entretanto, nos últimos anos, foram realizados investimentos no sector que vistos à lupa percebe-se que não surtiram o efeito esperado. Tanto é que alguns dos projectos entraram em letargia ainda na fase primária de exploração.
Como exemplo podemos citar a iniciativa do governo líbio, nos tempos do presidente Khadaf, que visava a produção de arroz no distrito de Matutuíne, no sul da província de Maputo, de onde se esperava que por estas alturas a capital do país estaria saciada de arroz vindo dos 800 hectares de regadio construído. Porém, pouco ou nada andou.
Por outro lado, na província de Gaza, mais concretamente no chamado Baixo Limpopo, há um intenso movimento de técnicos e equipamentos que tem por objectivo dar vida a cerca de 20 mil hectares irrigáveis, no quadro da cooperação com a China.
Em Sofala fala-se em 1400 hectares e na Zambézia uns mil hectares que, para azar de todos, são rotineiramente destruídos pelas cheias como, aliás, aconteceu no começo deste ano no vale do rio Licungo, com avultados danos nos distrito de Mocuba e Maganja da Costa, incluindo no famoso regadio de Nante.
IMPORTAR COM
CONDIÇÕES PARA PRODUZIR
No caso concreto da Zambézia, o director nacional de Serviços Agrários, Mahomed Valá recorda que os canais de irrigação existentes ficaram assoreados aquando das cheias. Mesmo assim, logo que as chuvas ensaiaram uma trégua foram colocados à disposição dos camponeses os insumos necessários para a produção, mas como um mal nunca vem só, nunca mais voltou a chover.
Contudo, espera-se que haja alguma produção ainda este ano, pois decorrem investimentos com vista a recuperação de parte da área. “No tempo colonial, a produção de arroz era obrigatória na Zambézia e é por isso que mesmo sem possuir grandes sistemas de irrigação, esta província se transformou numa referência nacional”, disse Mahomed Valá.
O facto é que hoje, apesar de todo o esforço feito em diferentes frentes, as condições materiais e políticas para levar a produção do arroz a peito parecem ser levadas pouco a sério, uma vez que ainda se permite que o chamado “arroz de terceira” seja importado de forma livre e isenta de imposições fiscais.
Sem moral, apoio material e mercado para colocar a produção, os poucos camponeses que se atrevem a produzir colhem pouco mais de uma tonelada por hectare, nos campos onde a produção é feita em sequeiro, e cerca de quatro toneladas nos regadios.
“Todo este quadro leva a que o país tenha um défice de cerca 350 mil toneladas anuais de arroz em casca e comece a se impor uma discussão muito mais série e profunda sobre os caminhos que se deve enveredar porque terra, condições agro-climáticas e conhecimento existe”, disse Valá.
Com efeito, e em termos comparativos, no conjunto de países da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), Moçambique só perde para a Tanzânia e para o Madagáscar em termos de capacidade produtiva e produção efectiva.
A África do Sul, que é uma potência em quase tudo no campo económico, precisa anualmente de cerca de 800 mil toneladas de arroz para saciar a sua gente e Angola tem necessidades estimadas em cerca de 300 mil toneladas.
Mas, o que anima do lado moçambicano é que o pouco que se produz na Zambézia, por exemplo, dá para fazer um brilharete no mercado internacional, incluindo na Europa, que é um dos locais com mais regras e exigências.
É que o referido arroz é classificado como fresco e aromático. O mundo inteiro curva-se ao pé da qualidade e sabor daquele arroz. Porém, a cadeia de produção tem revezes frequentes porque choveu muito ou não choveu nada. “Moçambique pode assumir-se como exportador deste tipo de arroz, ao mesmo tempo que vai importando para equilibrar a balança”.
SOBRETAXA DO ARROZ
Tendo em conta que não faz sentido ser importador de um produto que o país tem tudo para produzir sozinho, o governo pretende que virar o jogo, como sói dizer-se, através de um quadro orientado para incentivos à produção, incluindo de âmbito fiscal e para o aumento da produção e produtividade.
