Texto de Abibo Selemane e Fotos de Jerónimo Muianga
Camponeses do distrito da Manhiça, província de Maputo, estão a desistir de produzir alimentos para se dedicarem à produção de cana-de-açúcar, porque a natureza, sob pretexto de mudanças climáticas, está a fazer uma tremenda confusão. Chove demais, faz demasiado calor ou frio de rachar e, de permeio, sopra vento que deita tudo abaixo. Com a Açucareira da Maragra como vizinho que paga pela produção de cana-sacarina poucos resistem ao “assédio”.
A natureza vem mudando de comportamento há alguns anos e os camponeses da Manhiça, a norte da província de Maputo, conhecem muito bem todas as manifestações daquilo a que o mundo chama de mudanças climáticas.
A partir de uma certa altura, se deram conta de que quando chega a época chuvosa está garantida a perda de culturas, porque os campos ficam inundados por longos dias a ponto de culturas como a couve, alface, tomate, cebola, milho, mandioca, batata-doce, amendoim tornarem-se inúteis.
Na época seca, idem. Faz um frio árctico que reduz a produção a zero. Na passagem do inverno para o verão, o vento chega demolidor para arrancar folhas e flores e deixar os camponeses com os nervos à flor da pele. É tanta confusão que quase todos começam a fazer as contas à vida. Para agravar, o mercado também não ajuda muito.
Pior porque as áreas de cultivo estão localizadas na baixa que leva o rio Incomáti ao Oceano Índico, local onde as cheias adoram frequentar a cada começo de ano. Trata-se de uma imensa planície onde os camponeses também disputam território com famílias inteiras de hipopótamos que, quando entendem, abandonam o leito do rio e vem desfrutar das doces melancias, abóboras, entre outros produtos cultivados pelo homem.
Perante este quadro, por volta de 2010, a Açucareira da Maragra terá ensaiado um namoro com os agricultores daquela área com a finalidade de atraí-los para o cultivo da cana-de-açúcar. Porém, o emissário que contactou os camponeses não conseguia explicar onde residiriam as vantagens desta mudança. Pelo facto, quase todos torceram o nariz, franziram o sobrolho e declinaram o convite.
Conforme apurámos, a empresa não oferecia condições e garantias para os camponeses. Apenas queria cana. Sementes, insumos, apoio no corte, transporte e limpeza das áreas, não constavam da proposta lançada naquela época.
Entretanto, no ano passado, a União Europeia decidiu abraçar a causa e prometeu aos agricultores que os campos passariam a beneficiar de limpeza e seriam construídos diques de protecção. Com as coisas colocadas nestes termos, muitos camponeses da área de Munguine, que tinham resistido na primeira investida directa da Açucareira da Maragra, prontificaram-se em reservar parte dos seus hectares para a produção de cana-de-açúcar.
A partir de então, a tradição de produzir alimentos para abastecer os centros de consumo de Maputo e Gaza, e também para o seu próprio começou a perder terreno a favor da produção de cana. As áreas de cultivo de comida minguaram e só restam espaços para garantir que as famílias não morram à fome enquanto aguardam pela venda de cana.
Dados em nosso poder dão conta de que já houve um memorando de entendimento entre a Maragra e os camponeses e, brevemente, haverá assinatura do contrato para, posteriormente, iniciarem os trabalhos de limpeza e melhoramento dos diques de protecção. A perspectiva é de que o projecto seja executado numa área de mil e 500 hectares.
Entretanto, o distrito tem cerca de 17 associações de camponeses que num passado recente produziam culturas como o milho, mandioca, banana, batata-doce e hortícolas, tanto para o sustento da família, assim como para a comercialização.
Aliás, os agricultores que ainda produzem estas culturas apontam a presente época como perdida, uma vez que as suas machambas ficaram dois meses inundadas. Muitos destes estão a iniciar com o processo de limpeza dos campos para correr atrás do prejuízo.
PROJECTO SUSTENTÁVEL
Os associados de Munguine consideram que o projecto de produção de cana-sacarina patrocinado pela União Europeia é sustentável, uma vez que vai revolucionar a prática da agricultura naquelas zonas da província de Maputo.
José Catarino, da Associação dos Agricultores de Munguine, garantiu ao nosso jornal que ninguém está obrigado a abraçar o projecto. “Não é uma obrigação. Como eu quero, vou aderir. E porque também estou descapitalizado esse projecto vai-me ajudar muito. Trata-se de um projecto que tem um mercado garantido que é a Maragra”, disse.
Segundo Catarino, a União Europeia garantiu que a Maragra vai disponibilizar o seu equipamento para a limpeza dos campos e construção de diques de protecção, para além de fornecedor sementes de qualidade.
“Nos últimos tempos temos assistido a chuvas cíclicas e isso faz com que as pessoas desistam de algumas culturas e apostem noutras que resistam às cheias. Neste momento, a cana-de-açúcar é a única alternativa”, referiu.
MARAGRA DECEPCIONA PRODUTORES
Uma parte dos agricultores de Munguine que abraçaram a produção de cana-de-açúcar está desapontada com a medida tomada pelas autoridades da empresa açucareira da Maragra, porque quando acordaram a produção desta cultura não foi divulgado o custo de cada tonelada da cana. Este facto dificulta os agricultores de preverem o seu rendimento anual.
