Textos de Artur Saúde
Os idosos do Centro Aberto de Apoio à Velhice de Chongoene, província de Gaza, passam por cima da rejeição que sofreram das suas famílias, sob acusação de feitiçaria e vingam-se no trabalho mostrando o seu valor e utilidade sociais.
São quarenta e cinco idosos que vivem felizes com o tratamento que recebem naquele centro. Mesmo apoiados pelo Instituto Nacional de Acção Social (INAS) não ficam de braços cruzados. Criam suínos, patos, galinhas e fazem machambas donde colhem hortícolas para a sua dieta alimentar.
O centro aberto é uma herança dum projecto similar que era gerido pela Igreja Católica no tempo colonial. Com a conquista da independência, em 1975, a iniciativa continuou, contando hoje com 12 residências maticadas e cobertas de chapas de zinco e 24 outras residências de alvenaria.
Têm uma lavandaria, sala de televisão, refeitório, casas de banho internas e externas num terreno cercado. Para além de cultivarem a terra, fazerem colheres de pau, peneiras, cestos e demais utensílios domésticos também praticam actividades culturais em interacção com os meninos de escolas primárias vizinhas.
Otília Manjate, 40 anos, chefe dos idosos no centro, disse-nos que são assistidos periodicamente por um enfermeiro e recebem apoio médico sempre que necessário. Internamente, há um rigor na dieta alimentar, porque passam refeições diversificadas baseada em produtos doados ou por eles produzidos.
domingotraz algumas histórias destes idosos, bem como as suas perspectivas de vida.
Friday Mape, 58 anos, natural de Gurué, Zambézia, é o responsável das hortas. “Saí da Zambézia no período colonial, fui para Lourenço Marques e depois vim para aqui. Não penso voltar porque já não tenho família”.
Arranjou uma amiga íntima com quem partilha as suas emoções amorosas e lhe faz esquecer o passado do seu sofrimento e remata: “não quero mais voltar a Gurué, quero morrer aqui”.
Sobre histórias de amor, Virgínia Francisco Utui, 68 anos, cega de Chibuto, foi quem teve rosas na vida durante dois anos quando ali conheceu e casou-se com um velho parceiro em 2009 e que veio a falecer em 2011. Casou-se pela Igreja e registo civil com toda a organização feita pelos responsáveis do centro.
Ela vive há oito anos, depois que ficou desamparada da família. No seu primeiro casamento teve quatro filhos dos quais dois morreram. Dos que restaram um desapareceu da circulação e a outra emigrou para a África do Sul. “A que está na África do Sul é que me sustentava, mas quando desapareceu fiquei muito desamparada. Por isso estou aqui”, diz Virgínia Francisco Utui.
Alfredo Manuel Machava, 74 anos de idade, vem de Chalala, vila da Laranjeira, em Mandlakadzi, e é portador de deficiência física. “Parei no centro porque perdi a minha esposa e filhos”. Apesar da deficiência, cultiva a terra e faz cestos e peneiras e diz que “sou muito bem tratado que não quero voltar”, refere Alfredo Manuel Machava.
Por seu turno, Rafael Fabião Matuasse, de 55 anos, embora, por doença, tenha perdido os seus membros inferiores, faz colheres de pau e peneiras. Diz que jamais iria voltar a Chókwé, sua terra natal. Afirma que o desamparo familiar e a doença lhe levaram ao centro aberto de Chongoene. “Estou muito bem”, disse-nos Rafael Fabião Matuasse.
Avelina Sambo, 77 anos, já foi secretária da Organização da Mulher Moçambicana (OMM), em Xitlhalo, depois de Mavengane em Mandlakadzi. Parou ali porque os seus filhos todos foram mortos pela Renamo durante a guerra dos 16 anos. “Os da Renamo mataram todos os meus filhos, por isso estou aqui”, frisou Avelina Sambo.
DESAFIOS
Segundo Maria Fiela Boa, responsável do centro de apoio à velhice de Chongoene, são três os principais desafios da instituição. Primeiro continuar a reabilitar a vedação, já que alguns saem para beber nas proximidades do centro. “Queremos parar com isso duma vez por todas”.
O segundo desafio é adquirir transporte que leve os idosos ao hospital e outros locais sem problemas e “o último desafio é de ter um guarda-nocturno”