Texto de André Jonas e Fotos de André Jonas
Estamos em Metapiri, no extremo norte do distrito de Mecula, Niassa. Aqui foi construída uma das estâncias turísticas mais luxuosas da província. Trata-se da Sociedade de Ecoturismo de Metapiri, a única com cinco estrelas existente a nível desta província.
Situada no interior da maior reserva faunística do país, a pouco mais de 500 quilómetros da capital provincial, Lichinga, e a cerca de 100 da vila de Mecula, a propriedade é pertença de cidadãos sul-africanos.
Quis o destino colocar aquele paraíso sobre um dos pontos mais altos das margens do rio Lugenda, a partir do qual os seus visitantes podem observar a bela paisagem constituída por montanhas e plantas raras, para além de hipopótamos, crocodilos, entre outros bichos que fazem daquele rio, uma relíquia de se lhe tirar o chapéu.
Para quem visita pela primeira vez aquela estância turística, fica com a sensação de que está penetrando numa mata fechada, onde os arboretos se entrelaçam, tornando inaudíveis os cantares dos pássaros que ali abundam, num ambiente verdadeiramente aprazível.
Já no interior, a forma como foram construídos os chalés (casas pequenas e redondas) chama à atenção dos visitantes. Todas as plantas, e todo o resto, que existiam antes da implantação da estância continuam lá. Aliás, aqui reside a grande diferença entre este estabelecimento turístico e os outros que se encontram espalhados um pouco por toda a província.
De referir que a coutada onde se situa a Sociedade de Ecoturismo de Metapiri é conhecida pela sua forma de respeitar as regras ambientais. Informaram ao domingo que os gestores da Metapiri pagam pelos troféus sem que os animais sejam abatidos, tudo na perspectiva de permitir que as várias espécies, maior parte das quais em vias de extinção, se desenvolvam sem interferência do homem, o principal predador que ameaça desequilibrar o ecossistema nos próximos tempos.
Pascal Counert e Cornesse Stephane, seus gestores, defendem que “é importante privilegiar a manutenção e liberdade dos recursos faunísticos que abundam naquele local através do estabelecimento de um ambiente sustentável que propicia uma boa conservação dos animais”. Daí os seus proprietários terem tomado a iniciativa de estabelecer ali uma estância turística vocacionada para o turismo cinegético e de laser.
Segundo as nossas fontes, com esta nova maneira de fazer turismo pretende-se mobilizar os utilizadores daquele estabelecimento para a necessidade de centrarem as suas acções em torno do meio ambiente, permitindo, desta feita, a multiplicação sustentável e equilibrada dos recursos ali existentes.
Ali, os chalés são construídos com recurso ao material local, debaixo de uma mata fechada, cobertos por frondosas árvores. A distância entre as casas varia entre 50 e 300 metros. As várias viaturas luxuosas ali estacionadas mostram, sem margem para dúvidas, a opulência financeira dos seus proprietários. São viaturas novinhas e preparadas para aquele tipo de estradas, que mais parecem picadas de animais do que propriamente para humanos.
Segundo Cornélio Miguel, administrador da Reserva de Niassa, a Sociedade de Ecoturismo de Metapiri foi concebida para receber amigos, embora esteja também aberta para visitas de pessoas que queiram deliciar-se da beleza daquele local.
Ao longo do caminho, que nos levou até Metapiri, vimos animais que, antes, só víamos em imagens televisivas e/ou retratados em livros. Referimo-nos, por exemplo a elefantes, pala-palas, impalas, antílopes, javalis, entre outros animais selvagens. Embora víssemos excrementos de búfalos, não tivemos, até à nossa saída, o privilégio de observar algum daqueles animais, que se diz existirem com abundância na maior reserva faunística de Moçambique.
Mas ali nem tudo é um mar de rosas, pois foi possível perceber que os animais andam apavorados com a presença do homem. Eles, pelo menos em relação aos animais com que cruzámos, não querem ver, nem de longe nem de perto, o homem.
O motivo é sobejamente conhecido: a caça furtiva, envolvendo cidadãos estrangeiros, com a colaboração de nacionais, ganha terreno e forma. Extermina a fauna, para além de outra acção criminosa que dá pelo nome de queimadas descontroladas.
