Texto de Bento Venâncio
Só falta letreiro que diz: “Compra-se pedaço de cidadão albino”. Até escolhe-se parte de corpo: perna, braço, pescoço, por aí adiante. Os curandeiros, principais algozes e compradores, sugam sangue de albinos em folias macabras, alimentando crendices que colocam o homem como matéria-prima para produção de poções mágicas.
Até ossos de esqueletos que jazem em cemitérios não escapam da “mineração” macabra. Campas são vandalizadas e esqueletos esquartejados para venda em Nampula.
O que acontece em Nampula, norte do país, não passa de réplica do que acontece na Tanzania, onde existe verdadeira caça aos albinos. Estes cidadãos, que vivem com problemas de pigmentação da pele (por insuficiência de melanina), costumam ver seus próprios braços a serem arrancados do resto do corpo, a sangue frio, por vendedores de peças humanas.
Por vezes o sacrifício é até a morte, isto em pleno século XXI. Nem os animais são sacrificados desta forma.
Tudo isto acontece porque alguém disse: “quero os braços daquele albino que está a passar. Quero tecer teia de enriquecimento rápido e restos de albino dão sorte”.
Da Tanzania, o “negócio” entrou na província de Nampula. A nossa Reportagem visitou os distritos de Murrupula e Ribáuè, que têm alimentado a cidade de Nampula numa rede sinistra de provisão de carne e ossos humanos.
domingo
no circuito macabro
de venda de ossos humanos
Redes de traficantes radicais. Demoníacas. Pululam em Nampula seguindo tentáculos tanzanianos venenosos e mortais. Os crimes, hediondos, gravitam em torno de uma crendice que salienta que poções feitas utilizando corpos de cidadãos albinos trazem sorte e riqueza. Só dá para chorar.
Na Tanzania o drama é de meter dó: 70 albinos mortos, nos últimos três anos, por força desta crença maligna. infelizmente, órgãos e sangue destes cidadãos valem muito mais do que suas vidas.
Ou seja: pagam pela vida o facto de terem nascido com falta de pigmentação, com pouca melanina. Seus algozes acreditam, piamente, que partes do corpo de albinos trazem fortuna fácil e curam série inumerável de males.
Não olham para eles como cidadãos normais. Por isso é comum na Tanzânia albinos serem assassinados na rua. São caçados como animais . Seus restos mortais são usados em macabras poções humanas por “curandeiros tradicionais” para “tratar” doentes.
Por outro lado, acreditando que trá-los-á boa sorte e grandes capturas, pescadores nas margens do Lago Vitória, na Tanzania, tecem, macabramente, suas redes de pesca com cabelos de albinos para capturar peixe em grande quantidade!
Ossos de albinos são moídos, remoídos e enterrados na terra pelos mineiros, que acreditam que vão ser transformados em diamantes!
Algumas pessoas, em pleno século XXI, acreditam que com os órgãos genitais dos albinos, podem fazer tratamentos para reforçar sua a potência sexual!
Em Nampula, norte de Moçambique a “moda” tanzaniana está a ganhar terreno e eco. Restos mortais de cidadãos albinos são vendidos e usados para rituais de bruxaria.
Embora não sejam ainda reportados casos de assassinatos em plena via pública, a província já regista situações de vandalização de campas em cemitérios na busca desenfreada de ossos humanos.
A nossa Reportagem apurou que os criminosos palmilham quilómetros na busca destes ossos e geralmente contam com apoio de familiares dos falecidos ou então de membros da comunidade para identificarem as campas de cidadãos albinos.
O conluio familiar e/ou comunitário cobre negócio descrito como lucrativo. Cada osso de cidadão albino chega a custar oitenta mil meticais. Feiticeiros ou curandeiros estão na vanguarda deste “negócio” purulento e alardeiam, aos quatro ventos, que podem gerar fortunas rápidas, fáceis, sugando ossos humanos remoídos.
NO CEMITÉRIO DE CHICÁ
Cemitério de Chicá. Noite. Dois moços esgravatam a terra. Receberam informação fiável de que naquela campa jazia corpo de um cidadão albino. Sua missão é retirar o esqueleto, dividí-lo em pedaços e deitar fora o que sobra da cabeça.
Nada que os assuste. Cobertos pela escuridão, sua guardiã em “mineração” macabra, eles alcançam o morto metro e meio abaixo, coberto em lençóis ainda frescos. Estava ali enterrado a pouco mais de um ano.
O cadáver é colocado mesmo ao lado do túmulo. É desembrulhado em seguida. Com recurso a material contundente, é esquartejado em pequenas peças e é metido em sacolas.
Dia seguinte os jovens, com os restos mortais do cidadão albino, viajam de chapa para cidade de Nampula, “nua boa”, uns 120 quilómetros, para venderem a “mercadoria” à uma rede de compradores de carne e ossos humanos com tentáculos na Tanzania.
Ainda estavam procurando tais compradores quando a Polícia caiu-lhes em cima. Confessaram o crime ali mesmo e a operação de venda foi desbaratada. Os ossos não chegam ao comprador, mas sumiram mesmo assim.
Os jovens meliantes viram-se forçados a regressar ao cemitério de Chicá, algures em Ribáuè, para mostrar às autoridades onde e como tinham roubado o esqueleto do cidadão albino.
Curiosamente, a família do finado, que em vida respondia pelo nome Alfesto Fernando, foi apanhada de surpresa. Na companhia dos jovens-escavadores e da Polícia caiu de bruços quando no cemitério só encontrou o resto da cabeça do seu ente querido.
