Associado a carência financeira e de espaços desportivos, está o fraco nível organizacional, sobretudo na base, em que encontramos clubes que mais se parecem de cantinas privadas que de instituições desportivas.
No fim-de-semana que lá estivemos para nos inteirarmos do estágio actual do desporto naquela província do sul de Moçambique, fomos para o campo para assistir a um jogo de juniores que não se realizou, porque faltou a equipa de arbitragem; o outro jogo do mesmo escalão também não se efectivou porque a equipa doutro clube não se fez presente.
Porém, o director provincial da Juventude e Desporto, Fernando Pinho, não desespera e acredita que o trabalho já em curso pode resultar na ressurreição do que as dificuldades mataram. Mas deixa claro que ainda há muito por fazer para trazer a província de Gaza à ribalta desportiva, o que passa por reorganização dos clubes e purificação das mentes.
Senhor director, como avalia o estágio actual do desporto em Gaza?
Aqui em Gaza, tal como noutras províncias, o desporto é comandado por diferentes associações, com destaque para as de futebol, basquetebol e voleibol, todas elas com a missão de promover a prática desportiva. O futebol é o desporto que mais se pratica, cujo campeonato provincial é muito envolvente e conta com o apoio do Governo, que financia a vertente transporte. O ano passado foi disponibilizado o valor de 600 mil meticais e este ano a previsão é de 500 mil meticais.
Por que dinheiro só ao futebol?
As outras associações, independentemente de terem ou não estatutos, não possuem a certidão UFSA, que é indispensável para quem precisa do apoio do Estado. Através desse documento se fica a saber se a instituição tem ou não empregados por descontar na Segurança Social.
Qual é o nível de prática das diversas modalidades na província inteira?
O basquetebol, atletismo e voleibol se destacam ao nível escolar e federativo na capital Xai-Xai e recreativo nos distritos.
Não deve ser por falta de infra-estruturas que se pratica o desporto a meio gás aqui em Gaza?
Nós como Governo temos o campo de Marian Nguoabi, com pista de atletismo. Fizemos muro de vedação do campo, vedamos com rede o rectângulo de jogos e a pista. Este ano vamos iniciar com a colocação de novas bancadas, trabalho que pode durar dois anos. Estamos igualmente a trabalhar no melhoramento e apetrechamento do campo de Moetane, no distrito de Xai-Xai, com campo de futebol e pista de atletismo. É ai onde queremos ver erguido um mini complexo desportivo ao estilo do Estádio Nacional do Zimpeto. Ainda ao nível das infra-estruturas desportivas, colocamos relva no campo do Ferroviário de Gaza, em Xai-Xai, para que quando uma equipa da capital provincial ascender ao Moçambola não ter que ir jogar fora. Qualquer que seja a equipa a subir para nós será muito bom. Também estamos a trabalhar no melhoramento do campo de futebol de Nwadjahane, na terra de Eduardo Mondlane. Já tem balizas oficiais e melhoramos o piso. Também temos estado a disponibilizar material para todas as modalidades aqui praticadas, dentre elas o boxe.
Está a querer dizer que o Governo de Gaza está associado ao desporto ou é uma maneira de fazer marketing governamental?
Há muita sensibilidade por parte da governadora para com o desporto. E é o que nós queremos e gostamos. Estou satisfeito pela abertura da governadora para com o desporto. Isso facilita o nosso trabalho de massificação e expansão do desporto pela província. Ia-me esquecendo, já temos Ginásio ao Ar Livre na cidade de Xai-Xai. Aquando da sua inauguração a governadora não estava, mas já esteve lá.
Ao nível de desporto pode-se dizer que a província de Gaza fica privilegiada por estar perto da capital do país, Maputo?
O facto de estarmos perto de Maputo por vezes condena-nos, mas os jogadores podem tirar proveito por estarem próximos de outros relativamente mais rodados e experientes. Não sinto vantagem por Gaza ser vizinho da cidade de Maputo.
Acompanha as actividades dos clubes?
Acompanhamos o funcionamento dos clubes. Só que, têm o hábito de não realizarem Assembleias Gerais ordinárias, o que acontece também com as associações. Não podemos continuar a ter clubes para fins não desportivos. Não pode haver abandono de instalações desportivas por parte dos clubes proprietários. Estávamos preocupados com a situação do Clube de Gaza, mas tudo indica que voltará ao caminho que no passado o levou às glórias, entanto digno representante desta província nas variadas modalidades, com destaque para o futebol de que já foi vencedor da Taça de Moçambique (1987). É um clube histórico que deve ser preservado. O Estrela Vermelha também está numa fase avançada de reorganização. Os bons exemplos do Clube de Chibuto, Clube Desportivo de Chidenguele e Ferroviário de Gaza devem ser seguidos.
Que acha do dirigismo desportivo aqui em Gaza?
Os dirigentes desportivos não recebem subsídios financeiros. Ainda trabalham por amor ao desporto. O desporto por vezes é ingrato. Quando os resultados não são positivos há insultos e agressões aos dirigentes. Porém, somos pela transparência dos dirigentes nas suas diversas actuações. A nossa grande aposta é participar em todas as competições organizadas pelas federações. E desejamos mais uma equipa no Moçambola que se junte ao Chibuto.