A situação torna-se mais difícil de gerir porque são os próprios agricultores que recrutam os indivíduos que ajudam a transportar a cana para os camiões que levam para fábrica.
Os agricultores revelaram que nos últimos dois anos está cada vez mais difícil gerir o processo, uma vez que para além de não conhecerem o preço, no ano passado foram obrigados a entregar duas vezes a produção, alegadamente porque havia baixado o dólar no mercado internacional.
Abílio Cuna, presidente da União das Associações e Cooperativas de Munguine, disse que no ano passado os produtores entregaram a cana e receberam uma parte do valor e a outra ficou para ser recebido meses depois. Contudo, passado um tempo foram chamados para a empresa onde foram informados que a Maragra teve prejuízo na venda do seu produto no mercado internacional.
“Tentamos fazer entender que não éramos culpados, mas não tínhamos instrumentos suficientes para lhes convencer. Fomos obrigados a cortar e entregar outras quantidades para fechar a parte que nos exigiam”,disse.
Num outro desenvolvimento, Cuna referiu que a sua agremiação não abandonou por completo a produção de outras culturas. As mesmas servem apenas para garantir o sustento familiar.
“O problema é a falta de mercado. Produzimos banana, batata-doce e milho e, quando levamos para Bobole e cidade de Maputo para vender, o cliente é que fixa o preço e as vezes voltamos sem vender. Este facto é que nos faz desviar maior parte dos nossos campos para a produção da cana-de-açúcar”, disse.
Acrescentou que independentemente das suas artimanhas, a Maragra é uma empresa onde o agricultor leva o seu produto e tem um valor garantido. “Não estou a dizer que o dinheiro que recebemos da Maragra responde às nossas expectativas, mas sabemos que vamos vender. Infelizmente, o nosso acordo não está a andar como deve ser. Mas, prontos. Não é o mesmo que ficar sentado sem saber onde é que vamos vender o produto”.
Por sua vez, Armando Cossa, com cerca de oito anos a produzir cana-de-açúcar, revelou que foi induzido pelos seus amigos que tinham melhor rendimento que ele.
Segundo Cossa, o problema que existe é que nos últimos anos não tem tido bons rendimentos. O que tem acontecido é que quando o produtor entrega o produto recebe quase 95 por cento do dinheiro e é orientado a esperar pela chamada da empresa para receber a parte final.
“Estamos a fornecer à empresa há bastante tempo, mas até hoje ninguém sabe quanto custa uma tonelada. É diferente de outras culturas, por exemplo, uma caixa de banana custa 350 meticais. Você antes de vender já prevê quanto é que vai ganhar. Na Maragra é possível duas pessoas entregarem as mesmas quantidades, mas receberem valores diferentes. Quando perguntamos o motivo da diferença dizem que é a qualidade”,referiu.
O nosso entrevistado revelou que as constantes inundações e cheias que assolam o país nos últimos anos frustram os planos dos camponeses. “Às vezes digo que vou deixar de produz a cana-de-açúcar, mas logo que chove tudo o que estava plantado fica estragado”, disse.
NEM TODOS
ABRAÇARAM O PROJECTO
O projecto de plantação de cana-de-açúcar nos campos de Munguine não convenceu a todos os agricultores locais. Alguns referem que a produção não satisfaz à classe, porque tem uma colheita por ano, enquanto a de banana acontece todos os meses.
Alexandre Chissico, da Associação de Produtores de Banana de Manhiça, disse que o seu conjunto não tenciona abraçar a produção da cana-de-açúcar, mas actualmente está frustrado porque a qualidade da sua produção baixou.
Para fazer face à situação, estão a apostar numa nova variedade de banana chamada SH 3640, que resiste à força das calamidades naturais. “Actualmente, a produção é muito fraca. Até 2010 a associação abastecia grandes estabelecimentos comerciais da cidade de Maputo, com maior destaque para a Shoprite, mas por causa da chuva a nossa qualidade baixou. Em consequência disso fomos obrigados a interromper o abastecimento naqueles centros”, disse, tendo acrescentado que actualmente a sua produção é comercializada no mercado da Manhiça.
“Ainda não entramos na rotina de cana-sacarina, mas os nossos colegas já entraram, porque quando os campos são afectados pelas inundações a produção fica perdida. Não é da nossa vontade, mas uma pessoa pode percorrer uma distância longa sem ver a produção de banana, porque quando a água enche a cultura perde qualidade e não resiste”.
Segundo Chissico, sem esses constrangimentos aquela associação mandava 200 caixinhas a Shoprite por semana, mesmo assim restava uma parte que servia para outros compradores. “Na altura tirávamos banana duas vezes por mês. A produção começou a falhar em 2010. Já recebemos proposta da Maragra para mudarmos, mas sentamos e reflectimos e concluímos que colher uma vez por ano não é o mesmo que uma vez por mês”, concluiu Chissico.
Abibo Selemane
Fotos de Jerónimo Muianga