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Capulanas e africanidades

Por admin

Paulina Chiziane, escritora moçambicana de créditos mais que firmados, foi semana finda homenageada pelos sessenta anos de vida e 25 anos de carreira literária.  O reconhecimento, que veio em boa hora, remete-nos para as raízes da africanidade, na busca de espelho para uma identidade que nos parece fugidia, marcada por veios culturais diversos, matizadas por uma história com vários testemunhos.

Nesta cruzada de busca de identidade, Paulina Chiziane nos ensinou a não ter vergonha do que somos e insiste na necessidade de nunca termos vergonha de praticar o culto dos antepassados, sublinhando em tributo para estes a necessidade de abraçar a cultura que seguiram. No apego às raízes, a escritora do “Ventos de Apocalipse”, da “Balada do Amor ao Vento” e de “Niketche”, revela a história que ela própria viveu, cimentada justamente pelo regresso amargo às origens, uma história retratada num dos seus últimos livros. A presença da mulher, num feminismo em grau superlativo, atravessa este veio cultural que Paulina teimosamente cultiva nos seus livros, ressaltando a necessidade de ela pugnar pelos seus direitos e, sobretudo, valorizando as suas origens na estreia do mundo.

Neste tributo à Paulina Chiziane, recuperamos um dos símbolos que a mulher, moçambicana em particular, tem sabido manter ao longo dos séculos: a capulana, elemento de identidade imanente.

Nesta edição (ler páginas 16 e 17) reavemos este símbolo cultural e reproduzimos sua essência na criatividade dos dias de hoje que até junta homem e mulher no mesmo gosto, na mesma identidade.

Hoje por hoje, a capulana não pertence só à mulher. É espelho cultural, elemento de uma sociologia tipicamente nossa, está no húmus societário que nos caracteriza e nos orgulha naquilo que aprendemos na articulação preciosa que tentamos esboçar entre o passado, presente e futuro. Falar de moda moçambicana sem falar dos trajes e vestidos africanos pode até ser falar de moda, mas não é falar de África. Os trajes africanos feitos a partir de panos estampados são o que melhor caracteriza a tradição africana de vestir e de estar. No passado, as capulanas ou panos coloridos eram usados pelas senhoras mais velhas, quase em exclusivo. Serviam-se dos panos para criar lenços que amarravam à cabeça, vestidos moldados pelo jeito habilidoso com que enrolavam o pano no corpo e os chamados panos de mamã para transportar bebés e crianças pequenas. Hoje, os tecidos africanos são aplicados em todo o tipo de roupas e adaptados a sapatos femininos e acessórios de moda feminina como colares, bolsas, carteiras, chapéus e muitos outros. As maneiras tradicionais de vestir ou usar os panos subsistem e basta percorrer uma qualquer estrada africana para encontrar mulheres embrulhadas em “vestidos africanos” segurando crianças ao colo ou às costas em panos de estampas africanas. No entanto, a capulana deixou de ser o traje tradicional exclusivo das avós ou mamãs, passando a ser usado por mulheres de todas as idades. Transpôs as fronteiras culturais para se afirmar como elemento distintivo da moda tanto para mulher como para homem. Aquilo que parecia ser uma tendência de moda gerada pela adopção dos padrões africanos em colecções de alta-costura é, hoje em Moçambique, um regresso às raízes, uma vontade generalizada de defender a identidade cultural pelo uso da roupa tradicionalem detrimento da roupa importada.

Hoje, é mais do evidente que se ensaia um regresso às raízes – atente-se também aos nomes agora em voga, nomeadamente Wezu, Wanga, khensany, Wuyani, Dambu, etc. – que há um par de anos seriam motivo de galhofa; o mesmo se verifica com a redescoberta da capulana e do uso, não só em cerimónias privadas mas também públicas e oficiais, de trajes “Africanos”. Será um novo renascer africano ou a manifestação do orgulho de pertença a um espaço no concerto das nações? Sejam lá quais forem as respostas, fica evidente que a beleza que caracteriza o traje africano ou moçambicano resulta da grande mistura e de influências que o país vivenciou ao longo dos séculos; aqui aportaram árabes, persas, chineses, etc. etc. e isso faz um quadro bonito e único: nós! Nós que mostramos, nesse esforço, que canta alto a alma no nosso seio, e que a balada de amor pode não ser ao vento, mas para o interior de nós mesmos, espécie de paródia de pensamento de Paulina Chiziane!

 

 

 

 

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