Dinheiro recebido
gota a gota não ajuda
Não são apenas as federações desportivas nacionais que murmuram pela forma como recebem o financiamento do Governo às actividades desportivas através do Fundo de Promoção Desportiva (FPD). As direcções provinciais da Juventude e Desporto também dizem que a recepção de dinheiro gota a gota faz com que certas obras não terminem a tempo e horas ou que acabam ficando defeituosas.
Quem financia as obras dos campos de Marian Ngoaubi, Moatane, Nwadjahane e outros?
O nosso parceiro na reabilitação e construção de infra-estruturas é o Fundo de Promoção Desportiva. E é com o FPD que perspectivamos a colocação de relva sintética e pista de tartan no campo de Marian Ngouabi, o que seria mais-valia para Gaza, tendo em conta os talentos que temos no futebol e no atletismo. Não faz sentido que a pista de tartan exista só na cidade de Maputo.
Portanto, não tem problema de dinheiro?
O que nos trava é a chegada gota a gota dos fundos. Para Marian Ngoabi o FPD disponibiliza 18 milhões de meticais (melhoramento da bancada sombra e construção da bancada sol e balneários). Neste momento temos na nossa conta quatro milhões de meticais. Não sabemos quando vamos receber as outras partes do fundo total. Isto retarda o que planeamos, embora entenda as medidas de contenção em curso no país, tendo em conta que há outros sectores, como saúde e educação, que muito precisam de dinheiro. Com 18 milhões disponíveis só duma vez o impacto do trabalho projectado seria maior e melhor. Gostaríamos de começar uma obra e acaba-la sem parar. Da forma como nos chega o dinheiro ficaremos quatro anos a construir o que projectamos para um ano. Espero por melhores dias. Sei que há quem nem um tostão recebe.
Empresas patrocinadoras
cometem discriminação
É frustrante que acontece com o patrocínio das empresas nacionais ao desporto. Só aceitam parcerias com os clubes de Maputo, onde as mesmas estão sediadas. Qualquer pedido dos clubes e associações provinciais é negado, alegadamente porque prestam responsabilidade social na capital do país. Paradoxalmente, essas mesmas empresas não vendem seus produtos apenas na cidade de Maputo.
Fernando Pinho é de opinião de que os patrocínios das empresas, sobretudo públicas, devem estender-se a todos os clubes e associações do país inteiro. Que a justiça seja reposta.
O empresariado apoia o desporto em Gaza?
Apoia! Nunca vai apoiar se não formos ao encontro dele. Alguns clubes conseguem trazer um e outro empresário. Nós como Governo sentimos que algumas das grandes empresas, como a mCel, Vodacom, EDM… e bancárias, cujas sedes estão em Maputo, quando localmente são solicitadas patrocínios respondem dizendo que o fazem através de responsabilidade social dirigida aos clubes da capital do país. Esquecem-se de que têm ganhos em todo o país. Vemos equipas de Maputo com quatro ou cinco dizeres publicitários dessas empresas estampadas nas camisolas dos seus jogadores no Moçambola. O desporto não pode ser apoiado somente através dos clubes da cidade de Maputo. Esse apoio tem de cobrir o país inteiro, do Rovuma ao Maputo. E deve-se estender ao desporto recreativo.
E pode haver negócios menos claros entre gente dessas empresas e com dirigentes de certos clubes beneficiários de tais apoios. Tem alguma proposta de solução?
Eu acho que o apoio das empresas ao desporto devia ser directamente às federações de modo a que estas fizessem descer o dinheiro às associações e estas aos clubes. Só desse modo as tais empresas patrocinadoras se podiam orgulhar de estarem a apoiar o desporto em Moçambique.
Qual é a federação que melhor serve os interesses da província de Gaza?
Apreciamos o trabalho da federação de futebol, que forma árbitros, drena dinheiro, o que é muito bom e deve ser seguida pelas outras federações. Nota positiva. Segue a federação de atletismo que dá formação e material desportivo e dinheiro para a associação, para além de Kits para circuitos. Não queremos que as federações só apareçam na hora de votação. Vamos controlar as associações na hora das eleições federativas. Vamos ficar muito atentos ao que vai acontecer no futebol. Serão os clubes da província a indicarem o candidato a votar. Não queremos que o candidato só se comunique com o presidente da associação.
Como avalia o trabalho do representante do Conselho Nacional do Desporto?
Era preciso dotar de condições o representante do CND. Ter um subsídio razoável e um fundo para o seu funcionamento, à semelhança dos secretários gerais. Ter meio de transporte para não andar à boleia dos clubes. Nós fazemos questão de lhe incluir nas nossas deslocações. Mesmo nas sessões do Governo ele nos acompanha.
Quem é Fernando Pinho?
Sou eu! Professor de Educação Física com vinte anos de serviço na cidade da Beira. Director provincial da Juventude e Desporto de Manica. Há cerca de três anos sou director provincial da Juventude e Desporto de Gaza. Sou natural de Gaza. Voltei à casa. Tenho obrigação de intervir daquilo que vi no tempo colonial. O campo do Ferroviário de Gaza foi sempre pelado, hoje relvado. O campo de Marian Ngouabi já tem outro aspecto, o que muito me orgulha. Surpreendo os desportistas mantendo diálogo com o movimento desportivo, de forma informal. Desse modo vou recebendo subsídios de como dirigir o desporto na província.