Na ressaca do nosso fracasso no apuramento para o Campeonato Africano das Nações (CAN-2015) a realizar-se em Janeiro próximo na Guiné Equatorial, há que continuar a pensar sobre o futuro do nosso futebol e concomitantemente sobre o futuro das nossas selecções nacionais.
Este debate é necessário para se aquilatar sobre os caminhos a seguir para que deixemos de chorar e lamuriar cada vez que entramos em competições internacionais, onde sempre as coisas não nos correm bem.
Se as coisas nãos nos correm bem, então analisemos as causas e os efeitos e resolvamos os problemas. Porque, ao que parece, as causas são sempre as mesmas e por isso, os problemas também são os mesmos.
No final do jogo de triste memória para todos nós, no Estádio Nacional do Zimpeto, entre Moçambique e a Zâmbia, Filipe Nyusi, o Presidente eleito, disse uma coisa de importância transcendental e que deve ser retida: “o garante das vitórias não é algo ocasional, tudo tem que resultar de um processo estruturado, cuja base é a formação”.
Numa altura em que se vislumbram no horizonte mudanças profundas e que apontam para um imparável crescimento do país, seria insensato que um fenómeno tão importante em várias vertentes como é o desporto, ficasse à margem de todas perspectivas de crescimento e modernização do nosso país.
E Filipe Jacinto Nyusi, que dedicou uma boa parte da sua vida e do seu saber ao desporto, conhece “por dentro”, a importância desta actividade, tanto para a saúde do nosso povo, como para as vantagens que terá o país, em ter este sector a impor-se no mundo, graças ao (re)conhecido talento da sua juventude.
UMA REALIDADE ATÍPICA
E a pergunta agora é: como chegar-se a um desporto de alto nível competitivo e que proporcione alegrias a todos aqueles milhares de adeptos que foram ao Zimpeto, mais aos milhões que acompanharam pelos meios de Comunicação Social, mormente, a Rádio e a Televisão?
O “edifício” do desporto, ao contrário do que seria normal e até lógico, tem, no nosso caso, que ser construído de cima para baixo, mas também de baixo para cima. Há que se considerar prioritárias as acções nos dois sentidos: de cima para baixo e de baixo para cima. As razões? No primeiro caso, tudo tem a ver com erros históricos – ligados ou não ao desporto – que nos colocaram sem ídolos e modelos locais, logo sem referências e que fez com que o caminho mais simples, ou simplista, para a juventude seja agora o de (re)buscar modelos noutras latitudes, subalternizando ou subestimando as nossas estrelas. Sendo assim, impõe-se apostas fortes na criação e até idolatria das estrelas que temos, mesmo que isso passe pelo envio de mais atletas para brilharem noutras latitudes.
Enquanto isso…o nosso desporto, vítima de muitos males de que vive a sociedade moçambicana em geral, não possui, como noutros países, contra-venenos eficazes, “blindagens”, que façam com que os desportistas ocupem e desfrutem de um estatuto que os super-dotados nesta actividade, ocupam noutras sociedades. Com direitos especiais, mas também com deveres especialíssimos!
Atentemos, só para ilustrar, no seguinte: qualquer um de nós terá registos de jogadores moçambicanos, ao mais alto nível, a gastarem os seus prémios de jogo em restaurantes e barracas, por vezes, vestidos de fato de treino, diante dos olhos de dirigentes e até jornalistas, como se isso fosse a coisa mais natural deste mundo! Algo impensável para um Messi ou Ronaldo, mesmo que em tempo de férias.
UM RICO PASSADO
QUE NOS VITIMA…
Moçambique está sendo vitimado pela sua riquíssima história desportiva. Ainda vive, com fervor nos cidadãos, sobretudo dos mais velhos, o romantismo e esperança do surgimento, a partir do futebol de bairro, do pé descalço, de estrelas de primeira grandeza, que venham a ser como Eusébio, Coluna ou Matateu. Esse é um pensamento atrasado em meio século. Os tempos são outros. Exige-se estudo, trabalho, aplicação e disciplina.