A nossa equipa de Reportagem quis reviver esta experiência sinistra e visitou o local. A campa de Alfiado, 13 anos de idade quando morreu, não passa hoje de um montículo de areia. Areia que na verdade só cobre o que sobrou da cabeça, vislumbrando-se, ali perto, tecido de pano fresco, empapado, retirado do resto do esqueleto desaparecido. O cobertor denuncia cheiro insuportável, o que é compreensível.
Albano Muchaia, tio do falecido, fala quase a chorar quando observa o cenário. Mal consegue levantar a cabeça. Diz, amargurado: levaram os ossos do nosso falecido para venderem na cidade de Nampula…
E acrescenta: reverificamos a campa. De facto tiraram tudo. Só deixaram a cabeça. Não sabemos, até hoje, onde estão os ossos…
Visivelmente consternado, Ernesto António, chefe de localidade de Chicá, disse ao domingo: Já não basta a pessoa estar morta. Não pode descansar. Estes jovens vandalizaram a campa e só deixaram a cabeça do jovem albino.
O nosso entrevistado acrescentou que soube do sucedido quando os ossos do finado já estavam à venda num mercado em Nampula. “O mais grave é que os ossos sumiram até hoje, apesar de o caso estar com a Polícia”, ressalvou.
Soubemos, entretanto, que um dos jovens-escavadores já foi solto. Ninguém sabe ao certo se pelo tribunal ou pela Polícia, e tudo aponta para penas “moles” no quadro do antigo Código Penal. Os documentos que domingo reproduz, à parte, comprovam penas bem fraquinhas para a monstruosidade dos crimes barbaramente cometidos.
Catarino Maciala, chefe das operações no Comando Distrital da Polícia da República de Moçambique no distrito de Ribáuè, confirmou à nossa Reportagem que o caso passou pela Procuradoria Distrital e pelo Tribunal Distrital de Ribáue. Disse que alguns jovens, indiciados no crime, já passeiam, à vontade, pela vila de Ribáuè. Nada disse sobre o paradeiro dos ossos. O auto ocorreu e foi despachado para tribunal, junto com o produto do crime, limitou-se a dizer.
NAMPULA//BRUXARIA
Oitenta mil meticais por cada osso
A nossa Reportagem soube que, algures em Murrupula, uns 90 quilómetros da cidade de Nampula, ocorrera caso semelhante: corpo de albino foi desterrado e cortado às fatias. Alzira Samual Manhiça, administradora do distrito de Murrupula, confirma-nos a ocorrência: de facto três jovens exumaram corpo de um albino em Abril. Eles foram encontrados com ossos, a procura de comprador.
A história correu todo o distrito, porque o comprador, um curandeiro, foi trucidado por uma viatura quando ia buscar os ossos. “Foi a vingança do morto”, diz-se em Murrupula.
O crime macabro foi praticado a escassos dois quilómetros da vila e a Polícia recuperou os ossos num esconderijo local. À semelhança do sucedido em Ribáuè, apenas a cabeça do morto foi poupada pelos criminosos.
Três jovens participaram neste jogo funesto. Dois são de Murrupula e um de Rapale, no Posto Administrativo de Namaíta.
O caso já foi julgado e os ossos foram entregues ao tribunal distrital que os devolveu aos familiares, garante a administradora Alzira Manhiça.
Fomos ao tribunal distrital e constatamos que de facto o processo teve réus-confessos, nomeadamente: Lobado Álvaro Aliasse, Dionísio Alberto, Joao Américo Miguel, Orlando Ângelo.
Publicamos matéria dos autos à parte e pode facilmente constatar-se que os jovens envolvidos no crime confessaram que foram encontrados com doze ossos humanos (pertencentes ao finado Xavier Nametho), desenterrados literalmente do cemitério local.
O processo com o número 36/2015, foi antes tramitado pela Polícia com o auto número 70/CDPRM-Murrupula.
Discutida a causa, comprovou-se, inequivocamente, que aqueles jovens, de noite, cerca das 24 horas, dirigiram-se à uma campa, onde foi enterrado o corpo de Xavier Nametho, residente até a data da sua morte no bairro de Impovola e enterrado no cemitério de bairro Namidia.
No tribunal, os jovens declararam que extraíram 12 ossos para um mandatário (já falecido), que residia no distrito de Ribáuè. Cada peça custaria 80 mil meticais.
Os jovens foram condenados pelo tribunal de co-autoria moral e material no crime de violação de túmulos e quebra de respeito devido aos mortos nos termos do artigo 247 do Código Penal.
Para crime tão “montanhoso”, apanharam seis meses de prisão (convertida em multa à taxa diária de 30 meticais), e pagaram 300 meticais de imposto de justiça, 200 meticais emolumentos de defesa e indemnização de 15 mil meticais aos familiares do falecido.
Estamos contra
venda de órgãos humanos
– Uazir António, da Associação dos Médicos Tradicionais de Nampula
Uazir António, presidente da Associação dos Médicos Tradicionais (AMETRAMO) em Nampula disse à nossa Reportagem que sua organização repudia, veementemente, a acção de redes criminosas que têm multiplicado a caça aos cidadãos albinos em Nampula.
O albino é um ser humano. É inconcebível que um ser humano cace outro ser humano, sublinhou, acrescentando que a AMETRAMO em Nampula limita-se a vender medicamentos de origem natural.
Não temos conhecimento de nenhum caso de compra de peças humanas envolvendo um curandeiro da nossa associação, frisou, garantindo que qualquer membro que ousar comprar tais peças será punido.
Ressalvou que se a AMETRAMO proíbe o uso de peles de cobras, de leões e chifres de animais, muito menos toleraria a venda de órgãos humanos.
Bento Venâncio