Várias pessoas que manifestam-se preocupadas com a não ascensão do Estrela Vermelha de Maputo ao Moçambola. Alguns desconfiam que a própria direcção dos alaranjados não esteja interessada voltar a participar na prova máxima do futebol moçambicano, já que não tem tomado medidas para inverter a situação, incluindo a contratação de técnicos e jogadores à altura do desafio.
O domingo procurou pelo presidente do clube, Luís Manhique, para o devido esclarecimento das dúvidas levantadas. Do encontro que tivemos e se produziu esta entrevista, Manhique diz de boca cheia que tem havido uma “mão estranha” a travar o Estrela Vermelha de Maputo na poule de apuramento para o Moçambola.
Senhor presidente, é frequente ouvir-se que “os tipos do Estrela Vermelha de Maputo não querem subir ao Moçambola.” É verdade?
Não só é frequente como eu próprio já fui confrontado com essa afirmação por um simpatizante do Estrela. Ele me perguntou como se explicava que o Estrela Vermelha, que tinha eliminado o campeão nacional em título, a Liga Desportiva de Maputo, na altura também a melhor equipa do Moçambola, e o Desportivo de Maputo para a Taça mas, na fase da poule, tem dificuldades de ultrapassar equipas muito abaixo daquelas que vem derrotando ao longo da época.
Qual foi a sua resposta?
A minha resposta foi a seguinte: eu nunca investiria para uma equipa que depois, de forma propositada, alcançasse os seus objectivos. Portanto, não há da minha parte, nem da parte da direcção, agenda para a equipa não subir. Mas essa é uma área sensível e até vulnerável. Eu e a direcção não temos capacidade suficiente para controlar na íntegra a cada uma das pessoas que integram o grupo de trabalho da equipa principal de futebol. Mas também fica provado que há uma mão estranha à equipa, sempre que ela chega a fase de poule.
Mão estranha vinda de onde? Interna?
A mão estranha pode vir de todos os lados. E com vários interesses. Por exemplo, a qualidade dos jogadores que nós formamos é sempre cobiçada por clubes do Moçambola. Esse é o motivo bastante para, por exemplo, justificar a mão estranha. Nós no Moçambola, eventualmente, não cederíamos jogadores que agora vamos ceder para não prejudicar seu crescimento e desenvolvimento. Mas, também, a mão estranha pode ser de natureza interna que actua nos momentos cruciais como na poule de apuramento. Está identificada uma fraqueza do Estrela nesta fase. As equipas que nos bateram na poule não ficaram nos cinco primeiros lugares do campeonato da cidade de Maputo.
No mundo todo os treinadores que falham consecutivamente os objectivos são afastados. Chaquir é insubstituível ou a sua continuidade poupa as finanças do clube?
Chaquir não falhou os objectivos. Mas falhou uma parte, muito importante e de grande impacto para o Estrela Vermelha, perdendo dois jogos, o primeiro com Maragra, em Manhiça, o segundo com ENH de Inhambane, em Maputo. Do ponto de vista global, ele cumpriu com outros grandes objectivos. Consolidou a identidade do Estrela Vermelha e como consequência disso vendeu bem a nossa imagem; tivemos excelente participação na Taça de Moçambique; vencemos o campeonato da cidade de Maputo e fomos, pela primeira vez, a equipa fair-play, aspecto crucial na nossa forma de estar no desporto.
Está a dizer que está satisfeito com a prestação da equipa técnica?
Com isso não queremos dizer que não tenha havido situações que merecessem censura, que a fizemos em sede própria. Também é nossa pretensão criar um quadro de técnicos competentes, com prata de casa, para que internamente haja disputa, no sentido positivo.
E como a massa associativa do clube encarou a não subida ao Moçambola?
Esta não foi a primeira vez que a equipa só a precisar de um empate ficou pelo caminho. O pior foi quando perdemos com Chibuto e não subimos ao Moçambola. Não deixou de haver um grande desalento. É de saudar a forma didáctica como os sócios encararam essa frustração, pela qual lhes devo mais uma vez desculpas, na qualidade de líder, mas também senti que alguns são mais conhecedores das nossas fraquezas do que eu próprio.
