Há pouco mais de seis anos, celebramos a segunda independência nacional via Cahora Bassa. A frase – Cahora Bassa é nossa – proferida pelo Chefe do Estado, Armando Guebuza, virou jargão popular. A euforia generalizada tinha razão de ser.
A barragem do Zambeze era, até então, o último resquício da dominação colonial de 500 anos em Moçambique. Cahora Bassa juntava-se, assim, a outros recursos de que o país é dotado.
O processo que culminou com a reversão foi longo, complexo e penoso. A Independência Nacional, em Junho de 1975, foi proclamada sem o controlo deste importante empreendimento estratégico para o desenvolvimento do país. Todavia, como nos é peculiar, sempre mantivemos ateada a nossa certeza de que um dia conquistaríamos aquele monumento porque a razão nos assistia. Não havia outro desfecho que não a reversão.
Na sequência de um Memorando de Entendimento rubricado com o Governo Português, em Novembro de 2005, e pela assinatura, em Outubro de 2006, do Protocolo respeitante à reversão e transferência desta importante infra-estrutura para Moçambique, foi encerrado um ciclo que durou pouco mais de 32 anos de avanços e recuos; todavia, porque os moçambicanos estavam cientes da justeza da luta, sempre persistiram na perspectiva de antes torcer do que quebrar… aliás, só a árvore conhece a dor provocada pelo machado que o corta!
Com uma capacidade disponível de 2075 MW, Cahora Bassa é a segunda maior central hidroeléctrica ao nível do continente africano a seguir a Assuão com um potencial para produzir 2 100 MW e está entre as dez maiores do mundo. A sua reversão e transferência para Moçambique propiciou um ambiente atractivo para a implementação de mais empreendimentos para a geração de energia eléctrica para a rede nacional. O projecto da hidroeléctrica de Mphanda Nkuwa é um dos exemplos. As expectativas são as de se chegar à exploração do potencial de mais de 12 000MW.
Com a reversão deste estratégico património para o Estado moçambicano perspectivou-se o início de um processo do seu enquadramento na matriz do desenvolvimento económico e social. Configurou impulsionar os projectos de electrificação rural bem como expansãono acesso à rede pública de electricidade, criando assim condições para a melhoria da qualidade de vida de muitos mais moçambicanos.A disponibilidade de mais energia devia constituir-se num forte atractivo para a viabilização de projectos de investimento público e privado, nacional e estrangeiro no nosso país. Cahora Bassa deve igualmente contribuir para o desenvolvimento da região, através da energia que continuará a exportar para a África do Sul e para o Zimbabwe e Malawi. Para além disso, a nossa hidroeléctrica continuará a fornecer energia aos outros países da região, através da Associação das Empresas de Electricidade da África Austral, criada precisamente para facilitar a compra e venda de energia na região.
Em Moçambique, a electricidade é, principalmente através da rede nacional, gerida pela Electricidade de Moçambique. Apenas cerca de 30 por cento da população moçambicana tem acesso à rede pública de electricidade, maioritariamente concentrada na capital moçambicana, onde 90 por cento dos seus habitantes têm luz.
Em todo o país, perto de um milhão de agregados familiares têm acesso a electricidade. Há uma hierarquia de causa-efeito, com destaque para situação em que a produção da Hidroeléctrica de Cahora Bassa, a principal geradora de electricidade de Moçambique, é transmitida directamente à África do Sul (cerca de 80 por cento de sua produção). Em seguida, Moçambique reimporta energia da África do Sul para o seu uso interno.
Este facto, aparentemente isolado, tem um efeito multiplicador que acaba se reflectindo no bolso do consumidor final; associado à reimportação da energia, a factura inclui custos sociais de colocação da energia eléctrica para os moçambicanos. Tomemos como exemplo a colocação de uma rede de distribuição de energia numa aldeola próxima da vila de Nipepe, em Niassa. A EDM tem de colocar lá postes, cabos, quadros Credelec, transformadores, entre outros componentes, quase todos importados. Os custos são elevadíssimos se consideramos que o grosso da referida aldeia irá depois pagar valores subsidiados – o chamado subsídio cruzado – para além de que o seu consumo é infinito. Há ganhos políticos, mas não económicos nesse grande investimento.
São evidentes os progressos que vêm sendo feitos para massificação do acesso à rede pública de electricidade, visto que apenas 7 por cento da população tinha acesso a energia eléctrica em 2005, sendo que actualmente quase todos os distritos do país têm acesso. O sector vem registando rápidas modificações, que deverão obter respostas estratégicas na elaboração das políticas energéticas, visto que com a entrada em funcionamento dos megas projectos, que irão consumir grandes quantidades de electricidade, poderão gradualmente condicionar o acesso à rede pública de electricidade, sendo que oabastecimento restrito de energia reduz o ritmo de crescimento da produção.
Agora, chegam-nos notícias preocupantes. A EDM está a entrar no “vermelho”. Este é o preço de uma política social de investimentos que mais tira do que repõe. Não há dúvidas de que a energia eléctrica deve chegar ao maior número possível de cidadãos mas há que ter em conta que há sempre grandes perdas económicas quando se privilegia investimentos político-sociais.
Há razões históricas e económicas que devem ser aquilatadas neste assunto: Cahora Bassa foi construída para fornecer energia eléctrica à África do Sul; consequência imediata é que a energia que sai daquela barragem vai à transformação na África do Sul e só depois é que vem para “casa”. Os sul-africanos compram de Cahora Bassa energia “bruta”, transformam-na e nós vamos lá compra-la. Indubitavelmente, o preço é alto.
Resumindo: Cahora Bassa é nossa sim, mas os custos de obtenção da energia são altos. Os que sonhavam com energia “de borla” têm de enfrentar a dura realidade de que os custos do consumo da energia incluem outras facturas invisíveis, nomeadamente a social e a política!