Como resultado desta acção irreflectida, muitos elefantes, principalmente estes, estão a conhecer, nos últimos tempos, uma perseguição tenaz pelo seu principal predador: o homem, que quer lhes extrair o marfim para comercialização, sem benefícios para o país, no continente asiático, nomeadamente, no Vietname e China.
O número de elefantes abatidos pela acção humana é elucidativo de como a coabitação entre o homem e o animal é insustentável na Reserva Nacional do Niassa. Sobre o assunto, as autoridades ligadas à área vaticinam que a caça furtiva está a ameaçar a família dos paquidermes, calculando-se que dois mil e 627 elefantes tenham caído nas malhas dos furtivos, nos últimos anos.
“O homem, o principal beneficiário da Reserva de Niassa, deve começar a mudar de comportamento, combatendo tenazmente a prática da caça furtiva, para o equilíbrio do ecossistema”, defendeu o administrador daquela reserva, Cornélio Miguel, que não vê razões para a tal prática, uma vez que, segundo ele, há atribuição regular de quotas de animais a abater pelas comunidades.
Enquanto isso, um ancião que falou na condição de anonimato denunciou as matanças de animais que ocorrem em quase toda a reserva. Diz ele que nos últimos tempos os animais têm-se distanciado dos homens, devido à crueldade destes.
“Agora os animais têm medo dos homens. Antigamente, a coabitação entre os dois era possível. Agora a distância parece mais alargada. Um simples som de motor é suficiente para colocar um animal em fuga”, explicou aquele cidadão, que aconselha os residentes a ponderarem a sua maneira de ser e estar para com a natureza.
Para aquele ancião, a desculpa dada por algumas pessoas segundo a qual os animais provocam mortes nas comunidades é uma falácia. Vezes sem conta, segundo o nosso orador, o homem é que vai provocar os animais. Referiu-se a dois casos em que igual número de cidadãos encontrou a morte depois de forte luta entre os homens e os búfalos. “O homem vai provocar o búfalo e este defende-se, havendo, naturalmente, prejuízos maiores para o mais fraco, neste caso o homem”, alertou aquele ancião, para quem o homem deve deixar de perseguir os animais, evitando desta forma torná-los violentos.
Festivais da Reserva e do leão
mobilizam residentes de Mecula
Em Mecula, o mês de Novembro tem sido habitualmente reservado para a realização do festival cultural da Reserva de Niassa, acto que coincide, simultaneamente, com as comemorações do Dia do Leão.
Este ano não foi excepção. A localidade de Mbamba, situada a 75 quilómetros da vila-sede do distrito, foi o local escolhido para acolher a efeméride. Com efeito, milhares de pessoas, algumas das quais vindas de zonas recônditas, participaram no evento. O desporto, com o atletismo à testa, desenhos relacionados com o reino animal, meio ambiente e actividades ligadas à conservação foram alguns dos temas escolhidos para ocupar os presentes.
Segundo Cornélio Miguel, administrador daquela reserva, o objectivo dos festivais, que reuniram, para além do distrito anfitrião, os participantes de Marrupa e Mavago, é o de sensibilizar as comunidades a darem mais valor aos recursos que a Reserva dispõe, com destaque para os faunísticos.
Sendo a Reserva de Niassa aquela que mais animais perde, anualmente, devido à acção do homem, principalmente de estrangeiros, espera-se das comunidades maior distanciamento em relação às acções que visam dizimar os animais, considerados principais riquezas do distrito, da província e dom país.
Em Mbamba, a cerimónia contou ainda com a participação do projecto “Carnívoros do Niassa”. Trata-se de uma organização, sem fins lucrativos, que se dedica à conservação do leão, símbolo dos predadores.
O projecto envolve cidadãos nacionais e estrangeiros, que chegaram a Moçambique há 10 anos, como investigadores de animais carnívoros. Agostinho Jorge, que representa a parte moçambicana naquele projecto, destacou o papel da sua organização, considerando-a um pilar mobilizador junto das comunidades.