Projecto do clube acima
da ascensão ao Moçambola
O projecto de Aldeia Desportiva em Marracuene terá suplantado o da subida ao Moçambola?
Apesar de ser um projecto de grande impacto, de médio e longo prazo, para o Estrela Vermelha, evitamos assumir a totalidade da obrigação, em relação ao mesmo, contratando serviços profissionais. Desse modo evitamos o desvio das nossas consciências da componente desportiva para a componente das infra-estruturas. Mesmo assim, não asseguramos que não haja quem preferia ou vai preferir priorizar as infra-estruturas, que também são o pilar chave, sobretudo na captação de receitas para sustentar o desenvolvimento desportivo.
Também consta de que o Estrela Vermelha de Maputo não sabe conviver com os árbitros. Confirma?
É uma pergunta bastante subjectiva da qual não consigo retirar a principal génese. Mas o que nós entendemos de convivência com o árbitro é dar-lhe o respeito que ele merece, entanto juiz, e repudiamos veementemente todas as formas da sua actuação que possam alterar a verdade desportiva.
Portanto, vocês não pagam aos árbitros… e apanham por isso. Falta-vos dinheiro?
A responsabilidade de pagamentos dos árbitros é da Comissão Nacional dos Árbitros de Futebol (CNAF) ou da federação…Nós pagamos as taxas instituídas pela federação.
Nunca o Estrela Vermelha admitiu a hipótese de estar a ser impedido de subir ao Moçambola pelo “sistema” montado em volta desta prova? Aliás, ninguém gosta de se deixar vigiar por polícias como sois tidos. E agora?!
Apesar do Estrela Vermelha ter sido criado pelas Forças de Defesa e Segurança (FDS), é um clube aberto a todos os cidadãos que queiram praticar o desporto. Não correspondem a verdade as notícias vinculadas por alguns órgãos de Comunicação Social com os quais se diz que o Estrela Vermelha é o braço politico do sistema, pelo que alguns entendem que não deve fazer parte ou conviver com os demais clubes no Moçambola. E por ai representamos essa vítima, alegada como do subsistema, porque o sistema é claro, é fluido e não discrimina, seja quem for…
É interessante ouvir isso. Continua…
Agora também somos um clube com um potencial, sobretudo de infra-estruturas, largamente cobiçado. E quanto mais for a participação ou o envolvimento do Estrela Vermelha em provas nacionais e internacionais mais difícil fica a acção dos que cobiçam esse mesmo potencial. É por isso que investimos em outras modalidades de igual maneira que o fizemos no futebol, de modo a replicar cada vez mais os nossos sucessos e diminuir o risco de desaparecimento do clube, como em 2009 estava iminente quando só tínhamos o futebol na divisão da cidade de Maputo a ocupar o sexto lugar ou quando hóquei em patins não passava do último lugar durante anos.
Um grande clube reduzido à insignificância.
Isso mesmo, um clube com invejável parque de infra-estruturas estava condenado a desaparecer. Hoje somos campeões de futebol, do hóquei, do boxe, do Kimura Shikokai e nos próximos anos seremos também campeões de atletismo e do futsal, como também vamos retornar à prática de basquetebol ao nível de formação, com o mesmo objectivo de outrora, sermos campeões. Em suma, a nossa falha de subida ao Moçambola é coisa pequena, mas de grande impacto para um clube que se revitalizou e que está a construir uma aldeia desportiva, que será a primeira do país. O nosso projecto é muito acima da ascensão ao Moçambola, que pode acontecer a qualquer momento.
Orientar as províncias
para o exequível
Foi futebolista. É presidente de um dos mais emblemáticos clubes moçambicanos do pós-Independência Nacional. Já foi presidente de Assembleia Geral da Liga Moçambicana de Futebol. Que resta?
