Texto de Carol Banze e Fotos de Carlos Uqueio
Descrever o movimento matinal de pessoas dirigindo-se aos locais de trabalho, implica fazer referência a uma bagagem especial presa à mão, a marmita. Homens e mulheres, não importando a condição financeira, aderiram a esta tendência. Os “mangungus” estão na moda! E, até “ordem contrária”, vieram para ficar.
Levar comida de casa para o trabalho está ligado a diferentes factores, destacando-se, o desejo de salvar as ‘quinhentas’, tendo em conta os preços quase proibitivos dos pratos servidos em locais públicos. Outra desculpa tem a ver com a vontade e/ou o imperativo de seguir uma ‘dieta saudável’. É que, hoje em dia, já se sente na pele o ataque de doenças crónicas e degenerativas, decorrentes dos maus hábitos alimentares. Trabalhadores por nós entrevistados divergem nas suas justificações, sobre a necessidade de trazer marmitas de casa ao local de trabalho, mas, de qualquer modo, impera o argumento de que diz “a comida de casa é sempre a melhor”.
Este é o caso de Palmira Tomás, funcionária pública e residente no bairro da Polana-Caniço. Implacável, lança achas ao afirmar que tudo o que vai à sua boca deve passar pelas suas próprias mãos.
“Gosto de comida preparada por mim. Prefiro a minha ‘sujidade’. Dificilmente como alimentos preparados por pessoas que não sejam da minha confiança”. Assim sendo, desde o longínquo ano de 1989, quando foi contratada por uma instituição da função pública, optou por carregar o seu farnel. “O que preparo para o jantar da minha família resta para a minha marmita, para o almoço do dia seguinte no meu local de trabalho”, sendo que vale tudo na sua ementa, desde as carnes até às verduras como “dhledhlele, tseke, etc. Sim, isso mesmo. E passo por cima dos que torcem o nariz quando se trata de pratos (digamos) diferentes”.
Curiosamente, declara que nem um ‘ordenado dos sonhos’ a demoveria do hábito de levar comida de casa para o serviço. “Levaria, de qualquer modo, os meus mangugus. Prefiro a minha comida!”, remata Palmira Tomás.
Alinhando no mesmo diapasão, Nilza Muianga, funcionária bancária e residente no Bairro Central prefere a comida de casa. Afirma que não é a condição financeira que determina a sua opção.
O motivo passa por considerar os pratos de casa “ mais saudáveis. Veja-se que a preparação de alguns alimentos, principalmente os que se comem crus, necessita de uma atenção redobrada no acto da higienização. E eu acredito que dificilmente se consegue cuidados sem falhas nos locais onde se prepara comida para muitas pessoas”. Contudo, suaviza ao referir que “de vez em quando vou aos restaurantes”, mas, fiel à sua convicção, “não como saladas”.
De volta aos seus hábitos, refere que procura variar a sua alimentação: “Tenho levado na minha marmita verduras, carne, peixe. Todo o tipo de alimentos. A fruta não tem faltado, e por recomendação médica, como muita banana e laranja”.
POUPAR É BOM
FUGIR DAS FRITURAS É MELHOR
Parece existir uma ideia fixa segunda a qual o cardápio servido em restaurantes e outros locais especializados em alimentar o público resume-se em alimentos gordurosos e frituras. Verdade ou não, o facto é que esse rótulo determina o comportamento de certas pessoas, que se vêem obrigadas a optar por uma comida ‘mais saudável’. É na senda disso que Vânia Tembe, docente universitária e residente no bairro Ferroviário faz as suas escolhas. “Desde que comecei a trabalhar, já lá vão quatro anos, levo a comida de casa. A comida de fora (dos restaurantes e outros locais) tem sido fritos, eu não acho saudável”. Ainda assim, a dado momento acrescenta aos seus motivos o factor financeiro como o que também a impele a levar marmita ao seu local de trabalho. “Obviamente, poupa-se mais levando a comida de casa mas, de facto, não é o que pesa mais na minha decisão”, esclarece Vânia Tembe.
Nos seus ajustes à procura duma vida saudável, opta por variar o cardápio: “verdura, saladas, carne, peixe…” e um elemento especial, “a moringa”, pois, conforme garante “compensa a falta de nutrientes”.
Se para alguns a decisão correcta é alimentar-se de comida feita ‘pelas suas próprias mãos’, para outros, essa prática não faz parte de seus gostos. Esse é o caso de Augusto Cumbane, funcionário público, residente em N’Kobe, que se afirma “obrigado” a levar marmita de casa para o serviço “por falta de opção”.
Desde 2011, “faço isso por não ter outra alternativa. O meu salário não dá espaço para me sentar à mesa de um restaurante, pois o dinheiro que eu gastaria mensalmente, equivaleria ao meu salário, daí que definitivamente, não me dou a esse luxo!”.
Assim sendo, enquanto a condição financeira não melhora, na sua tigela entra “peixe, frango, matapa, couve…”, e quando chega a ‘hora H’, ao abrir a sua marmita, chega a observar reacções diferentes ao seu redor: olhares travessos, desdenhando o seu farnel. “Mas nunca me importei, afinal há quem nada tem para comer quando um novo dia amanhece”, retorque.