Um dos marcos mais importantes do dia do leão é o facto de as pessoas poderem ver “in loco” o maior predador de sempre. Infelizmente, como tem sido hábito nos últimos anos, o leão não apareceu, sendo, em sua substituição, sido exibidos os hipopótamos do famoso rio Lugenda. Segundo Agostinho Jorge, existem em Mbamba entre mil e mil e 200 leões, daí a sua conservação exigir maior atenção das comunidades para que a espécie não seja extinta.
Furtivos fogem das celas da PRM
Se, por um lado, as autoridades da Reserva se esforçam no sentido de criar condições para uma boa conservação, através da atracção de investimentos no país e no estrangeiro, por outro, instituições há que parecem colaborar com as pessoas que dizimam os animais de forma deliberada.
Referimo-nos a um caso concreto que se deu, há dias, no Comando Distrital da Polícia da República de Moçambique de Mecula, onde dois perigosos caçadores furtivos evadiram-se das celas em circunstâncias estranhas. Os dois criminosos escapuliram-se sem deixar rastos.
A situação chocou meio mundo, com as autoridades da Reserva do Niassa a estranharem o sucedido, sem, no entanto, apontarem dedo a quem quer que seja, por alegada falta de provas materiais.
Em contacto com a administradora de Mecula, Emiliana Muatelenro, esta confirmou o sucedido, mas justificou que tal se deveu à ausência de uma unidade penitenciária segura, no distrito, o que, segundo ela, faz com que os presos condenados tenham que percorrer 140 quilómetros para serem encarcerados no vizinho distrito de Marrupa.
“Tudo está a ser feito para que muito brevemente o distrito de Mecula possa construir as suas próprias instalações prisionais, permitindo desta feita a gestão dos presos no próprio distrito”, assegurou aquela governante, para quem, situações semelhantes continuarão a ocorrer enquanto o distrito não dispor de uma penitenciária própria.
Por sua vez, o procurador distrital de Mecula, Danilo Mouzinho Tiago, não está convencido com a justificação da PRM, daí ter dado ordem de prisão para os dois agentes que “facilitaram” a fuga dos dois criminosos.
Segundo aquele magistrado do Ministério Público, os agentes vão responder pelo crime de negligência, num processo que tem o número 75/2014.
Por outro lado, em relação aos fugitivos, nomeadamente António Bernardo e Paulo Nhange, cujos processos têm os nºs 56/2014 e 57/2014, respectivamente, esforços estão a ser envidados com vista à sua recaptura, para responderem pelos crimes de que são indiciados.
Em contacto com a nossa reportagem, aquele magistrado do ministério público disse não perceber as razões que levaram a que os furtivos ora em fuga não fossem algemados, sabido que se tratava de perigosos cadastrados e, ainda por cima, se encontravam em celas sem mínimas condições de segurança.
Danilo Tiago reconhece, entretanto, que o ambiente criado pela fuga dos furtivos é de frustração, uma vez que, até à sua detenção, foram necessários nove meses de árduo trabalho de investigação. A nossa fonte contou ainda que a “evasão” aconteceu um dia antes de os dois perigosos cadastrados terem recebido ordens de transferência para a cadeia de Marrupa, o que leva as pessoas, incluindo os funcionários da Reserva a pensarem que se trata de um acto deliberado de facilitação, embora não seja este o pensamento da procuradoria distrital.
“Depois de um trabalho preliminar, concluímos que se tratou de negligência dos agentes indicados para guarnecerem os arguidos, uma vez que, depois da refeição da noite não houve o esforço de revistar os arguidos, o que fez com que eles entrassem dentro da cela com um varão com cerca de 15 centímetros de comprimento com o qual arrombaram a porta que dá acesso à casa de banho para, de seguida, arrombarem a janela desprovida de grades”, explicou o procurador, Danilo Mouzinho Tiago, reconhecendo, contudo, que as celas do comando da PRM não possuem condições de segurança para manter cadastrados considerados perigosos.
Como primeira medida, a procuradoria distrital decidiu privar a liberdade dos dois agentes, enquanto decorrem esforços para a recaptura dos criminosos evadidos. “Até agora, não há evidências de conivência com a fuga”, referiu o magistrado, que, entretanto, acredita que há uma dose de negligência por parte dos dois agentes da lei e ordem.