Nos dias que vivemos, a ciência “mete a mão” em tudo. Nada pode ser entregue apenas à espontaneidade, ao chamado talento nato, ou seja ao “jeitinho para o futebol”, por muito que este factor ainda tenha o seu peso. Cada vez mais, uma estrela, um campeão faz-se, a partir do clube e a descoberta do talento, na mais tenra idade, acrescido a um aturado, organizado e paciente processo de formação.
O futebol – e outras modalidades – é cada vez mais atlético e a componente física, que era um complemento, passou a ser uma determinante. Um futebolista não se faz de lirismos como nós cá geralmente pensamos. Faz-se com trabalho dentro e fora do campo. Não bastam ao atleta fazer as horas normais de treino. Ele, próprio, com ajuda da sua equipa técnica, obviamente, pode determinar o que deve melhorar nas suas horas extras de treinamento.
A Zâmbia, que nos derrotou no passado fim-de-semana, tem campos em quase todas as suas escolas básicas. Tem campos improvisados por tudo o que é sítio. Ali, vê-se crianças, algumas descalças até esfarrapadas, correndo atrás da bola em cerradas competições umas com as outras. Começam por aí e vão subindo de escalão. Nós, por cá, quando temos um terreno vago, corremos para autorizar a construção de barracas ou de edifícios de betão.
NECESSIDADE DE REALISMO
Por isso, sem trabalho de fundo e nem grande estudo e planificação, temos vindo a contentar-nos com pequenas vitórias – efémeras e sem factores de continuidade – para de seguida cairmos nos últimos lugares dos “rankings” a que, em momento algum nos devemos habituar. E a pergunta sacramental, a cada insucesso, é sempre a mesma: o que temos que fazer para sair deste marasmo?
Os “Mambas”, uma vez mais, vieram “agitar” esta questão. Quando entramos em competições africanas, a nossa fasquia é sempre colocada num nível alto. Se calhar, nesta última competição, (se a sorte estivesse do nosso lado) um pontapé mais acertado de Dominguez no penalty ou uma melhor marcação de Mexer no lance do golo zambiano, poderíamos ter voltado a alimentar essas ilusões de um país inteiro. Mas seriam de facto ilusões, porque seria um sucesso, quase nascido do acaso. Nada nos diz até agora que estejamos a fazer o trabalho necessário que devemos fazer para ter selecções de nível internacional para competir a sério. “A vitória organiza-se, a vitória prepara-se”, diz o velho adágio, a apontar o caminho adequado a seguir para alcançar sucessos sólidos, mais duradoiros, porque construídos a partir da fundação.
SE FOR UM MAL
A VIR POR BEM…
Sobre o que se falou acima, vamos ficar aqui com um exemplo elucidativo: no início da sua carreira, Lurdes Mutola, a nossa grande estrela, nos Jogos Olímpicos de Barcelona, cometeu o erro de, contrariando as orientações da sua treinadora, colocar-se à frente de um pelotão de estrelas mundiais da modalidade. Resultado: “rebentou” antes da meta e ficou em 5.º lugar.
Comentário/profecia quase sarcástico do nosso saudoso poeta José Craveirinha, muito a propósito da atitude da atleta: “ainda bem que tiveste esta lição. Tens muito tempo e bastas provas para ganhar”.
A lição foi bem apreendida. O resultado, todos conhecemos: uma profusão de sucessos, fruto de todo o rectificar de processos e de mentalidade.
Para os Mambas e para toda uma realidade desportiva nacional, um recado: sejamos realistas! Os números não mentem. Ganhámos de quando em vez, mas não nos estruturamos o suficiente para isso, porque não possuímos bases para contínuos triunfos. Esses vão aparecer quando estivermos melhor estruturados e pensarmos com os pés no chão sobre o que fazer com o nosso futebol. Não corramos atrás da galinha com o sal na mão.
As vitórias efémeras, fruto de um ou outro talento e acções fortuitas e sem a devida estruturação, são para comemorar, mas não para nos deixar tranquilos face à história, sonhos, realidades e tamanho deste país.
Na realidade, parafraseando Filipe Nyusi, os verdadeiros triunfos têm que resultar de um processo que – dizemos nós – deve ser estruturado tendo em conta as realidades em que vivemos neste século.