Numa posição contrária a de Augusto Cumbane encontra-se Carlos Tivane, funcionário bancário e residente na Matola-Rio. Só não leva marmita ao serviço, por razões de força maior. Concretamente, evita-se que os restos de comida sejam um chamariz de insectos e outros bicharocos: “Sou arquivista e é arriscado passar as refeições aqui no meu posto, mas a comida de casa é sempre a melhor”. De qualquer forma, o controlo do seu cardápio é feito em torno de “variar a minha alimentação, beber muita água e ingerir líquidos quentes para eliminar gorduras”.
RESTAURANTES
QUE CABEM EM CESTOS
À hora da refeição, a lufa-lufa é visível tanto da parte de quem busca a felicidade pelo estômago, bem como da parte de quem pode proporcionar essa felicidade. Por volta das 12 horas, alguns funcionários, principalmente de estabelecimentos comerciais, ajudantes de obra, guardas e/ou seguranças, entre outros, satisfazem o estômago adquirindo comida confeccionada por senhoras residentes em alguns bairros da periferia da cidade de Maputo, transportada em cestos enormes. Nestes casos, sonhar com variedades de pratos é proibido, pois geralmente circulam com duas alternativas, no máximo. Clientela? Muita. Afinal o custo do prato é relativamente acessível. Não passa de cinquenta meticais.
Com efeito, Júlio Mioche, vendedor, residente no bairro de Maxaquene alimenta-se dessa comida, “não tenho outra alternativa, no meu local de trabalho não há condições para conservar os alimentos. Já experimentei levar comida de casa para o serviço, mas não resiste até à hora do almoço. Apodrece”. Por este motivo, Júlio entrega-se a mãos de desconhecidas que giram pela cidade sob pretexto de alimentar os seus semelhantes em troca de alguns valores. Contudo, não se deixa distrair de tal forma que “já deixei de comprar comida de alguém. A imagem dela não me agradava. Chegava a fazer saladas na rua, sem água suficiente para essa preparação, e para nossa desgraça, misturava os temperos com a própria mão”.
Para além de negociantes que circulam pela cidade à procura de clientes, existem algumas barracas que, igualmente confeccionam e vendem comida. Mónica Biacuane, cabeleireira, residente na cidade de Maputo sacia o seu estômago comprando nesses lugares. Rectificando, num lugar onde “alguém da minha confiança prepara os alimentos. Compro lá há dez anos. Faz caril de pato, guisado de vaca, feijoada, peixe… e estou segura em relação à forma como ela prepara a comida”. Sobre levar marmita de casa para o serviço, por enquanto “nem pensar!”, pois a comida que resta do jantar “é servida ao almoço para os meus filhos, enquanto trabalho para o seu sustento”.
MICROONDAS
ENTRA NA ONDA
Para contribuir para o sucesso da moda das marmitas, várias instituições adquirem fornos de microondas, especialmente para os funcionários que passam refeições nos seus postos. Vânia Tembe revela que o primeiro forno utilizado no seu local de trabalho “era de uma colega, que tirou da sua própria casa. Esse gesto levou a que muitos dos nossos colegas passassem a levar comida de casa para o serviço”. As mesmas condições foram criadas na instituição onde Palmira Tomás trabalha, sendo que o mais importante “é garantir que a comida não se estrague até à hora do almoço, por isso trazemo-la congelada”.
Essa precaução é observada por Augusto Cumbane, que indica, igualmente, a existência de um forno no seu local de trabalho. “Sem dúvida, a compra do microondas fez com que muita gente se esquecesse um pouco dos restaurantes”, afirma Cumbane.
COMIDA DE CASA
PODE NÃO SER SAUDÁVEL
– Dr. Sousa Gastão, nutricionista
Ficar de costas voltadas para os restaurantes e/ou locais públicos de venda de alimentos não deve ser visto como garantia de uma alimentação saudável. “Tanto os alimentos preparados em casa, assim como os servidos em locais públicos podem apresentar um deficit no que diz respeito a componentes preponderantes para a boa saúde”, refere Dr. Sousa Gastão, nutricionista.
É que para garantir uma boa qualidade dos alimentos, há que ter em conta vários aspectos, tais como a qualidade dos produtos e correcta higienização dos mesmos. “Muita gente não observa estes elementos – não importando o local onde esses alimentos são preparados –o que pode ocasionar distúrbios alimentares. Repare-se que este cuidado é válido para os alimentos não cozidos e também para os cozidos”. Entretanto, paralelamente a estes cuidados, há que diversificar os pratos: “é preciso incluir nas refeições, vegetais, carnes, cereais, entre outros elementos, para garantir que cada um cumpra com a sua função, contribuindo para a boa saúde do indivíduo”. De contrário, e a julgar pela ‘preferência’ dos moçambicanos, os alimentos gordurosos continuarão degradar a saúde dos indivíduos, pois quando consumidos de forma descontrolada geram problemas sérios de saúde.
NUTRICIONISTA
PRECISA-SE
Em casa, nos locais públicos, a função do nutricionista mostra-se de extrema relevância para regular os hábitos alimentares das pessoas. “É importante consultar-se, periodicamente, um nutricionista. Ele ajuda a ter uma alimentação dentro dos parâmetros desejáveis, pois verifica e avalia em que proporção se deve consumir um produto X ou Y, para evitar o aparecimento de doenças crónicas e degenerativas”. Por isso, o nutricionista Sousa Gastão faz um apelo no sentido de se incluir o nutricionista nas consultas de rotina.