O campo de futebol de Cape Cape, no Bairro do Chamanculo, cidade de Maputo, já não dignifica Lurdes Mutola, campeã mundial e olímpica dos 800 metros. Com participação da “menina de ouro”, o recinto foi por duas vezes reabilitado e ampliado. Sua destruição está imparável perante o olhar impotente da comunidade local.
A 9 de Novembro de 2002, na reinauguração do Cape Cape, Lurdes Mutola dizia: “Hoje é muito bonito ver este local como está. Há anos atrás, quando estive aqui só vi lixo, mas hoje o lixo está substituído por um campo e Chamanculo está de parabéns”.
Agora, o campo continua lá, mas sem aquela beleza a que a nossa “menina de ouro” se referiu em 2002. Acabou o bonito, ficou o feio. Parece-se com algo que tenha sido roído por ratos.
“A nossa esperança é que com campos como este o nosso desporto possa recuperar a sua imagem e nos proporcione de novo os momentos de glórias de que nos habituou no passado. Este espaço deve ser usado pelos atletas de amanhã”, admitia o Presidente da República, Joaquim Chissano, dia 9 de Novembro de 2002, perante os residentes do Bairro de Chamanculo.
A ideia era que o Cape Cape, situado pertinho da casa onde Lurdes Mutola viveu, fosse centro de captação de talento e da sua lapidação.
Entretanto, o local transformou-se no campo de confrontos de adultos, uns com anuência da Associação de Futebol da Cidade de Maputo, que vem agendado jogos para lá, uns pelo amadorismo secular naquele bairro.
As crianças ficaram marginalizadas e regressaram aos becos, quintais e às ruas para a sua brincadeira de jogar à bola.
Em 2006, o campo beneficiou de uma nova reabilitação patrocinada pela mCel, na perspectiva de que dai em diante a comunidade local ganharia consciência de ser ela própria a garantir a manutenção do seu bem.
Nada disso aconteceu. A rede de vedação foi sendo destruída. A vala construída em volta passou a ser depósito de lixo, o espaço de jogo virou estrada, os balneário ficaram sem sanitas e lavabos e, finalmente, parte das chapas, que cobriam a tribuna de honra, “voaram” para locais incertos, embora se diga que foram cair em cima de barracas próximas que precisavam de cobertura.
Na altura foi criada uma comissão para a gestão do campo, encabeçada por Alves Fumo, cujos membros haviam sido escolhidos pela comunidade, conferidos posse pelo Secretário de Chamanculo C e pela Direcção da Juventude e Desportos da Cidade de Maputo. Alguns recebiam mensalmente subsídio do Estado, mas porque não justificavam esse recebimento foi-lhes retirado e sumiram de vez.
Foi essa comissão que em 2006 se aproximou da mCel, que veio construir compartimentos, tribuna de honra, balneários e alargou a bancada para 300 pessoas.
Ainda em 2006 a comissão entendeu que para uma melhor utilização do campo deviam criar uma estrutura que passou a denominar-se Associação Desportiva de Cape Cape, que se filiou na Associação de Futebol da Cidade de Maputo. Fez três campeonatos com ajuda de um empresário local, Nadime. Passou a ter uma equipa sénior.
Sem apoio, o clube não se filiou nos anos 2010 e 2011. Com ajuda de Victor Magaia, antigo guarda-redes do Maxaquene, voltou a filiar-se. A equipa passou a ser suportada por Alves Fumo (presidente) e Victor Magaia (treinador) e Jorge Mambo.
“Houve pessoas que nos queriam arrancar este espaço. Nós dissemos nunca. Este é um bem comunitário. Nunca será vendido. É aqui onde os nossos filhos vão se fazendo ao desporto. Sempre que tivermos dificuldades vamos pedir apoios e nunca o vender”, dizia Alves Fumo, em entrevista ao domingo no mês de Abril do ano passado.
PALMAS PARA FUMO
Alves Fumo, gestor chefe, merece palmas. Todos fugiram da desgraça que criaram para o campo, mas ele ficou. Aqueles que pensavam que ele os seguiria passaram a calunia-lo de corrupto, até de ladrão, que se apropriava do dinheiro do alugar do recinto por alguns clubes que punham as suas equipas a treinarem ali ou porque dos ganhos do Centro Social comia sozinho. Ninguém se punha a imaginar que era preciso ter dinheiro para alguma manutenção da infra-estrutura.
Algumas pessoas de fé já se aperceberam que não é chutando Alves Fumo dali que se vai recuperar o Cape Cape. É se juntando a ele que se pode travar a destruição que já fez desaparecer tudo de bom que ali havia.
Então, nos últimos tempos tem havido reuniões com o objectivo de se impedir o avanço da degradação daquela infra-estrutura desportiva comunitária. Já se contribuiu dinheiro para abertura de uma conta bancária. A finalidade é repor a vedação com tijolos (já que se concluiu que o arame não é seguro, sobretudo naquela zona onde alguns indivíduos recorrem a tudo para a sua sobrevivência), recolocação das chapas na tribuna de honra, reabilitação dos balneários, limpeza da vala em volta do campo e tudo mais que no passado dava beleza e segurança ao recinto.
A comunidade de Chamanculo C quer recuperar aquilo que um dia podia se chamar Academia de Futebol Cape Cape. Dessa forma também se homenagearia o primeiro presidente de Moçambique, Samora Machel, que depois da Independência Nacional, em 1975, mandou retirar as pessoas que viviam naquele terreno baldio, onde suas casas se enchiam das águas da chuva, para onde hoje é Bairro T3.
Foi com a retirada, em 1978, dos que aí moravam, que os jovens das casas circunvizinhas entenderam montar no local duas balizas e aí passaram a jogar futebol. E a história quis que fosse ali mesmo que Lurdes Mutola seria retirada do futebol para o atletismo, rumo à glória mundial.