O Regadio do Baixo Limpopo, em Gaza, possui uma área total de 70 mil hectares. Começa da margem direita do rio Limpopo, na zona de Chissano, e se estende até à foz deste curso de água. Dos cerca de 70 mil hectares que esta área de irrigação possui, apenas 16 mil hectares estão a ser aproveitados para a produção de cereais e hortícolas.
Porém, os investimentos que estão a ser feitos prometem revolucionar o “monstro” adormecido para saciar o país.
Dados em nosso poder indicam que a utilização dos 16 mil hectares só foi possível graças à parceria público-privada firmada entre o Estado moçambicano, representado pela empresa denominada Regadio do Baixo Limpopo (RBL) e duas entidades privadas de origem chinesa e italiana, nomeadamente o Projecto Wanbao e Sammartini, respectivamente.
De acordo com os mesmos dados, a criação da empresa RBL é recente e as suas actividades remontam do ainda fresco ano de 2011. Naquele ano, a RBL operou numa escassa área de quatro mil hectares, tendo no ano seguinte (2012) triplicado esse espaço para cerca de 12 mil hectares. No ano passado (2013), foi utilizado um espaço de 16 mil hectares, sendo que a perspectiva é chegar aos 30 mil até ao final dos próximos três anos.
Armando Ussivane, presidente do Conselho de Administração do RBL, disse ao nosso jornal que esta expansão será possível graças à implementação de diversos projectos previstos para aquela zona, com destaque para o alargamento do espaço concedido ao Projecto Wanbao dos actuais oito mil para 20 mil hectares e, por outro lado, à expansão dos cerca da área cedida à Sammartini que até ao momento usa 800 hectares tidos como experimentais nos quais se produz o arroz, milho, hortícolas, entre outras culturas.
No concernente à produção, durante a primeira época da campanha agrícola 2013/2014, o RBL havia ocupado uma área de cerca de 12 mil hectares mas, as cheias que se verificaram no começo do ano passado destruíram tudo, ou melhor, quase tudo, na medida em que foi possível recuperar 30 hectares.
No entanto, na segunda época, foi possível repor a produção graças à intervenção do governo e dos agricultores. “A segunda época foi boa. Fomos flexíveis na retirada das águas, pois toda a área estava inundada e imediatamente disponibilizámos cerca de cem toneladas de sementes de milho, hortícolas e batata”, disse Armando Ussivane.
Apesar das cheias que têm afectado a província de Gaza, uma das ambições dos gestores do RBL é ver esta província a produzir mais e melhor, de modo a contribuir para a segurança alimentar local e do país, uma vez que possui os dois maiores regadios do país, nomeadamente, RBL e o Regadio do Chókwè.
“O grande objectivo é conseguir que a província de Gaza volte a ser o celeiro do país. Em algum momento falou-se do Baixo Limpopo, porque já teve potencial. Foi um grande regadio e foi passando por vários problemas. Chókwè também foi o celeiro do país. Neste momento, gostaríamos de ver os dois regadios a serem os maiores produtores de alimentos”, referiu.
Para que isso se concretize, o governo tem estado a apostar nas Parcerias Público-Privadas (PPP) e nas comunidades, um modelo híbrido de parcerias que deverá incluir a transferência de tecnologias dos grandes produtores para os pequenos com vista a aumentar a produtividade deste último grupo.
Existe também a questão de fomento da produção que vai garantir mercado para a produção dos camponeses, sem contar com a possibilidade da abertura de mais postos de trabalho para a população local e responsabilidade civil por parte das empresas privadas que investem no regadio.
Produção tem mercado
Um dos dilemas com o qual os produtores se têm deparado é a falta de mercado para a colocação da produção. Este problema, segundo Ussivane, não tem afectado os agricultores locais, “mas a falta de eficiência do mercado é que é preocupante”.
A título de exemplo, o arroz sempre teve mercado, há alguns anos, toda a produção do regadio era vendida no distrito de Chókwè. No entanto, com a construção de infra-estruturas de processamento do Projecto Wanbao, a produção deste cereal tanto em Chókwè como em todo o regadio de Limpopo, passará a ser feito nestas novas instalações.
Mas, o que tira sono aos gestores do TBL é o preço do arroz em casca que, geralmente é tido como pouco compensatório, pois não chega a dez meticais por quilograma. Associado a isto, coloca-se também a questão da produtividade por hectare, dado que aqueles camponeses apenas colhem cerca de 2.5 toneladas por hectare.
Espera-se que esta situação seja invertida com a introdução de uma nova variedade de arroz, proveniente da China, que poderá ajudar a elevar a produção para cerca de oito toneladas por hectare, como acontece em vários locais onde esta cultura é produzida para fins comerciais.
Em relação à produção de hortícolas, a nossa Reportagem apurou que estas são vendidas no mercado local e, em muitos casos, alguns produtores conseguem introduzi-las na província e cidade de Maputo que é a área de grande consumo a nível nacional.
Mas, como não há bela sem senão, aqui o problema está associado à oferta. Normalmente, quando há muita hortícola, o preço baixa até virar pura oferta. “É por isso que estamos em processo da criação de infra-estruturas para o processamento das hortícolas antes da comercialização, propiciando valor acrescentado a que se vai acrescer o acesso a diversos mercados com preços melhores”, sublinhou Armando Ussivane.