Resta crescer. Eu decresci de presidente da Assembleia Geral da Liga, entanto membro fundador, depois de ter sido vice-presidente do núcleo directivo que fundou a Liga. Mas a maior satisfação foi quando fui indicado para chefiar uma das comissões da Missão Moçambique nos X Jogos Africanos de 2011.
Deixe-me melhorar a pergunta: O que lhe resta fazer no desporto?
O que me resta é ajudar Moçambique a ser campeão do mundo, em hóquei patins. O Estrela Vermelha vai lançar próximo ano um projecto denominado “Patinar por Moçambique”. Já temos material. Não faz sentido que um clube com dois pavilhões não seja campeão das modalidades ai praticadas. Estamos a recuperar e ampliar o nosso património. Gostaria de influenciar a todos para esta aposta de infra-estruturas.
Dirige um clube que movimenta diversas modalidades, o que lhe permite conhecer melhor o desporto. Como avalia a actividade desportiva no país?
Do modo geral, os requisitos para a actividade desportiva triunfar no país estão lá. Cabe a cada um de nós saber onde se enquadra. Por, exemplo, eu disse que quero ser campeão em todas as modalidades de salão, porque tenho dois pavilhões e a caminho de ter o terceiro. Então, acredito que Manica e Niassa podem reivindicar melhores oportunidades e resultados no atletismo, porque a sua temperatura e o seu relevo são favoráveis a esta modalidade.
Para si o Estado devia orientar e ajudar aquelas províncias a desenvolverem o atletismo. Como?
A ter que haver uma aposta séria no atletismo, os centros de excelência devem ser construídos naquelas duas províncias. Também entendo que Zambézia, Nampula e Sofala, se calhar, podem produzir melhores pugilistas para este país. Portanto, creio que em regra devemos ser como clube explorador, potenciador e orientador no desenvolver das modalidades que melhor temos capacidade. Se cada clube, cada província for orientada, no sentido de desenvolver o talento que tem como seu potencial, ganha Moçambique.
A que nível de estruturação do nosso desporto estamos a falhar?
Estamos a falhar na política, em especial na sua implementação. Veja que os clubes sempre que uma selecção nacional tem desaire são apontados como culpados, se calhar com alguma lógica. No entanto, apesar de este mecanismo estar previsto na lei, que é de potenciar a formação, nos clubes nada acontece. A única vez que o Estrela Vermelha recebeu bolas e já usadas foi depois dos X Jogos Africanos, em 2011.
Antes recebia novas?
Nunca havia recebido bola. Quando uma selecção ganha, o brinde é entre a federação e aqueles que a mesma federação entende que têm valor. Os clubes não são convidados ao brinde da vitória, mas são responsabilizados pelas derrocadas das selecções nacionais, apesar de não terem sido potenciados para uma formação adequada, com colocação neles de técnicos de qualidade.
Fala-se de voz baixa, que há pessoas que estão no desporto para satisfação de seus caprichos, os tais pára-quedistas que empurram para longe os verdadeiros desportistas. Quer comentar?
Eu próprio já fui acusado de coisas tão inconsistentes e sem sentido pelas mesmas pessoas no Estrela Vermelha. Foi por isso que em 2006 renunciei ao cargo de presidente do clube. E curiosamente, os sócios me chamaram de volta em 2010. E hoje estamos a implementar um projecto atrasado quatro anos, que é a Aldeia Desportiva. Mas não tenho dúvidas que, quando não há disseminação de informação suficiente do que se faz nos clubes, associações e federações, é normal este tipo de percepção. Pode ser verdade – o que não é normal – o afastamento de desportistas sob alegação de se promover carreiras e profissionalismo desportivo com pessoas completamente novas e de fora do ambiente, quando essas mesmas coisas podem ser feitas com desportistas desde que lhes dêem formação adequada. Veja que na minha vida nunca pensei que Orlando Conde me conhecesse, mas recebi dele um afecto e carinho que não me esquecerei. Nem o vi a jogar! Nesse dia disse-me que estava honrado comigo por ser do desporto e estar a dirigir um clube do tamanho do Estrela Vermelha de Maputo.
Manuel Meque