A ideia é fazer com que a produção de arroz se transforme rapidamente num negócio apetecível e isso, pelo que consta, implica tomar decisões ousadas tais como o estabelecimento de uma sobretaxa que faça com que este produto chegue “aos calcanhares” da soja, gergelim, feijão bóer, entre outros, em termos de posicionamento no mercado. “Estas culturas dão dinheiro”
Para justificar esta necessidade, a Direcção Nacional de Serviços Agrários (DNSA) foi buscar dados nutricionais do arroz que indicam que 20 por cento do arroz consumido fornece carbohidratos, pelo que este produto deve ser visto como alimento de base para o ser humano.
“A ideia não é extinguir as importações, porque não conseguiremos acabar com elas nos próximos 10 anos. Mas, neste espaço de tempo podemos começar a fazer coisas que podem colocar o quadro actual de cabeça para baixo”, disse Mahomed Valá.
Para fazer esta inversão de marcha, o sector agrário foi orientado a desenvolver um estudo, que Valá sublinha que deve ter bases científicas que vai apontar os possíveis caminhos a seguir. “Já estamos a redimensionar os orçamentos para que esta pesquisa seja feita num prazo máximo de um ano”.
Apesar do tal estudo ainda estar por fazer, a DNSA fez um levantamento do cenário africano de produção deste cereal e encontrou que alguns países colocam barreiras tarifárias para desincentivar a importação do arroz. O Uganda aplica uma Taxa de Referência para o Arroz estimada em 70 por cento. A Tanzânia aplica 35 por cento. A Nigéria vai até aos 100 por cento.
Por outro lado, a DNSA afiança que enquanto se pensa no melhor modelo para o país, as actividades presentemente em curso, nomeadamente o investimento na irrigação, desenvolvimento de sementes de alto rendimento, colocação de fertilizantes junto dos produtores, assistência técnica por parte de extensionistas não deve e não vai parar.
“Este movimento não vai parar, mas temos um ano para fazer o estudo que deverá determinar se o país deve ou não avançar para a sobretaxa e em que medida. Se 10, 15 ou 20 por cento de sobretaxa e qual deve ser o preço de referência para que se estabeleçam balizas visando a proteger e incentivar o produtor nacional”, disse Valá.
A convicção que reina na equipa económica do governo parece apontar para o estabelecimento de uma sobretaxa que, aos seus olhos, poderá ser uma tábua de salvação para o sector que já conta com técnicos altamente qualificados, investimentos em indústrias de processamento, condições agrárias e climáticas para descolar.
VANTAGENS DA COOPERAÇÃO
Moçambique coopera com vários países asiáticos no domínio da produção do arroz e é dessa cooperação que avultam exemplos de investimentos que animam as expectativas do governo. Os laços mais recentes foram firmados com a Índia que vai investir 20 milhões de dólares na construção de um Centro de Transferência de Tecnologias Agrárias para servir os produtores do sul da província de Nampula e não só.
Na mesma senda, o governo moçambicano privilegia relações com a China, Paquistão, Vietname, entre outros países tidos como colossos da produção deste cereal e é na sequência destas ligações que Mahomed Valá afirma que “mudamos a nossa maneira de pensar sobre o arroz”.
Trocando em miúdos, o que Valá pretende dizer é que depois de ver a experiência de um país como o Vietname onde se colhe 11 toneladas de arroz por hectare, fica difícil continuar estático a assistir aos produtores nacionais a colherem apenas uma tonelada no mesmo hectare. “Lá no Vietname os sistemas de irrigação são todos de betão e as condições agroclimáticas são favoráveis como as nossas”.
Depois de espreitar como o sector funciona naqueles países, fica evidente que algo deve ser feito para aumentar a produtividade e evitar que as calamidades naturais continuem a constituir um entrave ao desenvolvimento, com particular incidência para o campo da pesquisa que avança e, no final, as áreas de trabalho são destruídas. “Temos que evitar o risco em 100 por cento”, diz Valá.
Ainda a propósito da cooperação, a nossa Reportagem apurou que o país conta com um número considerável de técnicos devidamente treinados para a produção de arroz, pelo que a discussão já não reside ao nível do conhecimento, mas, sim, nos incentivos para o aumento da produção, da produtividade e na cadeia de processamento até à comercialização.
“Tudo isto leva-nos a acreditar que é preciso mexer com a janela fiscal. Precisamos procurar e encontrar soluções arrojadas para o arroz porque este sector pode ser a bandeira do país daqui a mais alguns anos”, concluiu.
Texto de Jorge Rungo