Enquanto isso, o milho, sobretudo o do sector comercial não tem problemas de mercado. Vende tanto na província de Gaza como em Maputo. Mas, no sector familiar é diferente, pois é produzido na perspectiva de ser levado à panela do camponês. Essa é a primeira coisa que ocorre na cabeça dos agricultores. Numa segunda fase, e em função do excedente, é que se começa a pensar na venda.
Chineses investem cerca de
250 milhões de dólares no RBL
O Projecto Wanbao é originário da província chinesa de Hubei e os acordos para a transferência de tecnologias em vários sectores foram rubricados em 2007. No entanto, a agricultura encontra-se adiantada em relação aos outros sectores que completam a parceria.
No domínio agrícola, segundo os gestores da iniciativa, este projecto iniciou com a componente de testagem das variedades de arroz mais produtivo, para que se possa sair das 2.5 toneladas por hectare, para cerca de oito toneladas por hectare, com vista a colmatar o défice existente na produção deste cereal.
Em 2012, foram realizados testes numa área de cerca de 200 hectares para saber se as tecnologias chinesas funcionavam em solos moçambicanos e os resultados foram positivos. Daí que, para este ano, a área foi elevada para cerca de seis mil hectares para a produção de arroz.
No ano passado, foi assinado um contrato para a cedência de 20 mil hectares, onde estão a ser implantadas infra-estruturas diversas, como fábricas de processamento do arroz, armazéns com capacidades para conservar perto de cem mil toneladas de cereais.
O investimento está orçado em 250 milhões de dólares americanos e numa primeira fase já foram desembolsados perto de 50 milhões de dólares para a construção de infra-estruturas básicas, preparação dos seis mil hectares usados para a sementeira do arroz e transferência de tecnologias para os camponeses locais.
De salientar que no Baixo Limpopo são usadas variedades de arroz como o ITA 312 e Limpopo. Por outro lado, e recentemente, os especialistas chineses introduziram uma nova variedade que está em fase de certificação, que foi baptizada como o nome de Simango.
Sammartini já investiu
seis milhões de dólares
A Companhia Agro-Social Sammartini é de investidores do RBL. Vem da Itália e está ligada à produção de cereais, sobretudo o milho. Para esta empresa, foi cedida uma área de mil hectares, dos quais 800 hectares constituem a zona produtiva e os remanescentes 200 são de estradas, valas e zonas muito baixas que não podem ser usadas para agricultura.
Armando Bambo, gestor da Samartini, disse ao domingo que aquela companhia é privada. “O dono é agricultor na Itália e veio no âmbito de um convite lançado aos empresários internacionais pelo Presidente da República, Armando Guebuza”.
Dados em nosso poder indicam que até ao momento foram investidos cerca de seis milhões de dólares, em maquinaria diversa e infra-estruturas, que contemplam também as valas e preparação de terras. A produção nesta companhia iniciou no ano passado, no entanto, tudo se perdeu devido às cheias que se verificaram no início de 2013.
“Temos uma componente de transferência de tecnologias, que envolve as comunidades locais e a mesma já se encontra em diferentes estágios. Em algumas áreas, usamos tecnologias que os camponeses vinham usando mas, em outros pontos usamos 100 por cento a nossa tecnologia. Isso tem o intuito de mostrar as diferenças e as vantagens existentes entre as tecnologias”, disse Bambo.
Promover pastagem intensiva
Os níveis de investimentos que estão a ser realizados no Regadio do Baixo Limpopo exigem outros desafios, sobretudo na área de pastagem, pois durante muito tempo aquela zona era usada para alimentar o gado bovino e caprino abundante na região.
domingoapurou que os projectos agrários que estão a decorrer naquela área estão a entrar em choque com os pastores locais pelo facto de reduzirem a área de pastagem. Para fazer face a este dilema, foi desenhado um programa para promover a pastagem intensiva que visa alimentar o gado numa área pequena.
Uma das acções que foram realizadas com vista a se atingir esse objectivo foi a disponibilização, no distrito de Xai-Xai, de uma área de cerca de 16 mil hectares somente para a pastagem, no âmbito da parceria com o Projecto Wanbao.
A parceria vai consistir num programa de suplementação alimentar. Já foram realizados alguns levantamentos, reservadas as áreas e as comunidades foram avisadas que as áreas de pastagem reduziriam, mas que existem lugares específicos para essa actividade.
“Isto é um desafio por se tratar de um programa não conhecido. A comunidade está habituada a deixar o gado ao ar livre. Teremos de fazer muito trabalho de sensibilização para que as famílias deixem o gado entrar neste tipo de pastagem. Ainda no fim desta campanha, vamos começar a implementar esse projecto”, disse Armando Ussivane.
Acrescentou que “estamos a ver a gestão do regadio, duma forma integrada, e a suplementação alimentar para o gado entram como uma prioridade nossa. É uma questão estratégica. Sabemos que muitas famílias aqui na região sobrevivem de gado”.
Angelina Mahumane