O prémio Sakharov deu finalmente reconhecimento ao ginecologista Denis Mukwege. E ele bem o merece. Mukwege podia trabalhar nas melhores clínicas de Paris, Londres e Nova Iorque. E ganhar fortunas. Mas este ginecologista prefere viver no hospital de Panzi, em Bukavu, na República Democrática do Congo (RDC).
É essa a sua casa desde 1999, o local onde, dia após dia, se supera e bate um macabro recorde mundial: mais de 45 mil vítimas de violação foram operadas por este médico a quem o Parlamento Europeu atribuiu o P´remio Sakharov, galardão que distingue pessoas e organizações que lutam pela “liberdade de espírito” e pelos direitos do homem.
No caso deste congolês de 59 anos, é imperioso falar-se dos direitos negados às mulheres, meninas e bebés que ele continua a assistir e a salvar. Afinal, limita-se a cumprir o juramento de Hipócrates, a fazer milagres médicos no pior país do mundo para o sexo feminino e a denunciar o horror da violação como arma de guerra.
O pior é que as suas denúncias de pouco têm servido para eliminar este flagelo. Em 2011, um estudo do American Journal of Public Health contabilizava um milhar de ataques sexuais por dia no antigo Zaire, quase meia centena por hora. Números brutais que Denis Mukwege prefere não discutir, preferindo antes descrever o sofrimento do mundo que conhece: “vi vaginas onde espetaram pedaços de madeira, de vidro, de aço. Vaginas laceradas por lâminas de barbear, por facas, por baionetas. Vaginas queimadas com borracha em brasa, com soda cáustica. Vaginas em que deitaram gasolina e depois pegaram fogo”.
Os seus relatos costumam ser assim porque ele sabe que essa é a única forma de despertar consciências. Em 2012, foi à Assembleia Gera das ONU, em Nova Iorque, com esse propósito. Ao regressar a casa, foi alvo de um atentado que quase lhe custou a vida. Quis largar tudo e esteve três meses na Bélgica. Mas não resistiu aos apelos dos seus compatriotas. Voltou a Panzi mas os seus agressores ficaram impunes, com a conivência do Governo de Kinshasa.
Em Dezembro foi o principal orador de um seminário do Banco Mundial, em Washington: “ As mulheres carregam a economia de África às costas. Se as quebrarmos física e psicologicamente, estaremos a perpetuar o ciclo da pobreza.” Melhor que ninguém ele sabe do que fala.
Só lhe falta receber o prémio que há vários anos lhe escapa – o Nobel da Paz.
(In Visão)